sexta-feira, 3 de março de 2017

O revigoramento das instituições do Estado - *Gastão Alves de Toledo

- O Estado de S. Paulo

O ideal perseguido pelo constitucionalismo, dos freios e contrapesos, está se realizando aqui

Uma das principais características de um país desenvolvido é o bom funcionamento de suas instituições políticas. Entre nós, esse fato tem sido um ideal sempre adiado, que agora promete concretizar-se em prazo não remoto, tendo em conta o recente desempenho dos órgãos públicos encarregados pela Constituição federal de conferir a devida operacionalidade à engrenagem nela estabelecida, sobretudo nos momentos em que deles se exige o máximo de sua competência e integridade.

Com efeito, a eficácia do aparelho estatal depende da funcionalidade de suas instituições para o cumprimento das missões específicas que lhes são atribuídas. Em meio à profunda crise econômica por que passa o País, o organismo público, a começar pelos integrantes dos Poderes da União, viu-se subitamente diante de um enorme desafio, em razão do cenário político conturbado, decorrente das circunstâncias peculiares à difícil transição no comando do Poder Executivo. Houve momentos de dúvida sobre a higidez do nosso sistema em face das tensões advindas da contraposição de forças e do chamamento do Poder Judiciário para arbitrar os novos conflitos que delas emergiram.

Ao lado desses fatos, inerentes às substanciais modificações havidas na composição das forças políticas, cuja complexidade se evidenciou prontamente, ressalte-se a atuação da Polícia Federal e do Ministério Público na identificação e apuração de delitos, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato, que segue exercendo sua tarefa saneadora, ao mesmo tempo que o Tribunal de Contas da União se debruça eficazmente na análise de várias questões que repercutem nesses procedimentos.

Como se sabe, o presidente da República, ao assumir o governo, logo se deparou com a dimensão do desastre recebido. O violento desequilíbrio fiscal e a paralisia econômica exigiram e continuam a demandar medidas que ao espectro político custou a entender, como a necessidade inadiável de se impor a austeridade com o dinheiro público, restaurar a verdade orçamentária e promover a desvinculação de receitas, providências urgentes para o estancamento da sangria financeira a que estava submetido o Tesouro Nacional.

Ação de esclarecimento do universo político e da sociedade em geral sobre a gravidade dos problemas se impôs de imediato, e mudança substancial veio a ser feita no plano constitucional, estabelecendo-se um teto para as despesas públicas. Tudo isso em poucos meses, tempo exíguo se comparado à nossa praxe administrativa e legislativa.

O mesmo ritmo se espera para as reformas que virão, a começar pela previdenciária e pela trabalhista. O saneamento fiscal passa pela aprovação da primeira; a geração mais rápida de empregos e sua manutenção, pela segunda. Deverão ser complementadas por modificações no sistema tributário, medida há muito debatida e nunca levada a termo.

Por outro lado, a maioria dos Estados federados encontra-se em estado de penúria financeira, fruto do descalabro administrativo nutrido por um aparelho burocrático desfigurado pelo interesse político, aliado a uma visão patrimonialista da coisa pública, sementes da incontinência fiscal. Não será simples resolver-lhes os problemas. Em muitos, o quadro é desalentador, constituindo-se em desafio especial para aqueles que têm o ofício de conduzir a Federação.

Os agentes econômicos, a seu turno, esperam por sinais de recuperação econômica que os estimule a investir, os quais já parecem emergir de alguns setores.

Engenharia política de larga envergadura, a rápida atuação do Poder Executivo, seja nas medidas emergenciais, seja nas de longo prazo, contou com o indispensável apoio do Congresso Nacional, obtido em meio a todas as incertezas e ao ineditismo das questões debatidas, muitas delas levadas ao crivo dos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal. Pois é neste momento crucial que sobressai o fato de as instituições republicanas permanecerem firmes, atuantes, não se deixando abalar pela procela que atravessamos.

Ao contrário, mostram-se à altura dos deveres de sua vocação. Sem dúvida, a liderança política e a postura legalista do chefe do Executivo têm contribuído decisivamente para que a ordem constitucional seja por todos respeitada.

É de todos a obra de reconstrução do País, que depende necessariamente da continuidade do desempenho de nossa estrutura institucional. Sem ela não poderíamos levar a cabo essa tarefa. Executivo, Legislativo e Judiciário, e demais órgãos, não são elementos abstratos da arquitetura jurídica. São conjuntos de pessoas que a sociedade incumbiu de representá-la no exercício das mais altas funções da República e merecem ser prestigiados, pois deles depende o alcance desses objetivos. Na democracia representativa não há outra forma de agir.

O ideal perseguido pelo constitucionalismo, de ver na experiência prática a atuação dos freios e contrapesos inerentes a um sistema organizado, em que as funções do Estado se devem harmonizar, está se realizando entre nós. É motivo de regozijo para os que comungam a esperança de atravessarmos mais esta barreira no caminho da maturidade política, primeiro passo para o alcance do elevado patamar da civilidade plena.

O senso de equilíbrio demonstrado pelo presidente Michel Temer e a sua habilidade no trato simultâneo dos assuntos mais diversos para dar-lhes solução adequada, sempre ancorado na Carta Constitucional, propiciaram a redução dos embates e tensões, renovando-se a percepção de que passamos por um período de revigoramento institucional e progressiva restauração da confiança do nosso povo nos rumos do País.

*Doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, é membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Instituto dos Advogados de São Paulo

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