sexta-feira, 10 de março de 2017

Tesouro sob choque de boa governança - Claudia Safatle

- Valor Econômico

A inescapável discussão sobre a redução do Estado

Depois da desastrada gestão de Arno Augustin na Secretaria do Tesouro Nacional, foi preciso dar um banho de boa governança e injetar autoestima na instituição. As mudanças, que migram de um modelo de administração autárquico para o de diretoria colegiada, começaram com Marcelo Saintive, que chefiou a STN durante o periodo de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e continuam com a atual secretária, Ana Paula Vescovi.

Hoje o Tesouro completa 31 anos. A comemoração será austera, com uma palestra do economista Samuel Pessoa e nada de champanhe. A casa está em fase de recuperação da credibilidade perdida.

"Houve um misto de falta de transparência e de pouca preocupação em ter conformidade com a lei. Isso fez o Tesouro perder credibilidade. Foi uma coisa gradual. A instituição foi sendo levada e acabou com perda de autoestima", disse Ana Paula.


A mudança da política econômica e fiscal, com a troca de governo, imprimiu um "compromisso firme com a transparência, com as metas e com o cumprimento da lei. Enfim, com a consolidação fiscal", explicou ela. Isso significa ter uma gestão voltada para a queda da relação dívida bruta/PIB. Como o estrago foi muito grande, vai demorar anos para colher resultado. Por ora a dívida bruta ainda vai crescer, pode atingir a casa dos 90% do PIB, para só então se estabilizar e cair. A meta de longo prazo é deixa-la entre 50% a 60% do PIB.

A aprovação da lei do teto para o gasto leva ao inexorável debate sobre o tamanho do Estado brasileiro. A pergunta que está posta, segundo ela, é: " Qual o tamanho do Estado que vamos ter para conseguir uma tributação mais simplificada e justa?".

Ao mesmo tempo que prepara a STN para subsidiar as escolhas que deverão ser feitas para que as despesas caibam nas receitas e reorganiza a política fiscal, Ana Paula persegue o fortalecimento da instituição para que "fatos que ocorreram no passado não voltem a acontecer no futuro. Estamos investindo na governança e na institucionalidade da STN".

Na era Augustin "a questão técnica ficou relegada a segundo plano", comentou. A instituição operava em ilhas, explicou Líscio Camargo, sub-secretário de Assuntos Corporativos da STN, que acompanhou a conversa de Ana Paula com a coluna. Cada um fazia o seu papel e não havia conversa entre si. Para estabelecer interlocução entre as áreas foram criados os comitês de programação financeira, de planejamento estratégico, da dívida e o de concessão de garantias. Mais recentemente, institui-se o comitê de gestão, que paira sobre os demais e funciona como uma diretoria colegiada.

Foram fixadas alçadas até então inexistentes. Camargo contou que hoje tem alçada para contratar gastos de até R$ 1,5 milhão. Acima disso, só com a aprovação da secretária. Os comitês reportam a ela as suas recomendações técnicas. Eventuais discordâncias são debatidas com as respectivas áreas até se chegar a um acordo.

Nesse modelo não há espaço, por exemplo, para a festa de concessão de garantias aos governos estaduais, que no governo passado estimulou o endividamento e colocou vários Estados em situação falimentar. "Isso não ocorreria porque os comitês tem suas decisões documentadas em atas e essas são acessíveis aos órgãos de controle, com os quais temos hoje uma proximidade maior. Inclusive criamos a diretoria de controle de riscos e conformidade, que faz a interlocução com os órgãos de controle", disse Ana Paula.

Os funcionários identificados com a prática da "contabilidade criativa" deixaram seus postos e alguns saíram da STN. Marcos Aucélio, braço direito de Augustin, que ficou conhecido como o "mago" das finanças públicas - por ter sido capaz de transformar dívida em receita primária - pediu licença sem remuneração e é diretor financeiro da Taesa, empresa do grupo Cemig.

A "operação quadrangular" também não se repetiria. A estranha obra de engenharia contábil que rendeu, na marra e às pressas, receita de R$ 25,4 bilhões ao Tesouro, em dezembro de 2012, para fechar a meta fiscal daquele ano teria que passar agora por crivo técnico e jurídico. Haveria alerta e registro em ata dos riscos daquela operação feita entre o Tesouro, o BNDES, o Fundo Soberano e a Caixa, levando as informações aos órgãos de controle.

O sistema de garantias também vai passar por profundas transformações. A proposta, que muda o regime de classificação de riscos dos Estados, será colocada em audiência pública este mês. Hoje são avaliados oito indicadores com foco na média dos últimos três anos. Não fazem parte das análises os riscos à frente, como o aumento dos gastos da previdência ou do serviço da dívida, dentre outros.

É o comitê de garantias que negocia o custo da operação avalizada pelo Tesouro com os governos dos Estados. O aval é limitado ao custo estabelecido que antes ficava em aberto, ao sabor das instituições financeiras. O poder de barganha do Tesouro Nacional com os bancos é bem maior do que o dos governos estaduais.

"Quando a instituição (Tesouro) se fecha muito, cria uma defasagem cognitiva com a sociedade", observou a secretária. Ela advoga não só a transparência, mas uma comunicação inteligível com a sociedade. Não basta despejar os números na internet. É preciso explica-los de forma que as pessoas entendam. "Isso vai, aos poucos, criando a cultura do entendimento da importância da política fiscal, do equilíbrio fiscal, do respeito a lei", acredita. O planejamento estratégico envolve a transparência, o equilibrio fiscal e a qualidade do gasto público.

No auge da crise dos Estados "demos transparência as informações que temos e estamos fazendo um processo de harmonização dos dados dos entes federados. Isso é parte da agenda de revitalização da LRF, que sofreu com disfarces e desvios na contabilidade pública". Ter um padrão contábil é produto da lei complementar 156. O governo estadual pode até continuar fazendo suas próprias contas - há casos em que os gastos com pessoal não consideram as despesas com a previdência dos servidores. Mas a base da contabilidade do Tesouro se conecta com os dados dos Estados, em um nova tecnologia que vai produzir os relatórios da LRF segundo o manual do Tesouro a partir deste ano. Um segundo passo será a certificação para os Estados que seguem o padrão contábil da STN.

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