segunda-feira, 24 de abril de 2017

Ajustes na Previdência antecipam dificuldades | Angela Bittencourt

- Valor Econômico

Reforma frustrada eleva prêmio de risco, câmbio e taxa de juro

A reforma da Previdência precisa subir mais dois degraus - ser aprovada na comissão especial e no plenário da Câmara dos Deputados - para dar a chance de o governo brasileiro respeitar o limite estabelecido para os gastos públicos e, para os grandes investidores, a esperança de que o país está a caminho - um longo caminho - do reequilíbrio de suas contas.

Contudo, é arriscado tanto para um lado quanto para o outro acreditar que, daqui para frente, o horizonte descortina um céu de brigadeiro. As concessões feitas pelo governo a parlamentares para assegurar mais votos e a aprovação da reforma reduziram a economia que poderia ser feita, caso a proposta original fosse chancelada integralmente no parlamento. Não será.

A reforma da Previdência já foi desidratada e poderá ser ainda mais até chegar ao plenário da Câmara em 2 maio ou até passar pelo crivo do Senado. Economistas estimam que o governo economizará cerca de 60% do previsto em dez anos. O governo estima a economia entre 75% e 80%. Essa conta, porém, está longe de cristalina porque o indexador da maior parte dos benefícios previdenciários - o salário mínimo - estará em discussão em 2019, quando o Alvorada terá novo inquilino, o presidente a ser eleito em outubro de 2018.

A lei que estabelece a fórmula de reajuste do salário mínimo - pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes - expira em 2019. O governo precisará discutir se renova ou se altera essa fórmula. Isto é, o próximo governo do qual hoje não se tem ideia por quem estará representado. Ainda que o futuro presidente da República preserve a regra em vigor, a limitação dos gastos públicos poderá levar ao congelamento desse piso.

O artigo 109, inciso VIII, da Emenda Constitucional 95, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal no Brasil, promulgada em 15 de dezembro de 2016, veda a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo. Como o salário mínimo reajusta despesa obrigatória, se o teto de gastos for descumprido o mínimo não poderá subir mais que a inflação.

O piso salarial ganha relevância com a decisão do relator da reforma da Previdência, Arthur Maia (PPS-BA), de manter o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e as pensões por morte a ele vinculadas. Os economistas do Itaú calculam que a desvinculação do BPC do mínimo traria economia adicional de 0,3% do PIB em dez anos e não deve mais se materializar, relata a repórter Tainara Machado.

O governo fez concessões para agradar ao funcionalismo e parlamentares, mas em troca pode ter que, mais adiante, congelar reajustes e o salário mínimo para cumprir o limite de gastos, se outras medidas não forem tomadas no lado das despesas. Amanhã, o relatório de Maia volta ao debate na comissão especial da Câmara. Será colocado em votação na semana seguinte.

Alguma reforma previdenciária será aprovada, embora contratando uma revisão no prazo de cinco a dez anos, concordam economistas. Mesmo com o projeto original desidratado, esses profissionais contam com sua aprovação porque a não aprovação acarretaria outros problemas para a economia brasileira que ensaia recuperação.

Há cerca de duas semanas, o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, perguntou a 40 economistas de bancos e consultorias se um atraso, ou a não aprovação, da reforma da Previdência afetaria os preços de ativos, se poderia atrapalhar o ciclo de alívio monetário e as expectativas para a economia. A maioria dos profissionais chegou a uma mesma conclusão: o risco Brasil sofreria deterioração pressionando a taxa de câmbio e a inflação que poderia, sim, forçar uma parada no processo de corte da taxa de juro.

"Se a reforma da Previdência não passar, a leitura é que o limite de gastos não se sustenta e que o ajuste terá que ser feito via aumento de imposto, começando este ano", afirma Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele entende que, muito provavelmente, isso jogaria o risco Brasil e o câmbio para cima. A inflação de preços livres subiria, puxando o IPCA e inibindo a queda do juro.

"A recessão estaria de volta este ano, agravada pelo ciclo eleitoral muito arriscado no ano que vem. A volta da crise abriria espaço para um candidato com discurso agressivo e extremista. Mesmo que não ganhe, deixará o mercado arisco como em 2002. A dúvida é se as empresas aguentam 5 anos de recessão, talvez 6, a depender de quem ganhe a eleição. Uma reforma frustrante aumenta o risco da economia, mais à frente, abortar a recuperação atual", diz Vale.

"Se o governo não conseguir aprovar a reforma da Previdência, a percepção de risco deverá elevar-se substancialmente, causando forte desvalorização do real que pressionaria a inflação, reduzindo o escopo para um ciclo mais prolongado de queda da Selic" avalia Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil.

Luiz Fernando Castelli, economista da GO Associados, tem visão semelhante. No resultado extremo de rejeição total do projeto do governo - possibilidade que Castelli descarta, uma vez que o governo cedeu em vários pontos da proposta inicial - o ciclo de alívio monetário poderia ser abortado e, no limite, o juro inclusive poderia ser elevado.

André Muller, economista-chefe da AZ Quest, diz que a flexibilização monetária só é possível porque há perspectiva de sustentabilidade fiscal. Para isso, a reforma é essencial. Muller entende que o resultado é menos relevante para o cenário de juros em 2017 do que para os anos subsequentes. "A aprovação de uma reforma suficiente para diminuir o risco fiscal é condição necessária para manter juros em um dígito no médio prazo."

Para Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, o mercado já tem margem nos ativos que embute uma reforma "não ideal". "A questão é o quanto a reforma poderá perder de consistência. Com perda significativa, o mercado estará embutindo um prêmio de risco maior e juro mais alto do que o esperado no melhor cenário que é o de cortes mais amplos."

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