sábado, 15 de abril de 2017

Avalanche no Supremo

Ministros avaliam que tribunal não tem estrutura para lidar com inquéritos da Odebrecht

Carolina Brígido | O Globo

BRASÍLIA - Depois do impacto inicial provocado pela abertura de 76 novos inquéritos na Lava-Jato, de conteúdo tão volumoso quanto explosivo, quatro ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos pelo GLOBO avaliam que a corte não tem estrutura para lidar com a enxurrada de processos criminais que se seguirão.

Para dois desses ministros, existe um risco real de prescrição de boa parte dos casos — o que poderia significar o arquivamento de processos antes mesmo de serem julgados.

As regras de prescrição estão expressas no Código Penal. Por exemplo: quem responde a inquérito apenas por caixa dois, cuja pena é de até cinco anos de prisão, pode ser beneficiado pela prescrição 12 anos depois do fato. Esse prazo é reduzido à metade se o investigado tem mais de 70 anos.

A avaliação entre ministros do tribunal é a de que o relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, vai precisar conduzir os inquéritos com muita rigidez, para evitar atrasos. A tendência em processos criminais é a defesa tentar tumultuar as investigações para ganhar mais tempo. Um dos pedidos típicos de advogados é o interrogatório de testemunhas irrelevantes para a elucidação dos fatos. Ao relator, cabe negar ou conceder essas providências, avaliando sempre se são ou não necessárias para instruir os processos. A condução do relator é fundamental para definir em que ritmo os processos vão andar.

— A persistir o quadro, é imprevisível o tempo para instruir-se e julgar tantos casos — disse ontem o ministro Marco Aurélio Mello.

LONGO TRAJETO NO STF
A abertura dos inquéritos é apenas o início de um longo percurso no STF. Se for seguido o padrão observado do mensalão, as primeiras punições referentes a eventuais condenações dos inquéritos abertos na terça-feira só serão vistas daqui a oito anos, em 2025.

No caso do mensalão — que foi o maior caso penal já julgado pela corte antes da Lava-Jato —, os inquéritos chegaram ao tribunal em julho de 2005. A denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em abril de 2006 e só foi julgada em plenário em agosto de 2007. Na ocasião, a denúncia foi aceita e o inquérito foi transformado em ação penal. Somente em 2012 houve o julgamento final, com a condenação da maioria dos réus. Como depois foram julgados recursos, as punições só começaram a ser aplicadas no final de 2013 — ou seja, mais de oito anos depois de abertos os inquéritos do tribunal.

Segundo ministros do STF, a comparação é plausível. No entanto, o inquérito do mensalão era um só, reunindo 40 investigados. A Lava-Jato no STF já soma 113 inquéritos e cinco ações penais. O prazo de oito anos seria apenas uma média. Alguns casos são mais simples e podem terminar antes disso. Outros, mais complexos, podem durar ainda mais no tribunal. Com tantos inquéritos nas mãos de um só relator, o ritmo das investigações tende a ser lento.

MUDANÇA NO FORO PRIVILEGIADO
Por isso, os ministros ouvidos pelo GLOBO consideram importante julgar logo a ação, em debate na corte, que questiona a regra do foro privilegiado — o que poderia jogar parte dos processos para outras instâncias do Judiciário.

A ação que discute a restrição do foro especial é relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso e já foi liberada para a pauta do plenário. Cabe à presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, marcar a data. Ela tem conversado sobre o assunto com vários interlocutores de dentro e fora do tribunal. Embora o tema tenha se tornado urgente, o mais provável é que o julgamento não seja marcado para as próximas semanas. A tendência é o tribunal esperar um pouco a poeira baixar, depois da avalanche política provocada pelas delações. Mas é possível que o julgamento ocorra ainda neste semestre.

Recentemente, Cármen Lúcia falou do tema com a ministra Sonia Sotomayor, da Suprema Corte dos Estados Unidos. À colega estrangeira, a presidente do STF manifestou preocupação com a quantidade de processos que tramita no Supremo e como a regra do foro privilegiado colabora para aumentar ainda mais esse estoque. A conversa aconteceu pouco antes da abertura dos novos inquéritos da Lava-Jato.

— Não é que chegou a hora (de discutir o foro privilegiado). Esse era um assunto que, quando eu era aluna na faculdade, a gente já discutia. É preciso que se saiba o que fazer e como fazer. Tem que ser discutido, não pode ficar como está. Isso (o foro) quebra a igualdade em alguns casos de maneira flagrante — disse em março.

O clima entre os ministros do Supremo é de espanto depois da divulgação dos vídeos das delações dos ex-executivos da Odebrecht — não somente com o conteúdo de suas falas, mas também com a naturalidade com que se trata a corrupção nos depoimentos dos executivos da empreiteira.

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