quinta-feira, 20 de abril de 2017

"Não é a hora para reforma profunda", diz o cientista político

Por Lucas Ferraz | Valor Econômico

SÃO PAULO - Com o colapso do sistema político provocado pelas delações da Odebrecht que expuseram uma corrupção sistêmica em toda a classe política, o cientista político Jairo Nicolau afirma que não é o momento para uma reforma profunda, como pregam algumas das lideranças do país sob o argumento de que é preciso salvar a política. "É melhor que esperemos 2019, quando o Congresso deverá ter mais representatividade e novas forças políticas. O fundamental é preparar, nesse momento, a eleição de 2018. Nem seria uma reforma política, mas pequenas alterações. Criar regras para reduzir a fragmentação partidária, que provavelmente vai aumentar se nada for feito", afirmou em entrevista ao Valor.

Professor da UFRJ, Nicolau é especialista em reforma política e autor do recém-lançado "Representantes de Quem? Os (Des)caminhos do seu Voto da Urna à Câmara dos Deputados" (Zahar). No livro, destrincha distorções do voto proporcional - como votar num candidato de direita e eleger um de esquerda, ou vice-versa.

Valor: No livro o senhor expõe os problemas da representatividade política e como o sistema eleitoral acentua essas distorções. Neste momento de crise, com os políticos falando em salvar a política, a reforma política parece inevitável.

Jairo Nicolau: Temos uma comissão instalada na Câmara com esse propósito e essa reforma teria que ser aprovada até 2 de outubro para entrar em vigor na eleição do ano que vem. Até ser aprovada pelo plenário, há longo caminho nas comissões internas. Temos período curto, imprensado entre as agendas das denúncias e da reforma econômica do governo. Em 2015, a Câmara teve a oportunidade de reformar a legislação eleitoral, mas nada fez. Temos os políticos na defensiva. Por tudo isso, não é o momento para reformas profundas. O Brasil está à flor da pele nos temas da política. Isso foi observado na discussão da lista fechada, por exemplo, que foi vista como uma tentativa de esconder políticos impopulares ou com medo de perder o foro, ou as duas coisas juntas. É claro que esse sistema já deu, ele precisa ser melhorado, de uma maneira mais forte ou menos forte. Mas precisamos fazer isso num momento ordinário, não num momento extraordinário como esse.

Valor: Seria o caso de esperar as urnas?

Nicolau: Claro. Há desalinhamento do Congresso com a sociedade. Entre 2014 e os dias que correm, muita coisa aconteceu. Parte desses deputados foi eleito por um sistema de financiamento apodrecido. Foi a Legislatura que elegeu Eduardo Cunha em primeiro turno para pouco depois cassá-lo praticamente por unanimidade. Foi a que acolheu o pedido de impeachment contra Dilma daquela maneira controversa. Numa eleição hoje, a configuração partidária mudaria. É melhor que esperemos 2019, quando o Congresso estará mais representativo. O fundamental é preparar, nesse momento, a eleição de 2018. Nem seria uma reforma política, mas pequenas alterações. Criar regras para reduzir a fragmentação partidária, que provavelmente vai aumentar se nada for feito. Os três maiores partidos brasileiros [PT, PSDB e PMDB] estão se dissolvendo, as três bancadas devem reduzir. Com isso, vamos ter mais cadeiras para os partidos médios e pequenos, sem expressão. E haverá mais dificuldades de formação de maiorias, de governabilidade. Seria importante estabelecer normas restritivas.

Valor: A falta de representatividade, em função das regras eleitorais em vigor, pode colocar em risco essa renovação política.

Nicolau: O que proponho é uma regra para organizar a competição para reduzir a fragmentação partidária. O STF, em setembro de 2015, decidiu pelo fim do financiamento eleitoral das empresas. De lá para cá, o Congresso não tomou decisão em relação a esse tópico. Estamos alterando uma norma geral, mas com legislação eleitoral velha. Apareceu o problema do autofinanciamento, o caso mais exemplar ocorreu em São Paulo na eleição de João Doria. Isso chamou atenção, já que os partidos vão precisar cada vez mais de empresários ou de pessoas muito ricas. Temos que criar um teto por pessoa, e não proporcional à renda. Estabelecer teto para cada cargo público. Normas para punição e transparência. Se os parlamentares pudessem caminhar nessas duas linhas, já daríamos um passo grande.

Valor: O senhor acha que caminhamos para uma transição comandada pela classe política que está sob suspeita?

Nicolau: Há duas coisas novas. A primeira é a investigação de fora para dentro. A investigação, nesses três anos, teve consequências que só vamos perceber daqui a pouco. Quando uma investigação pede a um partido para devolver R$ 2 bilhões [caso do PP] ou quando prende empresários, leva à prisão gente importante de vários partidos, é uma novidade. A outra é que há uma nova sociedade civil no Brasil, que acompanha quase em tempo real os desdobramentos. Hoje uma manobra de proteção da elite política de controlar a transição, e isso pode acontecer, está mais difícil. O Brasil ficou mais politizado. Vamos ver como vai se traduzir em 2018.

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