quinta-feira, 20 de abril de 2017

Pressões levam a novos recuos na Previdência

Relator surpreende e revê regra mais dura para servidores

Equipe econômica teme que outras mudanças reduzam impacto fiscal. Meirelles diz que medidas estão no ‘limite’

Concessões sem fim

Relator acena com alívio nas regras para servidores, e governo teme mais recuos na reforma

Geralda Doca, Martha Beck, Henrique Gomes Batista* | O Globo

-BRASÍLIA E WASHINGTON- O relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), quebrou um acordo com o governo e sinalizou que vai alterar a regra de transição para os servidores públicos, que ele havia combinado endurecer com o Executivo no início da semana. O movimento ocorreu um dia após nove entidades representativas de juízes e procuradores encaminharem manifesto a Maia criticando a decisão de permitir paridade (direito de continuar recebendo os reajustes de quem está na ativa) e integralidade (direito a manter o salário integral de quando estava na ativa) só para servidores que se aposentarem com idade mínima de 65 anos.

O governo teme ainda que o relator faça novas concessões. Isso porque o parlamentar também está sofrendo pressões de outras categorias organizadas. Professores, sobretudo mulheres, brigam para manter uma idade mínima de aposentadoria inferior à dos homens da mesma profissão. Na avaliação da equipe econômica, novos recuos nas regras poderão reduzir a eficácia da reforma. Ontem, em Washington, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou as mudanças estão no limite do que pode ser feito “sem alterar o equilíbrio fiscal”.

Maia não admitiu o alívio para os servidores abertamente. Mas durante a leitura de seu relatório, ontem, na comissão especial que trata do tema, divulgou uma errata informando que vai rever as regras de transição dos servidores. “É evidente que a súbita imposição das idades de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres como condição de acesso à paridade e à integralidade contrariam o que se entende como respeito à expectativa de direito, razão pela qual serão elaboradas regras mais compatíveis com os legítimos interesses envolvidos no assunto”, disse o texto. Para o Palácio do Planalto e integrantes da equipe econômica, isso foi visto como um sinal claro de que Maia vai atender à demanda dos magistrados e procuradores. Para os técnicos do governo, o deputado tem uma situação frágil uma vez que foi citado nas delações da Operação Lava-Jato.

— Ele tomou a decisão sem comunicar Temer, Eliseu Padilha (ministro da Casa Civil), Henrique Meirelles ou Marcelo Caetano (secretário de Previdência), com a intenção de salvar a própria pele — disse um interlocutor do governo. Governo cedeu em vários pontos bit.ly/2oop9FJ

PRESSÃO DA BANCADA FEMININA
Perguntado sobre a errata ontem à noite, Maia foi cauteloso e não fez qualquer menção aos magistrados e procuradores. Ele apenas explicou que os servidores públicos têm regras diferentes dependendo do ano em que ingressaram na carreira. Até 2003, os servidores tinham direito a se aposentar com salário integral. Mas, com a reforma atual, para conseguir esses valores, eles terão que atingir a idade mínima. No projeto original encaminhado ao Legislativo, a idade mínima era a mesma para homens e mulheres, de 65 anos. Mas com a alteração, a proposta terá que ser ajustada para que as mulheres que ingressaram no serviço público antes de 2003 tenham aposentadoria integral aos 62 anos.

— Não tem flexibilização nenhuma. Permanece Pressão. O presidente da comissão da reforma da Previdência, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), ao centro, em reunião.. Houve mudanças de última hora no relatório a regra de 65 anos. A errata está propondo que seja considerada a condição de quem entrou antes de 2003. Como ontem houve a mudança de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres, essa condição tem que ser transplantada para a regra de integralidade. A mulher que entrou em 2003 não precisará mais ter 65 anos (para se aposentar), mas 62 anos.

No manifesto, a Frente Nacional da Magistratura e do Ministério Público e outras seis associações representativas criticam o endurecimento das regras para os que ingressaram no serviço público antes de 2003: “Não se trata de uma proposta digna do cuidado com que o relator estudou esta matéria. Não é constitucional, pela absoluta falta de proporcionalidade e desrespeito completo às regras vigentes. E, para além da injustiça profunda mantida contra os servidores públicos, não se sustentará perante o Poder Judiciário, fique alerta o país disso”.

O sinal amarelo para a equipe econômica de que Maia cederia a pressões acendeu logo cedo, depois que ele iniciou ontem a leitura de seu relatório na comissão especial. De forma inesperada, o relator informou que a idade mínima para a aposentadoria das mulheres na área rural seria de 57 anos e não mais de 60 anos, como havia informado na véspera. O deputado também recuou da ideia de fixar o tempo de contribuição rural em 20 anos. Em seu relatório, ele propôs que o prazo ficasse mantido em 15 anos, como já ocorre.

Perguntado sobre as novas mudanças, Maia brincou ontem dizendo que tinha trazido “uma surpresinha” no relatório. O argumento do deputado para que mulheres rurais tivessem uma idade mínima menor é que a regra para elas deveria acompanhar a norma geral, pela qual homens poderão se aposentar aos 65 anos e mulheres aos 62 anos. No entanto, essa avaliação pode acabar se refletindo sobre outras categorias, como professoras.

A bancada feminina está atenta a isso. Foi por pressão das parlamentares que o relator reduziu a idade mínima de aposentadoria das mulheres que trabalham no campo. Técnicos envolvidos nas discussões ficaram indignados com a decisão do relator em propor um tempo de contribuição de apenas 15 anos na área rural. Eles alegam que o déficit da Previdência na zona rural é mais que o dobro do registrado na área urbana e que as condições de trabalho nos grandes centros urbanos são até piores em alguns casos, como obras, além de dificuldades de deslocamento para o trabalho entre a residência e o serviço.

O governo também não concorda que as professoras tenham uma idade inferior à dos professores porque os salários são os mesmos e todos são concursados. Permitir regras diferenciadas pode pressionar ainda mais o rombo do INSS, pois mais de três mil municípios de pequeno porte continuam dependentes do regime geral. Além disso, a medida poderia agravar ainda mais a crise fiscal nos estados, onde as despesas com ensino têm relevância.

O fim da aposentadoria integral para os servidores públicos antes dos 65 anos (para homens e mulheres) faz parte das medidas de compensação de parte das perdas decorrentes dos recuos do governo em relação ao texto original. Outro argumento favorável à medida é que ela tem potencial para aliviar as contas dos estados, pressionadas por altos salários de juízes, procuradores, desembargadores e procuradores.

A sessão da comissão especial começou ontem com mais duas horas de atraso e foi suspensa logo depois do início da leitura do relatório por conta do início dos trabalhos no plenário da Câmara. Para evitar que a oposição obstruísse a leitura do documento, os líderes da base aliada fecharam acordo para adiar a votação do texto final da reforma da Previdência para 2 de maio.

Em Washington, onde participa da reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), Meirelles disse ontem que, da forma como está o relatório, a reforma da Previdência garante 75% dos benefícios fiscais estimados na proposta original do governo nos próximos 10 anos.

— Estamos mais ou menos no limite das mudanças que podem ser feitas sem alterar o equilíbrio fiscal do país — disse o ministro.

Meirelles voltou a afirmar que espera a aprovação da reforma pelos deputados ainda em maio e, no Senado, em junho, embora não veja grandes problemas se houver mudanças de “uns dois meses”. Ele afirma que a rápida aprovação, contudo, é fundamental para retomar a confiança da economia.

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