domingo, 7 de maio de 2017

A França de Macron

Se eleito, centrista começaria por atos contra corrupção, reforço de laço europeu e reforma trabalhista

Fernando Eichenberg | O Globo


-PARIS- Se vencer hoje, Emmanuel Macron, 39 anos, se tornará o presidente mais jovem da França, e o primeiro eleito a não pertencer a um dos partidos da esquerda e direita parlamentares tradicionais que há décadas se alternam no poder no país. No período de menos de um ano, o pouco conhecido ministro da Economia do governo François Hollande deixou o cargo, criou seu movimento centrista “Em Marcha!” e figura hoje como o favorito nas pesquisas de opinião para ocupar o Palácio do Eliseu pelos próximos cinco anos. Macron reivindica a renovação da governança na França, sustentado num programa próEuropa, de economia aberta, flexibilização da legislação trabalhista, redução de impostos e moralização da vida política. Se eleito, sua margem de manobra dependerá do resultado das eleições legislativas de junho e de sua capacidade de formar uma maioria na Assembleia Nacional que permita sua governabilidade. Macron revelou já ter escolhido seu premier, mas só anunciará sua identidade se sair vencedor nas urnas.

‘A DIREITA DA ESQUERDA E A ESQUERDA DA DIREITA’
Para o analista Bruno Cautrès, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences-Po), uma das primeiras medidas que o novo presidente tomará, uma vez empossado, será cumprir sua promessa de moralização da vida política, após uma campanha sacudida por casos de corrupção envolvendo o candidato da direita tradicional, François Fillon, e também sua adversária nesta reta final, Marine Le Pen.

— Penso que ele começará pelo mais fácil, mas também de importante significado, que é a luta contra o conflito de interesses e a corrupção. Além disso, acredito que vá querer marcar de imediato seu governo com duas ou três decisões espetaculares, coerentes com sua campanha eleitoral, provavelmente alguma medida no domínio europeu e da iniciativa franco-alemã. A lei do trabalho e as grandes questões socioeconômicas, creio que deixará para setembro (na retomada do ano, após as férias do verão europeu).

A aposta do analista Nicolas Sauger (Sciences-Po) segue no mesmo caminho:

— Não acredito que haverá mudanças imediatas e muito importantes. Mas é bastante provável que ocorra de forma muito rápida a reforma da ética política, com a proibição aos parlamentares de empregar membros de sua família como assistentes já na nova Assembleia Nacional. Isso deverá ser facilmente colocado em prática. Para além disso, as coisas são mais incertas.

Entre sua posse e o mês de junho, o presidente eleito tentará ganhar a confiança dos eleitores para poder formar maioria parlamentar que lhe garanta liberdade de ação de governo, uma hipótese improvável, segundo analistas, sem a formação de alianças e coalizões.

Para o politólogo Henri Rey, uma das teses mais prováveis é a coalizão do campo da Presidência com “a direita da esquerda e a esquerda da direita”. Em suas próprias palavras, Macron quer formar uma nova família política, a dos “progressistas republicanos”.

— Ele poderá se aliar com os socialistas mais liberais e com os centristas da direita tradicional, e assim quebraria a lógica de forças dos dois partidos que vinham ocupando o governo, mas que não representam mais a maioria da opinião.

Para Sauger, o presidente eleito não dependerá apenas do pleito legislativo nacional:

— Vai estar sujeito também às eleições na Alemanha, em setembro, que vão determinar que tipo de parceria poderá estabelecer com Berlim, e que tipo de políticas poderá propor em nível europeu em função de temas que preocupam os franceses, como o desenvolvimento econômico e a gestão da questão dos imigrantes. Se o vencedor for Angela Merkel ou Martin Schulz, as respostas para estas questões poderão ser um pouco diferentes.

Macron já anunciou que, se eleito presidente, fará de imediato, como é de praxe, uma visita à chanceler federal Angela Merkel, para reforçar a importância da aliança entre os dois países na liderança das questões europeias. Alertou, no entanto, que é preciso que a Alemanha “saia de sua fascinação pela consolidação orçamentária”. Para sua primeira reunião no Conselho Europeu, disse que colocará sobre a mesa um projeto de reforma das licitações públicas europeias — para que seja criada uma reserva de ao menos 50% para empresas do continente — e de “verdadeira luta contra o dumping comercial e a evasão fiscal”.

Para o analista Claude Pennetier, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), Macron, se eleito, não tardará em lançar seu projeto de reforma do código trabalhista, um dos pilares de seu programa de campanha:

— Acredito que vá atacar nisso sem muita demora, pois a liberalização do trabalho e do mercado são fundamentais em seu projeto de governo. Creio que vai tentar pegar no contrapé os sindicatos CGT e FO, e haverá previsíveis manifestações contrárias. Mas se sabe que é bem mais difícil lutar contra um governo que acaba de ser eleito.

Após os numerosos protestos de rua na aprovação da lei trabalhista do governo Hollande, é esperada também uma resistência a seu sucessor. Para Bruno Cautrès, no entanto, o contexto inicial impõe uma diferença:

— A implementação de sua lei do trabalho não promete ser simples. Haverá certamente protestos. Mas Macron tentará mostrar que tem uma nova maneira de reformar, e os sindicatos serão obrigados, em um primeiro momento, a jogar o jogo. Não poderão se permitir partir de imediato para o confronto.

DECRETOS PODEM GERAR PROTESTOS
Para Romain Lachat, ainda é uma incógnita como o Macron presidente enfrentará a contestação das ruas:

— Ele já anunciou que pretende passar algumas medidas por decreto, sem aprovação da maioria parlamentar, o que dará vazão a uma forte oposição na rua e também de uma parte da esquerda. Até agora se mostrou firme, não variou sua linha política, mas dependendo das alianças poderá adaptar seu programa.

Na lista de primeiras medidas a serem lançadas pelo governo Macron, analistas colocam ainda as reformas educacional e da aposentadoria, e também alguma ação de impacto na luta antiterrorista, para se afirmar junto à população como o chefe das Forças Armadas, um dos pontos de fragilidade em sua campanha. Macron afirmou que “os tempos exigem algo de novo” para a função presidencial, e manifestou seu desejo de retornar a uma forma de exercício de poder que “preside e não governa o cotidiano”.

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