quarta-feira, 10 de maio de 2017

Ao ampliar zona de suspeição ministro busca acomodação

Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico

O mais novo duelo entre o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ameaça terminar da mesma forma que a Lava-Jato. Ao levantar acusações de parcialidade por parentesco, a contenda espraia a zona de suspeição e pressiona o Judiciário a buscar uma solução de acomodação.

Com mandato marcado para findar em setembro, Janot já havia sinalizado que não deixaria a Procuradoria-Geral da República sem comprometer a atuação de Gilmar, a quem considera o principal coveiro da Operação Lava-Jato. Em março, o procurador já havia reagido às acusações do ministro de que o Ministério Público vazara informações à imprensa por se julgar acima da lei. Sem citar nominalmente o ministro, acusou-o de "decrepitude moral".

Esta semana foi aos autos para provar suas acusações. Protocolou arguição de impedimento e suspeição de Gilmar, que na semana passada, concedera habeas corpus para soltar Eike Batista. Em sua defesa, empresário tem o escritório de advocacia em que trabalha a mulher do ministro. À jornalista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo", o ministro afirmou desconhecer que o escritório em que Guiomar Mendes trabalha representa Eike em processos criminais, apenas cíveis.

Na arguição, Janot anexou certidão da 3ª Vara Criminal do Rio em que Sérgio Bermudes figura como advogado em ação penal. É ele o principal titular do escritório em que trabalha Guiomar. Nas petições do escritório, sustentou Janot, o nome da mulher de Gilmar aparece por extenso (Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima Mendes) no rol do cabeçalho: "Ela é responsável pela filial de Brasília, figurando inclusive como sócia do escritório, tendo participação nos lucros, obtidos mediante o recebimento de horários dos respectivos clientes, um dos quais é exatamente Eike Fuhrken Batista".

Na arguição, Janot citou o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil e o regimento interno do Supremo. O artigo 252 do CPP diz que o juiz não poderá atuar em processo em que "ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no fato".

O CPC é ainda mais explícito sobre as condições de impedimento em que, segundo Janot, enquadram Gilmar. Em seu artigo 144, o juiz fica impedido em processo "em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado ou outro escritório".

Janot citou o artigo 282 do regimento para pedir que sejam ouvidos, além do ministro, Bermudes, Guiomar e Eike. A sessão é secreta. O regimento citado é explícito sobre o poder do presidente do Supremo frente à arguição. O artigo 180 faculta ao presidente da Corte mandar arquivar a petição se concluir por sua improcedência.

Ao reagir, Gilmar chamou de "covarde" juiz que age para a opinião pública e duvidou da estatura de quem assim o faz para ocupar uma cadeira no Supremo. Para ir além daquilo que Janot um dia chamou de "desinteria verbal", o ministro não poderia se limitar ao falatório. Foi assim que apareceu, vazada para o jornalista Reinaldo Azevedo, da "Veja", a informação de que a filha de Janot, Letícia Ladeira Monteiro de Barros advoga para a OAS. O jornalista reproduziu edital de maio de 2016 do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, em que Letícia atua como advogada em processo de aquisição de participação societária pela OAS, empresa que negocia acordo de leniência e de delação premiada com o Ministério Público. Em sua defesa, Janot alegou que a OAS não celebrou qualquer acordo e que o procurador geral não participa das negociações, afeitas à força-tarefa de Curitiba, nem assinou petições que envolvam a empresa e seus sócios. No ano passado, no entanto, Janot atuou para suspender tratativas de delação do presidente da OAS, Leo Pinheiro.

Há gradações entre as situações que envolvem Gilmar e Janot e seus parentes advogados quase tão diversas quanto aquelas que distinguem os políticos irrigados pelas empreiteiras da Lava-Jato. Impedir que juízes e procuradores tenham parentes na advocacia é tão inviável quanto condenar uma geração inteira de políticos. Enfiar todos no mesmo balaio de suspeição é saída de quem busca, há muito, uma saída pela tangente.

O parentesco entre juízes, promotores e advogados é um dos tabus mais intocados do Judiciário. O Ministério Público não se pronunciou quando o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar contra a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, em março do ano passado. Uma das autoras do pedido é coordenadora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que tem Gilmar Mendes como um dos sócios.

Naquele momento, Janot e Gilmar ainda estavam mais ou menos do mesmo lado. Os interesses começaram a se apartar quando a Lava-Jato, com a delação da Odebrecht, avançou para todo o sistema partidário, movimento contra o qual o ministro começou a oferecer resistência.

Se aceita por Cármen Lúcia, a arguição de Janot contra Gilmar será levada a um plenário em que muitos dos magistrados têm parentes na advocacia. Se respaldado por seus pares, o ministro sairá do caso ainda mais forte para prosseguir em sua cruzada contra a Lava-Jato. O troco dado a Janot demonstrou as armas que estão em jogo. Gilmar acusou a Lava-Jato de fazer dos presos preventivos reféns para manter apoio da opinião pública. A rejeição, por Cármen Lúcia, da suspeição de Janot, pouparia os ministros de virem a ser colocados na condição de refém de um de seus pares.

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