quinta-feira, 4 de maio de 2017

Para Macron, Estado tem papel, mas com limite

Por Anne-Sylvaine Chassany | Financial Times | Valor Econômico

PARIS - Em agosto de 2014, Emmanuel Macron estava andando de bicicleta ao longo da costa norte da França, perto de Le Touquet, onde sua esposa tem casa, quando recebeu um telefonema do Palácio do Eliseu, sede da Presidência na França.

Dois meses antes, ele havia se desentendido com o presidente, o socialista François Hollande, que se recusara a dar ao seu assessor econômico, então com 36 anos, um ministério numa reforma do governo. Decidido a abandonar a política, Macron já tinha se conformado em abrir uma empresa no setor de educação. "Tinha decidido trabalhar por conta própria, ser um empresário e dar aulas", lembra em seu livro "Révolution". "Não pretendia voltar."

Mas, naquele dia de verão, seu ex-chefe lhe ofereceu o Ministério da Economia, cargo já ocupado pelos presidentes Valéry Giscard d'Estaing, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy. Assim, Macron voltou.

A nomeação foi um dos muitos golpes de sorte que colocaram a Presidência da França ao alcance desse novato político. Macron venceu o primeiro turno das eleições, no dia 23 de abril, com 24% dos votos, ficando à frente de Marine Le Pen, a renascida líder da extrema direita, a quem ele enfrentará no segundo turno, neste domingo.

Liderando um movimento político criado há um ano, o Em Marcha! (Em Marche!), que ele insiste não ser de direita nem de esquerda, Macron pulverizou o dividido Partido Socialista e despachou o candidato republicano (centro-direita), François Fillon, envolvido em um escândalo de nepotismo.

Num país hipnotizado pelo espetáculo do declínio nacional e traumatizado por atentados terroristas islâmicos. Macron optou por conduzir uma campanha otimista, prometendo amplas reformas econômicas. E, se as pesquisas estiverem certas, ele deverá ser eleito presidente com cerca de 60% dos votos no segundo turno, revertendo a onda populista que colocou Donald Trump no poder nos Estados Unidos e levou o Reino Unido a sair da União Europeia (UE).

A ascensão da Macron foi um sucesso acadêmico e de "timing" extraordinário. Ele cresceu numa família de classe média na pacata cidade de Amiens, no norte da França. Na escola, "Manu", com seus cabelos loiros e olhos azuis, era um nerd, sempre ficando na sala após o fim das aulas para conversar com os professores. Ele conheceu sua futura esposa Brigitte Trogneux, 24 anos mais velha que ele, casada e com três filhos, numa escola secundária particular, católica, onde ela lecionava teatro e literatura. Eles se casaram em 2007.

Amigos da faculdade em Paris lembram dele como um aluno de uma vida intelectual rica. Além da École Nationale d'Administration (ENA), a instituição que prepara a elite dos servidores públicos franceses, seus anos de formação incluíram um mestrado em filosofia e um período como assistente do filósofo Paul Ricouer. O encontro com Michel Rocard, premiê socialista e reformista, moldou seu pensamento político liberal.

"De Rocard, ele manteve a crença de que o Estado tem um papel a desempenhar na economia, mas não pode fazer tudo. Ele acredita que você precisa de políticas favoráveis aos negócios antes de redistribuir renda e que os benefícios sociais não são eficientes o suficiente para corrigir as desigualdades", diz Marc Farracci, economista da Sciences Po e amigo de Macron.

O candidato pertence a uma geração que viu a ascensão e normalização da extrema direita. Ele era estagiário na embaixada francesa na Nigéria quando ficou sabendo que Jean Marie Le Pen, o pai da Marine, conseguira inesperadamente passar para o segundo turno das eleições presidenciais, contra Chirac, em 21 de abril de 2002.

Seis anos depois, Macron entrou para o banco de investimentos Rothschild, graças à indicação de um poderoso ex-aluno da ENA. Ele ganhou o respeito dos colegas e € 2,9 milhões pela consultoria prestada à Nestlé na aquisição de uma unidade da Pfizer por US$ 12 bilhões, em 2012. Em seu tempo livre, ajudou na campanha de Hollande pela candidatura a presidente pelo Partido Socialista, antes de o favorito inicial na corrida, o ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional Dominique Strauss-Khan, desistir da disputa, após sua prisão em Nova York, em 2011.

No terceiro trimestre de 2015 ele havia se tornado uma figura popular e um inimigo do seu próprio partido, fazendo críticas regulares à semana de trabalho de 35 horas, ao imposto sobre fortunas e aos privilégios de uma casta de políticos e "insiders" econômicos. Após negociações dolorosas para a aprovação no Parlamento de um projeto de lei de desregulamentação, Macron começou a planejar um novo partido, lembra Jean Pisani-Ferry, assessor econômico do candidato. "Ele estava frustrado."

"Parlamentares de centro-direita diziam a ele: 'Gosto de seu projeto, mas não posso apoiá-lo. Sinto muito'." Enquanto isso, parlamentares rebeldes do Partido Socialista se opunham à lei porque ela se inclinava demais para a direita.

Foi quando Macron "firmou um contrato de emprego de longo prazo com a providência", diz Alain Minc, empresário e assessor político. Macron fundou o movimento Em Marcha! em abril do 2016, deixou o governo Hollande em agosto e anunciou a candidatura à Presidência em novembro.

Uma série de eventos imprevistos abriram espaço político: Fillon, um admirador de Margaret Thatcher, venceu prévias do partido Republicanos contra o favorito, Alain Juppé. Um mês depois, o presidente Hollande decidiu não tentar a reeleição. Benoît Hamon, um esquerdista que foi contrário às reformas do mercado de trabalho propostas por Macron, foi indicado candidato do Partido Socialista em janeiro. Em seguida, naquele mês, estourou o escândalo que ficou conhecido como "Penelopegate", que acabou minando a candidatura presidencial de Fillon.

"A intuição de Macron funcionou. Ele fez a avaliação certa da situação", diz o amigo Pascal Lamy, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). "E então aproveitou a sua chance."

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