quarta-feira, 21 de junho de 2017

Derrota no Senado mostra que governo se 'distraiu', dizem analistas

Entre os especialistas que acompanham as reformas, derrota por um voto sinalizou 'falta de articulação' para aprovar uma medida 'vital'

Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo

Economistas que acompanham o ajuste ficaram surpresos com a derrota da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. A proposta perdeu por um voto – foram dez a nove no placar final. Há consenso de que sinalizou “falta de articulação do governo” em relação a uma questão vital. A expectativa é que sirva de alerta.

“Não foi o fim do mundo, mas uma boa comida de bola: o governo mostrou que está tão preocupado com outras questões que não prestou atenção no que acontecia com a reforma trabalhista”, disse Evandro Buccini, economista-chefe da gestora de recursos Rio Bravo Investimentos.

Buccini acredita que o governo pode se recuperar e ganhar no plenário do Senado – e recomenda atenção para os articuladores que estão muito confiantes em relação à calmaria do mercado financeiro. Apesar de os indicadores mais sensíveis ao humor dos analistas não terem sofrido uma reviravolta, está claro que a indisposição com o Brasil é visivelmente crescente desde a divulgação da gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer.
“As mudanças são graduais, mas estão aí: na véspera da divulgação da gravação, o dólar estava na casa de R$ 3,10, agora está em R$ 3,30; a curva de juros de curto prazo está baixa, mas no longo prazo está ficando mais inclinada, o que indica que a percepção de risco está piorando; a única coisa que realmente ajuda o governo é a inflação baixa por causa da recessão”, diz Buccini.

A economista-chefe da gestora XP Investimentos, Zeina Latif, também acredita na possibilidade de recuperação, mas lamentou a derrota. “Não é questão de jogar a toalha, mas a derrota numa simples comissão passou a imagem de um governo desarticulado”, disse ela.

Na avaliação de Zeina, a reforma trabalhista será aprovada e algumas medidas da reforma da Previdência irão passar. Não existiria a possibilidade de, no curto prazo, o País ser vítima de uma onda de mau humor equivalente a registrada no período pré-impeachment. “Apenas um desastre eleitoral, com a posse de um novo presidente completamente desvinculado das reformas e o ajuste fiscal poderia nos levar a um cenário de tamanha deterioração”, diz.

Positivo. A derrota, por outro, pode ter um efeito positivo, na avaliação do especialista em finanças públicas, Raul Velloso, se o governo deixar de lado o clima de já ganhou no Congresso e retomar a atenção. “Essa derrota serve como alerta para o governo: ele não pode se distrair e considerar o jogo ganho, mesmo que seja uma derrota por um voto – precisa ter em mente que também poderia ter ganho por um voto e não foi o que aconteceu”, diz ele.

Velloso reforça que o cenário iria piorar sem aprovação da reforma trabalhista. “Essa reforma pede apenas maioria simples e se Temer perder nessa, esquece, vai perder a da Previdência – e não sou apenas eu que estou dizendo isso, a percepção é coletiva”, diz ele.

A análise leva em consideração que a reforma trabalhista vai balizar o avanço do governo tanto na economia, quanto na política. Do lado econômico, é a reforma trabalhista que indicará a aceitação – ou rejeição – da reforma da Previdência, bem mais complexa, polêmica e essencial para o equilíbrio das contas públicas. No aspecto político, avalia Velloso, define o nível de apoio dos formadores de opinião e a sustentação política do governo de Michel Temer.

“O presidente hoje está numa posição em que precisa ganhar em todas as fases do jogo; na ponta política, venceu no Tribunal Superior Eleitoral (que rejeitou cassação da chapa Dilma-Temer e manteve o presidente no cargo), mas não pode se distrair na ponta econômica e não aprovar a reforma trabalhista. Em cada etapa desse jogo, ele precisa progredir milímetro a milímetro”, diz Velloso.

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