Entre os especialistas que acompanham as reformas, derrota por um voto sinalizou 'falta de articulação' para aprovar uma medida 'vital'
Alexa Salomão, O Estado de S.Paulo
Economistas que acompanham o ajuste ficaram surpresos com a derrota da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. A proposta perdeu por um voto – foram dez a nove no placar final. Há consenso de que sinalizou “falta de articulação do governo” em relação a uma questão vital. A expectativa é que sirva de alerta.
“Não foi o fim do mundo, mas uma boa comida de bola: o governo mostrou que está tão preocupado com outras questões que não prestou atenção no que acontecia com a reforma trabalhista”, disse Evandro Buccini, economista-chefe da gestora de recursos Rio Bravo Investimentos.
Buccini acredita que o governo pode se recuperar e ganhar no plenário do Senado – e recomenda atenção para os articuladores que estão muito confiantes em relação à calmaria do mercado financeiro. Apesar de os indicadores mais sensíveis ao humor dos analistas não terem sofrido uma reviravolta, está claro que a indisposição com o Brasil é visivelmente crescente desde a divulgação da gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer.
“As mudanças são graduais, mas estão aí: na véspera da divulgação da gravação, o dólar estava na casa de R$ 3,10, agora está em R$ 3,30; a curva de juros de curto prazo está baixa, mas no longo prazo está ficando mais inclinada, o que indica que a percepção de risco está piorando; a única coisa que realmente ajuda o governo é a inflação baixa por causa da recessão”, diz Buccini.
A economista-chefe da gestora XP Investimentos, Zeina Latif, também acredita na possibilidade de recuperação, mas lamentou a derrota. “Não é questão de jogar a toalha, mas a derrota numa simples comissão passou a imagem de um governo desarticulado”, disse ela.
Na avaliação de Zeina, a reforma trabalhista será aprovada e algumas medidas da reforma da Previdência irão passar. Não existiria a possibilidade de, no curto prazo, o País ser vítima de uma onda de mau humor equivalente a registrada no período pré-impeachment. “Apenas um desastre eleitoral, com a posse de um novo presidente completamente desvinculado das reformas e o ajuste fiscal poderia nos levar a um cenário de tamanha deterioração”, diz.
Positivo. A derrota, por outro, pode ter um efeito positivo, na avaliação do especialista em finanças públicas, Raul Velloso, se o governo deixar de lado o clima de já ganhou no Congresso e retomar a atenção. “Essa derrota serve como alerta para o governo: ele não pode se distrair e considerar o jogo ganho, mesmo que seja uma derrota por um voto – precisa ter em mente que também poderia ter ganho por um voto e não foi o que aconteceu”, diz ele.
Velloso reforça que o cenário iria piorar sem aprovação da reforma trabalhista. “Essa reforma pede apenas maioria simples e se Temer perder nessa, esquece, vai perder a da Previdência – e não sou apenas eu que estou dizendo isso, a percepção é coletiva”, diz ele.
A análise leva em consideração que a reforma trabalhista vai balizar o avanço do governo tanto na economia, quanto na política. Do lado econômico, é a reforma trabalhista que indicará a aceitação – ou rejeição – da reforma da Previdência, bem mais complexa, polêmica e essencial para o equilíbrio das contas públicas. No aspecto político, avalia Velloso, define o nível de apoio dos formadores de opinião e a sustentação política do governo de Michel Temer.
“O presidente hoje está numa posição em que precisa ganhar em todas as fases do jogo; na ponta política, venceu no Tribunal Superior Eleitoral (que rejeitou cassação da chapa Dilma-Temer e manteve o presidente no cargo), mas não pode se distrair na ponta econômica e não aprovar a reforma trabalhista. Em cada etapa desse jogo, ele precisa progredir milímetro a milímetro”, diz Velloso.
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