domingo, 11 de junho de 2017

Desatando o nó (final) | Sérgio Besserman Vianna

- O Globo

A crise tem acelerado o tempo da história, e alguns dos grandes temas decantaram de súbito

Como refundar a República? Duas observações:

1 — Não é obrigatório que isso aconteça. Em política, o morto pode governar os vivos por muito tempo.

2 — Só há refundação se a população assim o reconhece, isto é, se a legitimidade da representação e do sistema político é recuperada.
A crise tem acelerado o tempo da história, e alguns dos grandes temas decantaram de súbito, tornando quase transparentes alguns dos caminhos que têm de ser percorridos para que uma República Nova possa ser criada e reconhecida como tal pela população.

Três são os temas fundamentais. O primeiro é que a Constituição de 1988 é quase por inteiro parlamentarista, mas, por decisão plebiscitária em 1993, manteve-se o presidencialismo, criando o monstrengo tupiniquim onde só há governo se os “espertos” forem contemplados em suas chantagens políticas, pecuniárias e de postos no aparelho de Estado.

Por que não foi recuperada a consistência da Constituição em termos presidencialistas, com cláusula de barreira elevada, por exemplo? Será que por conta da intuição que membros do “mecanismo” tiveram sobre as “vantagens” que um sistema político-eleitoral onde os parlamentares só têm bônus, sem nenhum ônus, poderia viabilizar? É um modelo de governança que gerou o presidencialismo de coalizão, depois de cooptação e, finalmente, o apodrecimento completo da legitimidade da representação.

Decantado está que necessitamos de um semipresidencialismo ou semiparlamentarismo onde, sem entrar no mérito da divisão de poderes entre a Presidência e o Parlamento, tanto um poder quanto o outro devem ter condição de derrubar o governo. Em seguida, os parlamentares devem formar novo governo. Não o conseguindo, eleições gerais para o Parlamento.

Decantado também está que o voto deve ser distrital, preferencialmente misto, com lista de 10% a 20 % da Câmara, para que as lideranças, inclusive as que disputarem eleições majoritárias, possam compor o Parlamento e fortalecer os partidos, naturalmente que sem qualquer direito a foro privilegiado.

Essa é a única forma de reduzir a competitividade do dinheiro no processo eleitoral e a única mudança no sistema que seria reconhecida pela população como recuperação da legitimidade da representação, em função da muito maior proximidade entre eleitor e eleito.

Finalmente, se o uso da força militar está vetado pela valorização do estado de direito e se a “conciliação entre as elites” (do PT ao DEM) é a tendência, como será desatado esse nó? Só a pressão de uma frente ampla democrática pode viabilizar um caminho.

Uma Assembleia Nacional Constituinte da reforma política e temas associados — proibida a participação como constituintes de parlamentares e proibido por, digamos oito anos, que constituintes concorram a eleições — é a única estrada reta, ainda que decida tudo diferente do acima proposto.

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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro

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