terça-feira, 20 de junho de 2017

Prisão de parlamentar e Constituição | Alberto Zacharias Toron

- Folha de S. Paulo

A primeira turma do Supremo Tribunal Federal decide nesta terça-feira (20) se acata ou não o pedido de prisão preventiva feito pela Procuradoria-Geral da República contra o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). Sou advogado do senador nesta causa e apresentarei à corte constitucional do país os nossos argumentos.

Não pretendo, pois, fazer proselitismo fora dos autos em respeito aos juízes que haverão de decidir segundo as lentes do direito, não as do alarido, meu ou de qualquer outro. Assim, não exporei ou debaterei aqui as razões do meu cliente, mas uma questão que é de alcance teórico e remete às garantias democráticas. Pode, afinal, um parlamentar ser preso no exercício do mandato?

Diante dos termos claros da garantia da imunidade formal expressa na Constituição Federal, não há espaço para a decretação da prisão preventiva do parlamentar. O artigo 53, §2º, é bastante claro: "Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão".

O meio democrático para que se torne possível essa medida é, evidentemente, a modificação da regra pelo próprio Parlamento. Todavia, a despeito da regra constitucional em vigor, com astúcia interpretativa o procurador-geral da República pediu ao STF a prisão preventiva de Aécio Neves e o fez a partir do que chama de "pauta hermenêutica" republicana.

Pode o Judiciário substituir o Legislativo e, a pretexto de interpretar a lei com base em princípios que reputa prevalentes, aniquilá-la?

Eros Grau, com a dupla autoridade de ex-ministro da Suprema Corte e professor de direito, já advertia para o perigo da banalização dos princípios da "proporcionalidade e da razoabilidade, em especial do primeiro, concebido como um 'princípio' superior, aplicável a todo e qualquer caso concreto, o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de 'corrigir' o legislador, invadindo a competência deste". Com esses postulados normativos, ao lado da ideia de que "não há direitos absolutos", faz-se "gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional" (STF, habeas corpus nº 95.009).

A pretendida relativização da regra constitucional que institui a imunidade formal aos parlamentares fragilizaria a própria estrutura do Estado de Direito. No dizer da renomada constitucionalista Ana Paula Barcellos, pouco valeriam as decisões do Poder Legislativo se cada aplicação da norma se transformasse em novo processo legislativo, no qual o aplicador passasse a avaliar, novamente, as conveniências e os interesses envolvidos na questão para, ao fim, definir o comportamento desejável.

O constituinte, ao estabelecer a regra da imunidade prisional para os parlamentares, apenas com a exceção no caso de flagrante delito por crime inafiançável, já solucionou a priori o possível conflito de interesses que poderia haver entre liberdade e prisão preventiva, de modo a prevalecer a primeira. Goste-se ou não, é o teor da regra constitucional, democraticamente votada e promulgada.

O esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para transformar súditos em cidadãos não pode ser perversamente atraiçoado por uma perspectiva pseudorrepublicana, que mais revela as idiossincrasias do intérprete de plantão, fazendo lembrar o lema da ditadura, segundo o qual "contra a pátria não há direitos".

Aliás, diante do inquisidor não temos qualquer direito. Ou melhor, temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é reconhecível na oportunidade em que nos deveria acudir.

O ponto é que não podemos ficar, para repetir Umberto Eco, como "cera mole" ("O Nome da Rosa") nas mãos das autoridades, inclusive do Judiciário. O Estado de Direito impõe que se respeitem as regras democraticamente estabelecidas. Do contrário, espera-nos o arbítrio, o casuísmo e tudo aquilo que possa vir dos que se julgam dotados das melhores intenções.

Como demonstrou um trabalho do professor Tércio Sampaio Ferraz (USP), "Da Segurança Nacional à Insegurança Jurisdicional", causa preocupação a atuação do juiz voltado ao marketing das opiniões.
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Alberto Zacharias Toron, advogado de Aécio Neves, é doutor em direito pela USP e professor titular de direito processual penal da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado). Escreveu o livro "Habeas Corpus: Controle do Devido Processo Legal" (ed. Saraiva, 2017)

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