sábado, 22 de julho de 2017

A revisão da Lava-Jato

Qualidade de provas é o principal fator que faz TRF-4 reverter decisões de Sergio Moro

Cleide Carvalho e Gustavo Schmitt | O Globo

SÃO PAULO - A qualidade das provas é o principal fator que tem levado o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a reformar decisões do juiz Sergio Moro. De 48 sentenças aplicadas por Moro no âmbito da Operação Lava-Jato, seis foram totalmente refeitas na segunda instância. Na contramão das decisões do juiz, os desembargadores do tribunal têm, em alguns casos, desconsiderado versões de delatores e reforçado a fragilidade em acusações contra réus, o que resultou na absolvição de cinco condenados. Debruçado sobre os documentos apresentados pelos procuradores da força-tarefa para sustentar as acusações, o TRF-4 também já condenou quem foi absolvido por Moro, como o caso de Adarico Negromonte Filho, irmão do ex-ministro Mário Negromonte.

O caso do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto é um dos mais rumorosos, já que ele se viu livre de uma pena de 15 anos e quatro meses de prisão — a maior de suas cinco condenações aplicadas por Moro. Enquanto o relator João Pedro Gebran Neto referendou a decisão de Moro, os desembargadores Leandro Paulsen e Victor Laus concluíram que havia contra o petista apenas a palavra de delatores, sem provas, e que não existia entre eles nenhum que tenha dito que negociou ou falou sobre propina diretamente com Vaccari, apenas com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque.

Na avaliação dos desembargadores, é possível condenar com um conjunto de indícios, mas cada um deles deve ser certeiro. Esse entendimento foi expresso pelo desembargador João Gebran Neto, relator da Operação Lava-Jato em segunda instância, ao discorrer sobre a importância das provas nas investigações.

“Esta prova indireta deverá ser acima de qualquer dúvida razoável, excluindo-se a possibilidade dos fatos terem ocorrido de modo diverso daquele alegado pela acusação. (...) Os diversos indícios que envolvem o fato probando (cuja existência ainda depende de prova) devem ser analisados em duas etapas, primeiro em relação a cada indício; depois o conjunto deles. Assim, sendo cada indício certo e preciso, pode-se obter a concordância a partir do conjunto, sendo que um único indício, mesmo que certo e grave, pode acarretar na exclusão de um juízo de certeza quanto aquilo que se pretende provar”, escreveu o relator.

DO POSTO DE GASOLINA À MÃE DA DOLEIRA
Os desembargadores também reformaram a decisão de Moro para absolver dois executivos da empreiteira OAS — Mateus Coutinho de Sá Oliveira, que tinha recebido pena de 11 anos, e Fernando Stremel Andrade, apenado em 4 anos. Eles se convenceram com as alegações da defesa. Segundo os advogados, os dois eram funcionários internos da empreiteira, nunca tinham visitado a Petrobras ou colocado o pé numa refinaria. Nenhum dos delatores, disse a defesa, mencionou a participação deles em reuniões ou encontros para discutir propina. Oliveira era o diretor financeiro da OAS, e Andrade, da área administrativa.

Ao analisar o recurso dos dois executivos, o desembargador Victor Laus afirmou que a denúncia contra eles traçou um cenário, seguido pelo juiz de primeiro grau, e observou: “Eu tammas bém preciso me convencer de que esse cenário é efetivamente aquele que está na denúncia”.

A mãe da doleira Nelma Kodama, Maria Dirce Penasso, também havia sido condenada a dois anos e um mês por ter cedido seu nome para abrir uma das empresas usadas para remessas ilegais de dinheiro para o exterior. Ao avaliar as provas e os depoimentos de funcionários da doleira, os desembargadores consideraram que não havia provas acima de qualquer dúvida de que Maria Dirce sabia que a empresa aberta em nome dela seria usada para fins ilícitos. Na dúvida, concluíram os desembargadores, a decisão deve ser a favor do réu.

Outro caso de absolvição é o de André Catão de Miranda, funcionário do Posto da Torre, em Brasília, que movimentou dinheiro de origem ilícita e fez depósitos para intermediários de propina. Inicialmente condenado a quatro anos de prisão em regime semiaberto, ele foi absolvido depois da conclusão do TRF-4 de que, como gerente financeiro do posto, sua tarefa no cargo era justamente fazer pagamentos e depósitos para o posto e não havia provas de que, em algum momento, agiu com má-fé ou tinha conhecimento do destino dos valores depositados. Também pesou a favor de Miranda o fato de ele não ter auferido qualquer vantagem pessoal durante o período em que trabalhou para o dono do estabelecimento, o doleiro Carlos Chater.

Para o baiano Adarico Negromonte Filho, um dos 11 irmãos do ex-ministro Mário Negromonte, a decisão do TRF-4, por outro lado, piorou a situação. Adarico foi acusado de fazer entregas de propina do esquema da Petrobras, como funcionário do doleiro Alberto Youssef.

Vários delatores, entre eles o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, disseram ter visto Adarico trabalhando no escritório do doleiro. Quando a PF saiu em seu encalço, ele não se apresentou de imediato e chegou a ser até mesmo procurado pela Interpol. Ao julgar a participação do irmão do ex-ministro nos crimes, em julho de 2015, o juiz Sergio Moro entendeu que não havia provas suficientes para condená-lo, os desembargadores do TRF-4 concluíram o contrário. Em abril passado, Adarico foi condenado a oito anos e quatro meses de prisão em segunda instância.

“A meu juízo as provas de que Adarico Negromonte Filho tomou parte nas ações do grupo criminoso são inequívocas”, escreveu o desembargador Leandro Paulsen, revisor da sentença.

MAIOR PARTE DAS SENTENÇAS DE MORO É MANTIDA
Paulsen ressaltou que Adarico chegou a viajar a Canoas, no Rio Grande do Sul, para entregar dinheiro em espécie, uma viagem que não passaria despercebida na rotina de um funcionário comum. Ao depor a Moro, Adarico disse que não se lembrava do episódio. O desembargador chegou a frisar que Adarico, de 70 anos, não era uma pessoa “completamente alheia ao funcionamento regular de uma atividade empresarial”, já que chegou a ser dono de uma loja de pneus antes de ser indicado pelo irmão para trabalhar com o doleiro.

Além de Adarico, o TRF-4 também reformou a decisão de Moro em relação a Waldomiro Oliveira, mas não devido à qualidade de provas. Fornecedor de notas frias para o esquema de Youssef, Oliveira foi julgado em três ações penais. Na primeira delas, foi condenado a 12 anos de prisão. Nas duas outras ações, Moro considerou que havia litispendência (condenação pelo mesmo crime) e absolveu o réu. Os desembargadores reviram as duas absolvições para condenar nas duas ações, o que significou uma pena, somada, de 12 anos e nove meses de prisão.

Das sentenças de Moro na Lava-Jato, no entanto, a maior parte é mantida pelo TRF-4. Das 48 apelações à segunda instância, 14 não sofreram qualquer modificação. Outras 18 tiveram a pena dos réus aumentadas, o que indica maior rigor dos desembargadores. Outras dez tiveram as penas reduzidas.

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