quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O difícil xadrez diplomático para pôr Pyongyang em xeque – Editorial | Valor Econômico

As provocações do ditador norte-coreano Kim Jong-un foram longe demais e se por enquanto seus mísseis não passaram do estágio de testes, a ameaça que representam elevou a tensão na península coreana a um ponto em que um erro de cálculo ou ação precipitada pode detonar um conflito devastador. De um lado, há um governante cruel e lunático, como Kim, e do outro, o presidente americano Donald Trump, que têm a própria opinião em mais alta conta do que todas as demais - características que favorecem as chances de um desastre. A China tem interesse em manter um títere desequilibrado no lado norte e a Rússia é um outsider em busca do prestígio político perdido. Japão e Coreia do Sul são reféns de uma disputa entre gigantes.

Os tiranos norte-coreanos, dinastia que desagua em Kim Jong-un, são excrescências remanescentes da guerra fria, da mesma estirpe de ditadores sanguinários como Pol-Pot, no Camboja, de inspiração chinesa. A Coreia do Norte é um biombo miserável, após uma guerra sangrenta cujo resultado permitiu que os "comunistas" chineses não tivessem vizinhos "capitalistas" em suas fronteiras. A proteção tornou-se anacrônica na era dos mísseis, mas os chineses não pensam assim, e a existência do país, parasitário da economia da China, mantém para o PC uma utilidade geopolítica.

Kim, porém, devaneia que tem autonomia e, sem reprimendas da China, já testou 18 mísseis este ano. Os EUA acreditam que Pyongyang tem condições de em breve poder atingir território americano com artefatos de longo alcance, o que Kim deixou claro ao citar Guam, possessão americana no Pacífico que sedia base naval estratégica, como possível alvo futuro. O lançamento na madrugada de ontem de um míssil de médio alcance que cruzou o território japonês colocou o governo japonês de prontidão e reacendeu ameaças que pareciam ter sido amortecidas por sanções impostas em 5 de agosto pela ONU contra a Coreia do Norte, com apoio - raro - de China e Rússia.

As provocações de Kim ocorreram no dia de início dos exercícios militares conjuntos de EUA e Coreia do Sul, que se estenderão ao longo da semana. Os EUA reagiram com bombas retóricas. Há poucos dias, Trump prometera "fogo e fúria" a Kim, e ontem disse que "todas as opções estão sobre a mesa". Provavelmente, não usará nenhuma. Já China e Rússia, em seus comunicados, estão sintonizados em propósitos. Pequim advertiu que as partes envolvidas "não devem se provocar mutuamente e exacerbar tensões na região". Como foi Kim quem soltou seu míssil, o objetivo chinês é condenar os exercícios militares anuais. A Rússia foi explícita nesse ponto. Para o Kremlin, eles "não ajudam a desanuviar a situação na península coreana".

A palavra final é da China, a potência global em alta, da qual a Coreia é totalmente dependente. Mais de 85% de tudo o que os norte-coreanos importam vem de lá. Idêntica proporção do total de suas vendas ao exterior tem o mesmo destino. Como a tradição dos regimes stalinistas mostrou ao longo da história, é fácil para os chineses dar um fim em Kim. Mas a China quer preservar a zona tampão da Coreia do Norte como garantia nas fronteiras enquanto se lança a afirmar direitos contestados em ilhas sem importância em disputa com o Japão.

Deixar que outros países destronem Kim é impensável para os dirigentes chineses. A reunificação das Coreias que fatalmente ocorreria representaria um risco geopolítico que não estão dispostos a correr. Por outro lado, resolver o problema de Kim com o uso da força por EUA e aliados regionais é um pesadelo. Trump acha que abrindo frentes de disputa comercial com os chineses obterá um campo de barganha com Xi Jinping sobre a Coreia do Norte. Boa parte dos analistas diz que, na questão, como em muitas outras, Trump está equivocado.

Militares sul-coreanos não têm dúvidas de que ganhariam uma guerra contra seu vizinho, mas ela teria "consequências catastróficas". O ex-estrategista chefe de Trump, Steve Bannon, pensa a mesma coisa sobre os efeitos de uma aventura militar. Com o arsenal que já tem, Pyongyang pode destruir Seul, uma cidade de 10,3 milhões de habitantes a 50 km da fronteira da Coreia do Norte.

EUA e China terão de entrar em acordo sobre como domar Kim. A política externa de Trump é nebulosa e a diplomacia não tem sido uma força evidente dos EUA após sua posse. Os riscos de descontrole em uma situação em que os adversários são dois valentões armados não são pequenos e tendem a ser crescentes.

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