terça-feira, 5 de setembro de 2017

A injustiça das ruas e das redes | Joel Pinheiro Da Fonseca

- Folha de S. Paulo

Quando feministas e eleitores de Bolsonaro emitem a mesma opinião sobre um assunto, é hora de parar e pensar. O abuso sexual de mulheres no transporte público é um problema sério, mas quando o debate gira em torno de algum caso concreto e particularmente chocante, a demagogia e o sentimentalismo tomam conta, piorando uma situação que já é muito ruim. Foi o que vimos na semana passada, depois que Diego Novais ejaculou no pescoço de uma mulher no ônibus na terça-feira (29). Não foi sua primeira vez; ele já tinha 15 denúncias semelhantes no histórico.

Ponto pacífico: este indivíduo não tem condições de circular livremente. Nisso, nossa Justiça falhou. Ainda mais preocupante, contudo, são as outras duas justiças, que funcionam a todo vapor: a das ruas e a das redes.

A justiça das ruas é nossa velha conhecida. Se alguém é pego cometendo um crime, essa pessoa está em maus lençóis. No caso da ocorrência da terça passada, Diego só não foi espancado –e possivelmente morto– pelos populares porque o motorista e o cobrador intervieram para esvaziar o ônibus até que a polícia chegasse. Mais do que uma cultura do estupro, temos uma cultura do linchamento.

A justiça das redes, embora (ainda) não tire a vida de seus alvos, é muito eficiente em assassinar reputações. Neste caso, o escolhido para ser detonado pelos justiceiros online não foi o agressor, e sim o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto. Causou revolta o fato de ele decidir que, dado que não houve violência ou coerção física, não se tratou de estupro. Sem isso, Diego foi culpado apenas de importunação ofensiva ao pudor, que não chega a ser um crime, e sim contravenção penal. No mesmo dia, estava livre.

Ao contrário do que bradaram os justiceiros sedentos de sangue, o juiz não é nem um monstro misógino, que faz pouco da agressão contra mulheres, e nem um "defensor de bandido". Evidenciou seriedade ao lidar, dentro da lei, com uma situação que desafia as categorias legais. A lei brasileira não tem meio termo: ou é importunação ou é estupro, com pena mínima de seis anos de prisão, o que seria claramente excessivo nesse caso.

Solto, Diego não perdeu tempo e abusou de mais uma mulher. Agora, será indiciado por estupro mesmo. O mais provável, contudo, é que seja considerado psicologicamente incapaz. O novo juiz determinou sua prisão preventiva. Enquanto aguarda seu julgamento e sua avaliação psicológica, o que acontecerá com ele na prisão? Se morto, se violentado, tanto faz; para a opinião pública –nas ruas e nas redes–, é lucro.

Suspeito que grande parte dos masturbadores públicos tenha problemas mentais. Supondo, contudo, que alguns estejam em posse de suas faculdades, como lidar com eles? A ideia das penas sempre mais duras é questionável. Primeiro pelo problema já citado: engendra punições excessivas e desproporcionais. E, segundo, porque a punição dura e exemplar já existe: o linchamento das ruas. E, mesmo assim, a prática permanece, provavelmente,porque a chance de ser pego é baixa.

Como sempre, a resposta parece estar no caminho mais difícil: aumentar a taxa de punições; ou seja, estimular que mais ocorrências sejam denunciadas. É melhor um sistema que puna consistentemente de maneira moderada do que um no qual reine a impunidade e alguns sejam, ao sabor da indignação popular, brutalizados sem dó.

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