segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A trapalhada orçamentária – Editorial | Valor Econômico

Todo administrador, ou até mesmo um jovem estudante que pretenda ingressar no serviço público federal, sabe que a proposta orçamentária da União do ano seguinte precisa estar pronta para ser encaminhada pelo governo ao Congresso até o dia 31 de agosto do exercício em curso.

Os integrantes do governo Temer, no entanto, parecem ter esquecido dessa corriqueira determinação constitucional. Na semana passada, apresentaram à Nação um projeto de orçamento para 2018 que é uma peça de ficção. É ficção porque todos sabem que a proposta não servirá para absolutamente nada, pois foi elaborada com base em uma meta fiscal superada e sem as receitas previstas no pacote anunciado no dia 16 de agosto.

Os deputados e senadores não perderão tempo com a análise do projeto, pois já foi anunciado que, em breve, o governo encaminhará uma mensagem modificativa com o Orçamento que valerá para 2018.

A burocracia estatal gastou tempo e esforço e terá agora trabalho dobrado para elaboração da peça orçamentária que deve ser analisada.

A imprevidência das autoridades está registrada. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2018, já tinha sido aprovada e sancionada pelo presidente Michel Temer quando a equipe econômica conclui que não será possível cumprir a meta de déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) prevista para este ano e de R$ 129 bilhões para o próximo.

A razão para isso é a queda continuada da arrecadação federal, agravada pela incapacidade de o governo Temer comandar sua base política no Congresso, impedindo que os parlamentares aprovem um perdão quase completo para os devedores do fisco, que querem pagar os débitos sem multas e juros.

Somente no dia 16 de agosto - quinze dias antes do prazo fatal para o envio da proposta orçamentária - o governo decidiu rever a meta fiscal. A trajetória negativa da receita já era evidente há algum tempo e a impossibilidade de cumprir a meta também. Principalmente porque, para alcançar o objetivo fiscal, o governo foi obrigado a fazer cortes exagerados nas despesas, ameaçando, com isso, a execução de alguns serviços públicos. A intensidade do corte é insustentável, diante da grita generalizada dos ministérios.

Mas não foi anunciado apenas o aumento do déficit em R$ 20 bilhões para 2017 e em R$ 30 bilhões para 2018. O governo divulgou também um pacote de medidas, com o objetivo de elevar a receita da União. Medidas que estão, é importante que se diga, na direção correta.

Foi dado ao Congresso, portanto, um prazo de quinze dias para analisar e aprovar a mudança nas metas fiscais. A rigor, o prazo era bem inferior a isso, pois o projeto de lei com as alterações, depois de aprovado, teria que ser sancionado pelo presidente Temer. Só assim a proposta orçamentária de 2018 poderia ser elaborada com base na nova previsão de déficit primário.

Como era de se esperar, o Congresso não conseguiu aprovar a mudança antes da conclusão do projeto de lei do Orçamento. Parte da base parlamentar de Temer preferiu ir dormir do que ficar no plenário da Câmara dos Deputados, onde foi realizada a sessão, até a conclusão das votações, que ocorreu na madrugada da quinta-feira. Um senador foi tirado de casa, quando já estava de pijama. A desarticulação da base foi tão intensa que o presidente do Congresso, Eunício Oliveira (PMDB-CE), chegou a dizer que não era líder do governo e, portanto, não podia sair atrás dos parlamentares para garantir o quórum necessário às votações.

A trapalhada orçamentária não parou por aí. Apenas uma medida do pacote anunciado no dia 16 de agosto tinha sido adotada antes da elaboração da proposta orçamentária. Estavam paradas na Casa Civil as minutas de pelo menos três medidas provisórias e de vários projetos de lei para serem submetidos ao presidente Michel Temer.

Temer preferiu viajar para a China sem assinar nada. Deixou a atribuição ao presidente em exercício Rodrigo Maia (DEM-RJ), que também é o presidente da Câmara dos Deputados. As informações disponíveis são de que Maia se recusou a assinar os atos, pois considerou que algumas decisões "cabem exclusivamente ao presidente da República". O deputado carioca certamente esqueceu o cargo que estava ocupando.

Como não existiam, as MPs e os projetos de lei não foram considerados na proposta orçamentária. A sorte é que a trapalhada terá pouca repercussão na vida do país. É apenas mais um desgaste do governo Temer.

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