segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Nada de novo no front | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Governo, já faz tempo, deixou de governar

Michel Temer volta às cordas. Desta feita, tem companhia graúda. No outro 'corner', Lula se defende como pode das bofetadas desferidas por Palocci. Para ambos, o que resta é estender a luta, evitar o nocaute e aguardar a derrota honrosa por pontos.

O Procurador Geral da República cumpriu sua promessa e lançou sua última flecha. A Folha de São Paulo, na primeira página de sua edição de sexta-feira, minimizou a investida: "A denúncia, que não apresenta fatos relevantes novos, é a segunda de Rodrigo Janot contra o presidente". No dia seguinte, em editorial e matérias assinadas, bateu na mesma tecla. Sem novidades, a flecha teria sido desferida às pressas. Tanto assim que, no domingo, sequer marcou presença na primeira página.

Significativamente, no dia seguinte à denúncia, a agenda pública do presidente o levou a um hospital, onde, marchando a passos largos, mostrando vitalidade para evitar ser confundido com um paciente terminal, ignorou a imprensa. O 'estadista' só se manifesta com a proteção do púlpito, texto e gestual ensaiados. De improviso,

Até pode ser que o arqueiro tenha manejado de forma inepta a arma que dispunha, mas ninguém contesta que tinha flechas a disparar. Uma saraivada delas. Temer pode não ser o comandante de uma "organização criminosa", mas, em sã consciência, ninguém acredita que Janot tenha escrito uma peça de realismo fantástico.

Desqualificar o acusador é uma estratégia de defesa a que se recorre na ausência de outra rota de escape. É uma saída pela tangente que não enfrenta o teor e a substância da acusação. Para os defensores tanto de Temer quanto de Lula, foi a via que restou. Para os do presidente, sobraram as indiretas à embriaguez da denúncia, enquanto para os do ex-presidente, valeram as remissões ao trotskismo e a adesão ao neoliberalismo.

Os dois lados terão que dar tratos à bola para encontrar respostas mais convincentes. Porque no poder, a tarefa é mais premente para Temer e seu grupo. E, convenhamos, não é nada fácil pretextar inocência para quem gozou até outro dia da intimidade de Geddel Vieira Lima, proprietário de malas de dinheiro.

A desmoralização do Presidente da República é evidente. Perde a conta quem quiser reunir exemplos, indícios e relatos que maculam sua imagem. O imbróglio entre o amigo do peito, José Yunes, e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, até hoje não explicado, é talvez o mais inusitado e absurdo de todos. Yunes afirma que o envelope com o dinheiro foi deixado e retirado em seu escritório a pedido do Ministro. À época das revelações, Padilha foi internado, sumiu de circulação. Depois reassumiu seu cargo como se nada tivesse acontecido.

Restam poucas alternativas a Temer. O espaço para recorrer à saída clássica, a de se desfazer dos auxiliares próximos já se esgotou. Restam poucos a deixar pelo caminho, justamente aqueles de quem o presidente não pode se separar, porque se fez com eles e sem eles não vive.

Entrevistado, Moreira Franco, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, afirmou ter "identidade acadêmica e intelectual" com o presidente. Em artigo publicado na grande imprensa, o sempre ministro buscou explicar o que se passa: "A quem olha para o futuro em busca de milagres, é bom prevenir, com as regras que temos sobre partidos e eleições, o próximo governo, qualquer que seja, terá de fazer o chamado governo de cooptação." O arremate foi grandioso, patriótico: "Poucos têm a ousadia de pensar que, mais importante que as próximas eleições, seria uma reflexão mais séria sobre um sistema que deixou de ser funcional e precisa ser reformado." O ministro, portanto, recorreu à desculpa clássica: declarou-se uma vítima do sistema, das leis eleitorais. Só fez o que fez porque forçado a tanto.

Não lhe ocorreu lembrar que escapou das garras da Lava Jato porque ganhou status de ministro nos idos de fevereiro, por meio de edição de Medida Provisória assinada pelo Presidente amigo. Em fins de maio, como a MP estava prestes a perder sua validade, o Planalto se viu forçado a recorrer a uma verdadeira gambiarra para preservar o foro privilegiado de Moreira. Temer revogou a MP original e editou nova, mais ampla, recriando todos os ministérios tal qual existiam antes da sua edição. Belo truque. Nada mal para um presidente que se gaba de ser constitucionalista.

O 'vigilante' Supremo Tribunal Federal, a despeito de ser alertado da manobra por partidos da oposição, ainda não encontrou tempo para se manifestar sobre o assunto. Afinal, os ministros têm coisas mais importantes para tratar, como abrir as portas da prisão para goleiros e proprietários de empresas de ônibus.

As leis eleitorais estão longe de ser o maior problema institucional do país. Muito mais disfuncional é o STF, os enormes poderes que enfeixa e sua incapacidade de agir, de forma institucional e colegiada, na esfera que deveria ocupá-lo. Se há reformas a fazer, elas devem começar pelo Supremo.

Moreira Franco precisa por as barbas de molho, pois pode perder a proteção suprema. A MP recauchutada que lhe garantiu o foro privilegiado está em vias de perder a validade. Aliás, ao todo, são vinte e cinco MPs tramitando. No segundo semestre, só duas MPs foram convertidas em lei. Ocupado única e exclusivamente com sua defesa, o governo empurra tudo o mais com a barriga e, já faz tempo, deixou de governar.

Assim, chega-se a conclusão que a Folha de São Paulo tem razão. Não há nada de novo na denúncia, nada que não se soubesse, nada que cause espanto. O governo Temer é isso aí. Inepta ou não, a denúncia de Janot traz uma descrição realista do grupo encastelado no poder. Temer e o que resta do seu círculo íntimo nada mais têm a oferecer do que a sua agonia, do que a luta incansável para adiar o inadiável. A descida da rampa tem data marcada. Não passa de janeiro de 2019.

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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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