segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Reformas e popularidade | Denis Lerrer Rosenfield*

- O Estado de S.Paulo

Talvez o maior erro de Temer tenha sido não apresentar ao País a herança recebida

A grande vantagem dos governos populistas, como os que presidiram o País nos últimos anos, consiste no exercício ideológico da irresponsabilidade. Os recursos públicos foram simplesmente vilipendiados, quando não tratados como cosa nostra, e o mensalão e o petrolão são os seus melhores exemplos.

Contudo, enquanto a farra imperava, houve inegáveis ganhos de popularidade política. Em seu corte esquerdista, estes governos se caracterizavam pela dita afirmação dos direitos, como se os deveres não fizessem parte da cidadania.

Observávamos – e observamos – corporações e sindicatos assim cooptados tomarem para si uma parcela cada vez maior dos recursos públicos. Os gastos tornaram-se cada vez maiores, sem as correspondentes receitas. Chega um dia em que a conta deverá ser paga. E ela chegou!

Para ter uma ideia do descalabro reinante quando o presidente Michel Temer assumiu o poder, o País perdia mensalmente 100 mil empregos. Hoje, recupera 30 mil por mês e os índices tendem a melhorar. O PIB era negativo e já se pode prever para o próximo ano um crescimento entre 2,5% e 3,5%. A inflação nunca foi tão pequena em décadas, situando-se, agora, abaixo do piso da meta. Evidentemente, nada disso pode ser feito sem medidas duras, que, como é normal, produziram baixos índices de popularidade presidencial.

Há os que perderam os privilégios, os que não conseguem se dar conta de que a atual situação é decorrência de uma verdadeira herança maldita e os que seguem reféns da cegueira ideológica produzida pelo lulopetismo. É muito mais fácil vender ilusões, alicerçadas em dispêndios estatais crescentes, do que governar responsavelmente.

Aliás, um dos graves problemas das democracias contemporâneas consiste em que estas procuram ganhar popularidade com políticas socialmente distributivas, como se estas fossem inesgotáveis, e não se preocupam com as questões atinentes à produção de riquezas, sem a qual nenhum distributivismo é capaz de se sustentar.

O presidente Temer assumiu um país virtualmente falido, correndo para o abismo e a insolvência. É bem verdade que muitos viviam na ficção dos “direitos” e de um “desenvolvimento” que se tornara inexistente. A nova classe média já tinha perdido a sua condição e voltava para a sua situação anterior. Apartamentos e carros, tão celebrados pelo lulopetismo, foram devolvidos, com uma enorme quebra de esperança. A inflação passou a corroer os salários e o poder de compra das famílias. Quem experimentou o gosto do melhor sofre muito mais com a sua perda.

Teve o novo presidente a coragem de assumir suas responsabilidades, despreocupado com sua popularidade e eleições. Talvez o seu maior erro tenha sido não ter apresentado ao País, no momento adequado, a herança recebida. Poderia ter aceitado uma mera postergação do status quo, que, certamente, lhe teria granjeado popularidade. Poderia ter assumido o discurso fácil de venda de imagens de bem-estar social desconectadas da realidade. Em vez disso, decidiu pôr o País nos trilhos, no caminho das reformas necessárias.

Na medida em que se assumiu como “presidente reformador”, trouxe para si a impopularidade. A opinião pública, amortecida pelos governos anteriores, seguia na ilusão de que nossos problemas seriam meramente passageiros, uma “marolinha” que logo passaria. Uma pequena turbulência, e não a expressão de questões estruturais.

Ora, reformas não são aprovadas do nada, sobretudo se o seu escopo for muito abrangente, atingindo vários dos interesses enclausurados no próprio aparelho estatal. Na falta de popularidade, resta ao governante, se responsável for, apoiar-se no Parlamento, salvo se outra opção residir num governo autoritário, que meramente impõe o que deve ser feito. O novo presidente não escolheu nem o populismo esquerdista nem a solução autoritária, mas enveredou por negociações exaustivas e muitas vezes fisiológicas com a Câmara dos Deputados e o Senado.

Note-se que o Poder Legislativo é fruto desta mesma irresponsabilidade dos últimos governos, devendo passar ele também por um choque de realidade. De nada adiante criticar essas negociações parlamentares se nada for posto em seu lugar e, sobretudo, se o preço a pagar for a omissão, a irresponsabilidade e a manutenção do status quo.

Muito foi feito em curto espaço de tempo. A agenda reformista é extensa. Dentre outras iniciativas, observe-se: 1) o teto do gasto público, que impôs um limite à gastança irresponsável imperante; 2) a reforma do ensino médio, que vinha sendo negligenciada; 3) a aprovação da terceirização, que abre uma nova época para a produção de riquezas, dando nova agilidade aos processos econômicos; 4) a aprovação da modernização da legislação trabalhista, que cria oportunidades de emprego e tira a economia brasileira de seu engessamento, em consonância com o que ocorre nos países desenvolvidos; e 5) a introdução de critérios de eficiência e de profissionalismo na gestão de empresas estatais e bancos públicos.

Ainda nestas últimas semanas tivemos um aprofundamento do processo de desestatização de empresas públicas, sob a liderança do ministro Moreira Franco. Foi um ato de coragem mexer com símbolos de um país que deve se modernizar, como a Eletrobrás e o Aeroporto de Congonhas. Lembrem-se dos benefícios da privatização da Telebrás e a explosão de novas tecnologias e eficiência, colocando celulares baratos nas mãos de qualquer cidadão. Também está o governo cortando a bolsa-empresário, procurando equalizar as taxas de juros do BNDES com as do mercado, acabando com privilégios.

A consciência de todo este processo de reformas e de inovação deveria ser uma obrigação mesma dos parlamentares, em cujas mãos está a necessária reforma da Previdência, sem a qual o quadro de transformações do País ficará incompleto. Pense-se igualmente no projeto de simplificação tributária.

O momento não é de aposta na popularidade irresponsável.
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*É professor de filosofia na UFRGS

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