- O Globo
“Para encontrar a Justiça é preciso ser-lhe fiel. Ela só se manifesta àqueles que nela creem”. Piero Calamandrei, jurista italiano
Guarde esta data: 11 de outubro de 2017, véspera do dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. Foi quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a última palavra em matéria de lei não será mais dele, mas do Congresso no caso de punição de parlamentar acusado por crime comum. Revoguem-se as disposições em contrário, inclusive o Código de Processo Penal. Publique-se de imediato.
SESSÃO MEMORÁVEL, CONCLUÍDA DEPOIS de 13 horas de discussões com o voto de desempate da ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal. Sim, a que já havia dito que “a população clama por Justiça e é contra a impunidade”. Ou que a ”ética não é uma escolha, mas a única forma de se viver sem o caos”. Ou ainda que “sem o Poder Judiciário forte, livre e imparcial não teremos uma democracia”.
CÁRMEN, A BOA DE FRASES, GAGUEJOU ANTES de deixar claro de que lado ficaria. Talvez não contasse com a contundência do voto do ministro que a antecedeu, Celso de Mello. As decisões do STF, segundo ele, “não estão sujeitas a revisão, nem dependem para sua eficácia de ratificação ou ulterior confirmação por qualquer das casas do Congresso, pois não assiste ao Parlamento a condição de instância arbitral de revisões da Corte”.
É FATO QUE O TRIBUNAL SEGUIRÁ aplicando a parlamentares as medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal. Mas uma vez que as aplique, caberá ao Congresso confirmá-las ou suspendê-las. Ou às assembleias. Ou às câmaras municipais. Era o que desejavam os interessados em salvar Aécio Neves (PSDB-MG), e em se salvarem também. Por tibieza, jais sabedoria, o STF rendeu-se às pressões de um Congresso repleto de criminosos.
DIZ-SE QUE A SUBMISSÃO foi para evitar o perigo de o país ser engolfado por uma crise institucional, o que ocorreria se o Senado descumprisse a ordem de punir Aécio, afastado do mandato e confinado à noite em casa por embolsar propina. A ameaça de crise era blefe. Uma semana antes, o Senado indicara por 50 votos contra 21 que não ousaria confrontar o STF.
COMO NÃO CONFRONTOU QUANDO O SENADOR Delcídio Amaral (PT-MTS) foi preso, acusado de oferecer proteção a um delator para que não delatasse. Como não confrontou da vez passada em que Aécio foi afastado do mandato e posto em prisão domiciliar. A Câmara engoliu a seco a interdição judicial do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Depois cassou-lhe o mandato.
BOA DE FRASES, CÁRMEN TAMBÉM é boa de intenções, embora careça de experiência para lidar com políticos espertos, de influência sobre colegas determinados a fazer prevalecer seus pontos de vista, e de coragem para afirmar-se em momentos difíceis. Deixou-se impressionar pela reação de gente do tipo Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR). Resultado: perdeu, ministra! E também a democracia.
ESSA GENTE CORRE O RISCO DE ser derrotada na sessão de amanhã do Senado, destinada a selar a sorte de Aécio. Quer o voto secreto para escapar à execração pública no caso de uma decisão favorável a ele. Em 2015, foi Aécio que entrou com ação no STF para barrar a adoção do voto secreto na sessão que referendou o afastamento e a prisão de Delcídio. O voto foi aberto.
O STF PERDEU A QUEDA DE braço com o Congresso, mas nem por isso merece ser esculachado. Se antes o Senado não puniu Aécio como deveria, poderá fazê-lo agora, quando nada para tentar salvar a própria face, e a de uma Justiça que preferiu se pôr de joelhos. Triste país!
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