quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Senado adia novamente votação que pode reverter afastamento de Aécio

Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O Senado adiou novamente a análise de um ofício que pode reverter medidas cautelares impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a Aécio Neves (PSDB-MG).

Por determinação da primeira turma do tribunal, o tucano está afastado do mandato e cumprindo recolhimento noturno em casa desde a última semana.

A análise do caso estava prevista para esta terça-feira (3), mas foi postergada após o plenário aprovar requerimento marcando a votação para o próximo dia 17.

"Aprovado o requerimento estaremos dando uma oportunidade para que a Suprema Corte revise por meio do pleno uma decisão tomada por uma de suas turmas ou o Senado poderá lançar mão de suas prerrogativas para equilibrar freios e contrapesos [da nossa democracia]", disse o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

O adiamento foi confirmado após aprovação de requerimento apresentado pelo senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que contou com apoio de 50 senadores e rejeição de outros 21.

A decisão de não votar nesta terça se deu para que o caso possa ser resolvido pelo próprio Judiciário.

STF
Na próxima quarta-feira (11), os 11 ministros do STF analisam uma ação direta de inconstitucionalidade que pede que as sanções contra parlamentares –como afastamento de função pública, por exemplo– sejam submetidas ao Congresso. O julgamento tem impacto direto no caso de Aécio.

A discussão no STF deve ter ao menos duas questões: se o tribunal pode determinar medida cautelar contra parlamentar e, em caso positivo, se o Congresso precisa colocar essa decisão em votação.

Para decidir adiar a votação desta terça, senadores levaram ao menos dois pontos em consideração.

O primeiro deles é uma mudança de clima. Já não é vista como certa a reversão das cautelares pelo Senado, como previsto na semana passada.

A mudança de postura de alguns partidos, como o PT, levantou um temor de que a Casa não tivesse os votos necessários para derrubar a determinação do Supremo contra Aécio.

Para que isso ocorra, são necessários ao menos 41 votos entre os 81 senadores.

Foi levado em conta ainda o fato de o ministro Edson Fachin, do STF, ter negado nesta terça uma liminar apresentada pela defesa de Aécio.

O tucano pediu para que a decisão da primeira turma do STF fosse suspensa até que a corte conclua o julgamento marcado para dia 11.

CRISE
A discussão sobre o afastamento de Aécio reacendeu uma disputa entre os Poderes Legislativo e o Judiciário, vivida desde o início da Operação Lava Jato.

Senadores vêm argumentando que o STF "extrapolou" ao impor as cautelares. Eles avaliam que tais medidas não têm previsão constitucional.

As críticas têm como base o artigo 53 da Constituição, que prevê que prisão de senador ou deputado só pode ser decretada em caso de flagrante delito de crime inafiançável.

O texto diz ainda que a decisão da Justiça precisa ser validada pela Casa legislativa respectiva.

O presidente do Senado tem evitado abrir um confronto direto com o Judiciário. Desde o resultado do julgamento da primeira turma, na terça passada, ele vem dizendo que prefere negociar uma saída institucional.

Eunício e a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, tiveram pelo menos quatro conversas desde então. Na segunda (2), o peemedebista foi pessoalmente ao tribunal onde passou ao menos três horas, acompanhado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

PRESSÃO
Em meio à pressão de senadores, Eunício evitou se posicionar ao longo da tarde desta terça. Ele foi convidado para um almoço com tucanos, ao qual não compareceu.

Ele cancelou ainda a reunião de líderes, prevista para o início da tarde, e passou a maior parte do dia em seu gabinete pessoal, recebendo prefeitos do Ceará.

A resistência em colocar o caso em votação foi criticada por alguns senadores. Entre eles, o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR).

Afastado por licença médica, ele compareceu à Casa apenas para deixar um voto escrito a favor de derrubar as imposições contra Aécio.

Logo em seguida, Jucá viajou para São Paulo para tratar de uma diverticulite.

Ao discursar na tribuna, o peemedebista deixou um documento escrito de próprio punho na mesa-diretora da Casa. "Declaração de voto sobre o requerimento referente ao entendimento do Senado sobre a situação do senador Aécio Neves", escreveu sublinhando "voto NÃO" em letras maiúsculas.

Outro crítico do adiamento é o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). "Adiar essa votação é dissolver o Senado Federal e não acredito que Vossa Excelência [Eunício] faça isso", disse, pouco antes de o plenário postergar a votação.

ACUSAÇÕES
Aécio é alvo de denúncia do Ministério Público Federal por corrupção e obstrução da Justiça. Em março, ele foi gravado pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, a quem pediu R$ 2 milhões.

Na conversa, o tucano faz críticas ainda ao comando da PF, sugerindo que sejam feitas mudanças.

Ele nega as acusações e diz que seu afastamento do mandato é "uma condenação sem que processo judicial tenha sido aberto.

LEIS EM CHOQUE

O que diz a Constituição
▶ Pelo artigo 53, deputados e senadores só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. A prisão deve ser analisada pela Câmara ou pelo Senado e deve ser aprovada pela maioria dos parlamentares para vigorar

LACUNA: O texto não diz o que deve ocorrer em relação a medidas cautelares diferentes de prisão, como, por exemplo, o recolhimento noturno

O que diz o Código de Processo Penal
▶ O artigo 319 exemplifica medidas cautelares com função alternativa à prisão. São nove medidas que foram regulamentadas por lei de maio de 2011. Entre as possibilidades mencionadas, estão recolhimento domiciliar noturno, proibição de ausentar-se de determinada comarca, suspensão de exercício de função pública, monitoramento eletrônico e ainda a proibição de contato com determinadas pessoas

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