quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A polarização se tornou um veneno, diz historiador escocês

Estudioso alerta que visões extremistas e notícias falsas levam a declínio

Ana Paula Ribeiro e Gustavo Schimitt / O Globo


-SÃO PAULO- Ao promover polarização, visões extremistas e notícias falsas, as redes sociais estão levando a sociedade a um estado de declínio. Pior: tem aumentado o engajamento a uma linguagem obscena e à insensatez. A avaliação foi feita pelo historiador escocês Niall Ferguson, durante seminário da série Fronteiras do Pensamento.

Professor da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e autor de livros em que discorre sobre a decadência do mundo ocidental, Ferguson acredita que as redes sociais assumiram um papel tão importante na sociedade que são capazes de afetar o resultado de eleições, privilegiando candidatos que souberem utilizá-las melhor.

Para Ferguson, as grandes redes sociais polarizam tanto o debate que levam a sociedade a um estado de declínio que ele chama de “incivilidade”:

— A minha preocupação hoje é que a sociedade civil foi tão erodida pelo advento das redes sociais que não podemos mais falar em sociedade civil. Os Estados Unidos se tornaram uma sociedade não civilizada. A polarização se tornou um veneno. Eu me pergunto se a civilização não está se tornando algo diferente, em uma não civilização ocidental — critica o historiador.

DISCURSOS EXACERBADOS
Segundo ele, as empresas responsáveis pelas redes sociais não estão preocupadas com a saúde do debate:

— Uma das consequências das redes sociais gigantes é a polarização. As pessoas se agrupam em grupos de esquerda ou de direita. O que notamos é um maior engajamento em tuítes de linguagem moral, emocional e até obscena. As redes estão polarizando a sociedade, produzindo visões extremistas e fake news — avalia.

Ferguson citou como exemplo mais recente do impacto das redes sociais nas eleições a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos, em 2016. Segundo ele, Trump tinha exposição (tanto em número de usuários como de engajamento) maior do que a adversária Hillary Clinton, mesmo em estaministra, dos democratas.

Para ele, olhar como se comportam os candidatos nas redes e como eles atraem seguidores e engajamento é importante para analisar a disputa por cargos eletivos. Como exemplo, vê que há indicativo de que o líder do Partido Trabalhista no Reino Unido, Jeremy Corbyn, tem chances de ganhar a próxima disputa para o cargo de primeiro-ministro por sua presença nas redes (1,6 milhão de seguidores no Twitter contra 416 mil da atual primeiraTheresa May, do Partido Conservador).

Já na avaliação do jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Eugênio Bucci, o debate sobre a polarização nas redes sociais e o impacto nas eleições e na sociedade têm gerado insensatez, mas não necessariamente incivilidade. Ele pondera que nem todos os efeitos da participação nas redes são negativos e lembra a mobilização de 2013, que se deu, basicamente, na internet.

— A tendência é que discursos exacerbados sejam favorecidos nas redes. E isso vai produzindo o efeito bolha: as pessoas que fazem parte delas dentro das redes são governadas por algoritmos e não pelo discernimento racional. O que é um paradoxo, porque tudo que o Brasil precisa nesse momento é de sensatez. Mas parece que os ventos favorecem a insensatez. Eu não diria que estamos em tempos de incivilidade, mas de insensatez — afirma o professor. 

REDES NÃO SÃO ‘MAL ABSOLUTO’ 
Bucci diz que é preciso cautela com o discurso de que as redes vão corromper a democracia do ocidente.

— As redes não podem ser definidas como mal absoluto. É bom lembrar que também representam um arejamento das democracias. E foram responsáveis por imprimir nova dinâmica nas relações entre a sociedade e o estado — pondera.

Já o professor Fabio Malini, coordenador do Laboratório de estudos sobre Internet e Cultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), acha que esse estado de incivilidade já está na arena política do Brasil.

— A polarização é corriqueira na política. Mas, nas redes sociais, tem um modelo específico de atenção das pessoas que influi nisso. A proximidade tem sido a tônica de como algoritmos são construídos fortalecendo bolhas ideológicas, onde há atitudes impulsivas, que redundam em decisões emocionais — diz.

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