sábado, 18 de novembro de 2017

Alerj confronta Lava-Jato e manda soltar Picciani

Deputados revogam prisão por 39 a 19

Batalha agora será por mandatos

A conversa com Cabral na cadeia

Durou menos de 24 horas a prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, e dos deputados Paulo Melo e Edson Albertassi. A Alerj teve a reação que já era esperada e, por 39 votos a 19, revogou a preventiva dos três peemedebistas, que tinha sido decretada por unanimidade pelos cinco desembargadores do Tribunal Federal da 2ª Região. Agora, a disputa vai ser para afastá-los de novo do mandato, decisão da Justiça que os deputados também reverteram. Picciani, que não teve o cabelo raspado, contou ao repórter Antônio Werneck que, na cadeia, conversou com o ex-governador Sérgio Cabral, com quem se encontrou no corredor. Embora diga que foi bem tratado pelos guardas, Picciani se queixou: “Não é uma situação agradável. É muito triste. O sistema carcerário é muito degradante.”

Cadeia breve

Alerj escolhe corporativismo, liberta Picciani, Melo e Albertassi e confronta a Lava-Jato

Chico Otavio, Fernanda Krakovics, Juliana Castro, Marco Grillo e Miguel Caballero / O Globo

RIO DE JANEIRO - A Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) seguiu à risca ontem a missão corporativista que dela já se esperava: revogou a prisão preventiva dos deputados Jorge Picciani, presidente da Casa, Paulo Melo, ex-presidente, e Edson Albertassi , líder do governo de Luiz Fernando Pezão, todos eles do PMDB. Não foi a primeira vez que uma decisão desse tipo ocorreu na Alerj — o ex-deputado e ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins já havia sido libertado da cadeia pelos pares em 2008 —, mas o contexto histórico da sessão de ontem é, sob vários ângulos, inédito: não sensibilizaram os deputados os avanços das investigações da Lava-Jato, a crise financeira do Rio ou mesmo manifestações contra os parlamentares acusados, inclusive na porta da Alerj. Prevaleceram o espírito de proteção aos mandatos dos colegas e a oportunidade de impor limites ao tsunami que já levou à cadeia, no Rio, o exgovernador Sérgio Cabral, vários ex-secretários e conselheiros do Tribunal de Contas.

— Não tenho vocação de urubu para trepar na carniça de ninguém — disse, na tribuna, André Corrêa (DEM), escalado para defender a aprovação do parecer que livrava os colegas da prisão.

Foram 39 votos a favor da libertação, 19 contrários e uma abstenção, de Bruno Dauaire (PR). Rafael Picciani (PMDB), filho de Jorge Picciani, estava presente, mas não votou.

O cabo de guerra entre quem investiga e quem detém meios legais de limitar a descoberta e exposição pública de práticas ilegais continuará sendo a tônica no desenrolar da história da Lava-Jato no Rio, e os próximos capítulos devem trazer um acirramento do embate entre Legislativo e Judiciário.

Em um passo além do que fora permitido pela Justiça, a Alerj também suspendeu o afastamento dos mandatos dos parlamentares — a decisão judicial se restringia à detenção e tratava o afastamento como “automático e consequente”, nas palavras do relator, desembargador Abel Gomes.

A resolução aprovada em plenário serviu como alvará de soltura, instrumento normalmente expedido por juízes, e foi levada rapidamente da Assembleia, no Centro, para a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, Zona Norte. Pouco mais de uma hora após o resultado, o trio peemedebista, que estava preso em função do flagrante de lavagem de dinheiro, deixou a cadeia e foi para casa.

O trâmite pouco usual para a libertação de presos, aliado à deliberação sobre o afastamento que não constava da decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) enviada à Alerj, provocou mais um choque entre os poderes Judiciário e Legislativo, numa reprodução, em âmbito local, dos embates entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso assistidos em Brasília nos últimos meses. O desembargador Abel Gomes não foi notificado oficialmente da decisão tomada pela Alerj. No fim da tarde, ele já não estava em seu gabinete. Pela rotina, caberia a ele expedir um mandado de soltura. Na ausência dele, a opção seria o presidente da Seção Criminal, desembargador Ivan Athié, ou o presidente do TRF-2, desembargador André Fontes.

Para um dos investigadores da Operação Cadeia Velha, os episódios de ontem representam mais um ponto de estresse na relação entre poderes.

O próximo embate entre Legislativo e Judiciário não vai demorar. O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir, na terça-feira, que a Seção Criminal do TRF-2 volte a se reunir, desta vez para analisar exclusivamente um pedido de afastamento de Picciani, Melo e Albertassi de seus mandatos. Nos bastidores, assessores ligados à Mesa Diretora da Alerj consideraram “uma pegadinha” do TRF-2 o fato de não estar descrito expressamente na decisão o afastamento do mandato. Agora, se aceitar o pedido dos procuradores e afastar os deputados do mandato, o TRF-2 poderá dizer se esta nova decisão tem ou não de ser submetida à Assembleia, o que ampliará a indefinição jurídica do caso.

Para a procuradora regional Silvana Battini, a suspensão é necessária porque o mandato é o principal instrumento usado pelo trio peemedebista para cometer os crimes de que são acusados. O MP afirma que os deputados que estavam presos receberam propina da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor) para atuarem na Alerj a favor de projetos de interesse das empresas de ônibus. Picciani teria recebido R$ 76 milhões entre 2010 e 2017; Melo teria ficado com R$ 54 milhões entre 2010 e 2015; a Albertassi, caberia uma mesada de R$ 60 mil, paga inclusive durante este ano.

O documento aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que deu base à decisão tomada em plenário, cita como um dos fundamentos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que deu às casas legislativas a palavra final sobre a imposição de medidas cautelares diversas da prisão a parlamentares. O assunto foi pautado após uma crise gerada entre Senado e STF depois de o Supremo afastar o mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e determinar o recolhimento noturno.

SUPREMO PODE FAZER NOVA ANÁLISE
Dois ministros do STF disseram ontem ao GLOBO, reservadamente, que a Alerj tem a prerrogativa de revogar a prisão de deputados estaduais, assim como para devolver o mandato a eles. O parágrafo 1º d o artigo 27 da Constituição Federal dá aos deputados estaduais as mesmas imunidades a que têm direito os senadores e deputados federais. Pela Constituição, os parlamentares só podem ser presos em flagrante delito, por crime inafiançável. E essa medida pode ser revista pelo Congresso Nacional. No caso dos deputados estaduais, a revisão cabe às assembleias. A constituição estadual do Rio também confere esse poder à Alerj.

Na visão de um dos ministros ouvidos, o STF não percebeu o alcance da decisão no julgamento que beneficiou Aécio. Ele acredita que seria importante a Corte analisar novamente o assunto, desta vez, com o enfoque nas consequências práticas estendidas aos deputados estaduais.

Ainda na esfera jurídica, o PSOL anunciou que vai entrar na Justiça para tentar a anulação da sessão de ontem da Alerj. Politicamente, o resultado foi aquém do esperado pela base governista. Os parlamentares precisavam de 36 votos para serem soltos e tiveram 39.

— Era um resultado previsível, mas não foi folgado — disse o deputado Luiz Paulo (PSDB). (Colaborou Carolina Brígido)

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