segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Falta o centro – Editorial: Folha de S. Paulo

Ainda que desgastada e imprecisa, a divisão conceitual entre direita e esquerda dificilmente escapa ao horizonte dos analistas políticos. Afinal, persistem, apesar das alterações da conjuntura histórica, associações de valores a diferenciar uma e outra forma de afiliação ideológica.

Tradição, autoridade e hierarquia versus utopia, contestação e mudança; crítica à desigualdade ou estímulo à concorrência; intervenção estatal ou confiança no mercado; nacional-desenvolvimentismo ou defesa da globalização. São inúmeras as oposições que, em estado puro, podem ser consideradas no debate.

Ocorre que, na prática, dualidades de tal tipo raramente sobrevivem, e as combinações entre seus diferentes aspectos multiplicam as opções em jogo e as incoerências que, em tese, abrigam dentro de si.

A julgar por algumas pesquisas de opinião recentes –e, portanto, prematuras–, o eleitorado brasileiro estaria a se dividir em alternativas inconciliáveis e remotas com vistas à sucessão presidencial em 2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vê o deputado Jair Bolsonaro (PSC) crescer como seu principal adversário no segundo turno.

Naturalmente, além das ressalvas de praxe quanto à volatilidade do ambiente político, observações podem ser feitas quanto à caracterização do petista como alguém que represente ideais de esquerda. Ao menos, não o faz tão claramente quanto Bolsonaro encarna –até à caricatura– a direita.

Aliado a figuras do conservadorismo evangélico, do mundo das empreiteiras e do mercado financeiro, o sistema petista descartou com facilidade o purismo ideológico de seus primeiros tempos.

Seja como for, os conceitos de esquerda e direita atendem também às exigências da política identitária. A autoimagem, o espírito de torcida e a definição do "inimigo" contam mais, por vezes, do que a análise objetiva de propostas e práticas de governo.

Uma polarização marcante não parece corresponder, de todo modo, aos hábitos e atitudes presentes na cultura política brasileira.

Certamente, um amplo contingente dos que rejeitam os desmandos e delinquências do lulismo não estaria disposto a seguir os lemas de quem, como Bolsonaro, defende a memória de torturadores, faz brincadeiras com o crime de estupro ou insulta homossexuais.

Há espaço, sem dúvida, para candidaturas com atitudes mais liberais e modernas que a de Bolsonaro e mais responsáveis e éticas que a de Lula. Perfis mais ao centro, ademais, dariam densidade ao essencial debate programático.

Entre o populismo macunaímico e o policialismo troglodita, a política brasileira tem certamente mais opções a oferecer.

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