segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Gustavo Loyola: Um país atolado no passado

- Valor Econômico

Aqui, ao contrário das economias avançadas, mais vale a proximidade com o governo do que a eficiência econômica

O Banco Mundial acaba de divulgar mais uma edição do relatório anual "Doing Business" e, sem grande surpresa, o Brasil continua ocupando posição vexatória no "ranking" que busca avaliar, de maneira comparada, o ambiente de negócios em 190 países. Embora o País tenha apresentado alguma melhora nos indicadores absolutos no último ano, em termos relativos o Brasil caiu pelo segundo ano consecutivo, passando da 123ª para a 125ª posição. O Brasil segue atrás de países como o Irã, a Namíbia e Uganda. Somos o pior entre os Brics e também no Mercosul.

A péssima colocação relativa do Brasil reflete principalmente o atraso intelectual dominante no país, cujas elites, em sua maioria, se beneficiam do capitalismo de compadrio e, por isso, dele não abrem mão facilmente. Aqui, ao contrário das economias capitalistas adiantadas, mais vale, como regra geral, a proximidade com o governo da ocasião do que a eficiência econômica. Somos o país onde predomina o "criar dificuldades para vender facilidades". Há, evidentemente, ilhas de eficiência e competitividade, mas infelizmente insuficientes para modificar de maneira decisiva o nosso subcapitalismo.

Em nenhum país do mundo, a construção das instituições necessárias ao desenvolvimento capitalista se deu de forma linear e homogênea. Resquícios do passado pré-capitalista continuaram presentes aqui e acolá até nas nações institucionalmente mais desenvolvidas. O capitalismo de compadrio não é, pois, uma exclusividade brasileira. Na América Latina, em particular, é encontradiço, em maior ou menor grau, em todos os países do continente. O que impressiona, contudo, é a extensão e profundidade do fenômeno no Brasil.

Um bom exemplo é o nosso sistema tributário. Vale dizer que chamar o emaranhado de impostos aqui vigente de "sistema" já é por si só uma licença poética. No "ranking" do "Doing Business", o Brasil ocupa o "honroso" 184º quando se trata dos custos para o contribuinte honrar suas obrigações com o Fisco. A complexidade da legislação tributária, eivada de normas especiais e exceções específicas para determinadas categorias de contribuintes, faz do recolhimento de impostos uma via crucis para contribuinte, notadamente quando sua atuação em escala nacional o sujeita às diferentes legislações de Estados e municípios. No Brasil, em se tratando de tributação, as exceções são a regra.

Porém, a óbvia necessidade de redução da complexidade do sistema tributário parece não ter ainda encontrado suficiente eco na sociedade brasileira. Ao contrário, a preferência de uma maioria - representada no Congresso Nacional - continua sendo a de criar desonerações setoriais e sucessivos perdões (Refis) para contribuintes inadimplentes, facilidades que somente podem ser vendidas na presença de um sistema tributário que é pródigo em dificuldades. A tramitação recente de mais um Refis (sob um novo nome) no Congresso ofereceu-nos novamente a prova disso.

Além do aspecto tributário, o "ranking" do Banco Mundial revela outras mazelas do Brasil. O empreendedorismo é sufocado pela pesada e complexa burocracia para se abrir uma empresa, o que levou o País ao 176º lugar entre os 190 países abarcados pelo relatório citado. Não há como uma economia capitalista sobreviver de modo competitivo sem inovação e esta depende muito da capacidade e facilidade de se empreender. Aqui, infelizmente, os talentos empresariais mais inovadores são consumidos em estéreis tarefas burocráticas que nada acrescentam ao PIB do país.

Essa falha está sendo particularmente fatal no contexto da revolução tecnológica atual que subverte verdades e hábitos estabelecidos há muito tempo. Na era do Uber e do Cabify, aqui ainda se pensa o transporte de passageiros com a mesma mentalidade do início do século passado. Assim é que o Congresso, na falta de coisa mais útil para fazer, quer engessar uma atividade que tem trazido renda para milhares de pessoas e melhorado a mobilidade urbana nas cidades brasileiras, fortemente carentes de transporte público de qualidade. Esse é apenas mais um exemplo, entre muitos, de como o patrimonialismo e os interesses estabelecidos freiam a inovação e contribuem para manter o atraso relativo do país.

Outro indicador negativo revelado no "Doing Business" diz respeito à obtenção de licença para construir, no qual o Brasil ocupa a posição 170 entre 190 países. A barafunda das normas a respeito emanadas das três esferas de governo e a burocracia para cumpri-las faz-nos lembrar de uma espirituosa frase de Roberto Campos: "Tudo que é rigorosamente proibido é ligeiramente permitido". Não é por outra razão que as cidades brasileiras estão povoadas de construções ilegais e precárias que frequentemente levam a acidentes fatais.

Em suma, o "Doing Business" mostra que os avanços das últimas décadas foram claramente insuficientes para fazer o Brasil galgar posições melhores nos rankings globais de competitividade. O maior obstáculo, sem dúvida, é a permanência de uma mentalidade atrasada que freia e anula os esforços reformistas que são tentados. Que o digam os juízes e procuradores trabalhistas que conspiram para não aplicar a recente reforma trabalhista.

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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central.

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