sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Golpe de Itararé – Editorial: Folha de S. Paulo

Intenso e insistente por ocasião do impeachment, parece entrar agora em declínio o artifício retórico de que a deposição de Dilma Rousseff (PT) não passava de um golpe promovido pelas elites, a romper com o ciclo democrático regido pela Constituição de 1988.

Foi, de resto, em estrita obediência aos princípios daquele texto que se deu o processo de afastamento da petista. Como é notório, as instituições políticas e as liberdades fundamentais não sofreram abalo desde então.

No terreno da historiografia, onde vigora a influência das concepções lulistas, é possível que a descrição da crise de 2016 ainda venha a se cobrir de tintas partidárias.

Quando se passa, entretanto, do lulismo imaginário para o real, a tese do golpe já se mostra em vias de desaparecimento, sem que por isso o compromisso com a verdade conheça alguma recuperação.

Em recente ato de sua pré-campanha eleitoral, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma, por exemplo, que está "perdoando os golpistas" e está pronto a "trazer a democracia de volta".

A democracia não saiu de cena, entretanto, quando assumiu o vice-presidente eleito pela mesma coalizão que entregara a Dilma Rousseff a responsabilidade —que desbaratou— de conduzir o país.

Diversamente do que quis dar a entender Lula no pré-comício de Belo Horizonte, não há nessa atitude um perdão comparável ao de Juscelino Kubitschek –este, em pleno exercício da Presidência, não quis punir a meia dúzia de oficiais exaltados que promoveram rebeliões desvairadas em 1956 e 1959.

O que há, simplesmente, é o Lula de sempre, que, com uma oratória supostamente emancipatória e justicialista, nunca pôde deixar de atender a interesses fisiológicos e empresariais, plenamente à vontade com a corrupção, o cinismo e a mentira.

Trata-se, mais uma vez, de conquistar oligarquias regionais e máquinas partidárias apodrecidas como forças auxiliares para o exercício do poder pessoal e contentamento dos "apparatchiks" do PT.

O novo barão de Itararé —aquele nomeado jocosamente a partir de uma batalha quimérica—perdoa o golpe que não houve.

Esqueça-se a tal afronta à ordem democrática; deem-se todos as mãos. Os supostos golpistas, afinal, compõem mais de dois terços do Congresso e as maiores fatias dos governos estaduais e municipais; sem eles, o tempo de propaganda na televisão é escasso, não se elege uma boa bancada parlamentar nem se governa.

Não se consegue lotear sozinho o Estado brasileiro, como demonstra a cada dia o semiparlamentarismo de Michel Temer (PMDB).

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