segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Catherine Vieira: Economia, votos e nostalgia

- Valor Econômico

Tanta incerteza sobre futuro acaba levando a um apego ao passado

É algo quase consensual o grande poder de influência das condições econômicas de um país numa eleição. Em 2018, certamente isso não será diferente. Em tempos atípicos, não apenas pelas radicais polarizações e imensa conectividade, mas na história econômica brasileira, o que pode resultar é uma influência sem dúvida forte da economia, mas com peculiaridades que não devem ser ignoradas.

Mesmo num momento em que o presidente Michel Temer goza de uma baixíssima popularidade, com 71% da população consultada por pesquisas considerando que ele é ruim ou péssimo, há entre alguns políticos e analistas econômicos uma corrente que aposta com mais ou menos entusiasmo num cenário bem diferente no próximo ano. O crescimento econômico de 2018 deve ficar na casa dos 2,5% a 3%, enquanto o juro estará provavelmente no piso histórico nominal de 7% - ou ainda menor que isso - e a inflação ainda estará abaixo da meta de 4,5%, sem esquecer que neste ano deve ficar em torno de 3%, o que já vem abrindo um espaço importante no orçamento das famílias. Além disso, o mercado de trabalho iniciou recuperação antes do esperado e tende a estar em ponto ainda melhor em 2018.

Pela tese, esses fatores trariam uma sensação maior de confiança e bem-estar que melhoraria a avaliação do governo e animaria os eleitores a querer manter a situação econômica votando num candidato de continuidade.

Essa visão, no entanto, exige ponderações. O Brasil atravessou entre 2014 e 2016 a pior recessão da sua história, com encolhimento de 8% da economia, tombo de 30% do investimento e um contingente de desempregados que chegou a 14 milhões. Esse período sombrio sucedeu anos de prosperidade e ânimo com o Brasil, embora com um interregno significativo (mais evidente entre 2013 e 2014). Entre 2004 e 2012, a atividade econômica cresceu em média 4,15%, houve euforia nos mercados, com a bolsa saltando dos 22 mil pontos para 63 mil em 2012, tendo atingido o pico de 73 mil em maio de 2008, ano em que o país obteve o grau de investimento (perdido em 2015).

Essa fase também promoveu uma ascensão de classes talvez sem antecedentes para os brasileiros. De acordo com o economista Marcelo Neri no livro "A Nova Classe Média", entre 2003 e 2009, 29 milhões de brasileiros ingressaram na classe C, enquanto quase 23 milhões deixaram as classes D e E. Outro cálculo, da Tendências, mostra que, entre 2006 e 2012, quase 11 milhões de famílias ingressaram nas classes B e C, enquanto 3,2 milhões de lares deixaram de pertencer à classe D/E.

No entanto, o estudo da Tendências mostra que, somente no biênio 2015/2016, 4,1 milhões de famílias retornaram à base da pirâmide, nas classes D/E. Renato Meirelles, ex-sócio do instituto de pesquisas Data Popular e hoje do Locomotiva, resumiu o que via de diferente nesta crise: perder dói muito mais que deixar de ganhar.

Para um especialista em pesquisas de opinião, essa tônica parece presente ainda e poderia explicar parte dos cerca de 34% que ainda declaram voto em Lula, a despeito de escândalos e condenações. As pessoas, observa esse interlocutor, ainda não sentem a melhora da economia e estão muito ressentidas por terem sido obrigadas a deixar de consumir produtos e serviços aos quais tinham passado a ter acesso. Pesquisa do Ibope mostrou que, a despeito de dados e projeções econômicas, apenas 21% acreditam que o próximo ano será mais próspero do que este na economia.

Curiosamente, num momento em que se fala tanto do "novo" na política, está claro que parte dos votos ainda está movida pelo desejo de voltar a ter a vida e as condições econômicas do passado. É parte do que o cientista político Carlos Melo, do Insper, chama de "utopia regressiva", mas o conceito vai além. "Estamos num momento de muitas incertezas sobre o futuro, sobretudo da economia. Tecnologia, indústria e emprego devem mudar completamente. A grande questão é que ninguém sabe como será e é por isso que as pessoas se apegam ao passado, numa tentativa de estabelecer alguma segurança, o que é um erro, porque ninguém será capaz de oferecer isso", diz Melo.

Para o especialista, o fenômeno Jair Bolsonaro se firma em cima de bases semelhantes. Uma tentativa do eleitor de resgatar alguma ordem e segurança, valores aos quais o candidato tenta se identificar.

Ainda é uma dúvida o quanto a melhora da economia no ano que vem poderá transferir votos para um candidato ligado ao governo. Depende do quanto haverá de sensação de bem-estar e confiança no futuro. Mas tem sido mais difícil encontrar adeptos convictos dessa tese. Mesmo economistas do mercado financeiro, que faziam uma aposta maior nesse cenário, já demonstram menor convicção. Melo, do Insper, também não vislumbra esse cenário: "É claro que o ambiente econômico tem grande influência sobre a política, mas de que bases estamos partindo? Nossa memória é muito contaminada pelos períodos dos planos Cruzado e Real".

Além disso, ele ainda vê o desemprego bastante elevado complicando o cenário. Por mais que se possa reduzir o número de desempregados em 1 milhão de vagas, por hipótese, até o momento da eleição, ainda seriam quase 12 milhões de desocupados. "Nós acompanhamos e nos apegamos a estatísticas, o que é diferente do cidadão comum", lembra Melo.


Em entrevista ao Valor na semana passada, o economista-chefe da gestora de fundos Verde, Daniel Leichsenring, observou que, mesmo que Temer consiga melhorar sua aprovação, o que é algo que quase sempre ocorre em anos eleitorais, isso não será provavelmente suficiente para fechar uma conta favorável a seu candidato reformista. Após analisar 185 eleições no mundo todo, a gestora concluiu que o candidato a reeleição consegue converter aproximadamente 85% das pessoas que o avaliam como bom e ótimo e algo como 40% a 45% dos que avaliam o governo como regular. Segundo ele, no Brasil, em eleições federais, um presidente que tenha ótimo e bom entre 35% e 40%, a chance de se reeleger é altíssima. Em anos de não reeleição, o que não deverá ser o caso, esses índices caem significativamente. Para fazer sucessor, a avaliação do governo precisaria ser estupidamente mais alta. O que parece virtualmente impossível.

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