domingo, 31 de dezembro de 2017

Clóvis Rossi: A democracia respira, viva 2018

Se o pior dos regimes, fora todos os outros, fracassar, o fracasso é meu, é seu, é nosso, é do grego’demo’

- Folha de S. Paulo

No ano que está para começar, os brasileiros vamos para a oitava eleição presidencial direta consecutiva, desde o fim da ditadura. Não estaremos sozinhos : votarão também paraguaios, colombianos e mexicanos. Nem incluo a Venezuela na lista, embora também esteja prevista eleição presidencial, porque é uma fraude democrática completa —e ainda por cima fracassada.

Muito para festejar em 2018, portanto. Ainda mais para quem, como eu, deve ter o recorde mundial de cobertura de transições do autoritarismo para a democracia (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Nicarágua, Portugal, Espanha, África do Sul).

Nem sempre fui só testemunha ocular, mas também participante da festa, porque acho que, contra ditaduras, não cabe neutralidade. Ou se está com a civilização ou com a barbárie.

Na noite do plebiscito de 1988 que acabaria assinalando o fim da ditadura de Augusto Pinochet, estava tentando avisar a Folha de que o resultado atrasaria quando, por trás, se aproximou minha amiga, a valorosa jornalista Patrícia Verdugo, prematuramente morta, e sussurrou no meu ouvido: "Ganamos".

Alguns anos antes (1983), Raúl Alfonsín, candidato presidencial na Argentina que igualmente saía das trevas da ditadura, vendeu a democracia com "spots" televisivos que diziam que, com ela, tudo iria melhorar (saúde, educação, a vida enfim). Não foi bem assim, mas todos os países acima citados estão hoje melhor do que durante as respectivas ditaduras. Até o Brasil, pode acreditar.

O que talvez tenha murchado é a ilusão revolucionária, como demonstra o depoimento à sempre brilhante Sylvia Colombo do escritor nicaraguense Sergio Ramírez, admirável amigo: "Permaneceu (na Nicarágua) apenas a retórica revolucionária, com seu discurso anti-imperialista e anticapitalista. Mas nada disso é verdade, porque o governo de Ortega [Daniel Ortega, líder histórico do sandinismo] tem uma aliança profunda com os grandes empresários. (...) A Nicarágua não mudou estruturalmente em quase nada. Metade da população vive na pobreza aguda, e mais de 70% dos empregos são informais".

Troque Nicarágua por, digamos, Brasil, Argentina dos Kirchner, a Venezuela chavista, e a avaliação não seria muito diferente (o IBGE acaba de mostrar que 64,9% dos brasileiros vivem em situação de "pobreza multidimensional", quando se inclui na medição, além da renda, a educação e as condições de habitação).

Na Venezuela, é muitíssimo pior. Trata-se de um desastre social e econômico sem paralelos na história da América Latina.

No conjunto do subcontinente, dá, pois, para entender o desânimo dos eleitores. Mas lembro-me de um diálogo no elevador que me levava à antiga sede do Partido Socialista Operário Espanhol, nas vésperas da eleição de 1977, a primeira do pós-franquismo. O elevador era antigo, lento, rangia a cada movimento.

O ascensorista, mal-humorado, talvez franquista, comentou: "É lento como a democracia". Alguém do fundão devolveu: "Lenta pero segura".

Vamos, pois, erguer a cabeça e lembrar que "demo" vem de povo. Se a democracia fracassa, o fracasso é de todos nós.

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