domingo, 31 de dezembro de 2017

Luiz Carlos Azedo: O pior já passou

- Correio Braziliense

O país estabilidade monetária e produção crescente, o que favorece os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão

Apparício Torelly, o Barão de Itararé, era um eterno otimista, para quem tudo acabaria bem quando a situação parecia a pior possível. Vem daí uma conversa impagável do próprio Apporely (como também assinava) com o romancista Graciliano Ramos, um dos grandes de nossa literatura, relatada em Memórias do Cárcere (Record), na qual sustentava sua teoria das duas hipóteses. Fundava-se na demonstração de que todo fato gera duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. É o autor de Vidas Secas, o revolucionário ex-prefeito de Palmeira dos Índios, que nos conta a tese do Barão:

“Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findaria aí. Realmente. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.”

Naquela época não havia delação premiada, nem tornozeleira eletrônica, mas a tese de Barão não deixa de ter serventia para quem hoje está em cana por causa da Lava-Jato, mesmo os que foram frustrados pelo indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer e suspenso pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Vale também para quem foi condenado ou está em prisão preventiva, ou mesmo no caso de uma condução coercitiva. E para os que aguardam julgamento em segunda instância em liberdade, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda pode entrar em cana se for condenado em segunda instância, logo depois do ano-novo, pelo Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Ressalva importante: Graciliano e o Barão foram presos por fazer oposição à ditadura de Getúlio Vargas, não por crime comum.

Otimismo
Mas, deixando esse assunto de lado, o pior já passou para a maioria da população por várias razões objetivas, que não têm nada a ver com essa teoria do Barão. Primeiro, do ponto de vista político, por mais confusa que seja a situação, ainda temos a certeza de que o calendário eleitoral está mantido e haverá eleições gerais em 2018. Assim, deputados estaduais e federais, senadores, governadores e o presidente da República serão eleitos ou reeleitos, o que depende da vontade popular. Ou seja, nossa democracia sobreviveu à crise do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff com galhardia, o que faz da narrativa do golpe, cada vez mais, uma simples retórica de quem perdeu o poder por várias razões, porém, a principal foi incompetência política mesmo.

Segundo, a Lava-Jato continua firme e forte, mas sem exageros. É o que podemos deduzir da aparente barafunda jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF), que às vezes se comporta como biruta de aeroporto. Gradativamente, seja em razão da troca de guarda no Ministério Público Federal, seja por causa da mudança de composição da própria Corte, o equilíbrio entre os poderes e o respeito às prerrogativas dos réus estão sendo observados, apesar de muitas vezes certas decisões darem a impressão de que vão sepultar a operação. Não é o caso. A atuação de Raquel Dodge à frente da PGR está mostrando isso. Com os julgamentos dos políticos, surgirá uma luz no fim do túnel da crise ética.

Terceiro, a economia reage positivamente, num ritmo ainda lento, mas firme. A inflação caiu abaixo de 3%, os juros estão baixos e a atividade econômica voltou a crescer. Apesar da queda do nível de emprego de novembro, o saldo da geração de empregos em 2017 é positivo e as expectativas são de que o país tem um horizonte de estabilidade monetária e produção crescente, o que deve favorecer os investimentos. Quanto à reforma da Previdência, melhor analisar sob a ótica do Barão. Feliz ano-novo!

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