sábado, 19 de agosto de 2017

Opinião do dia – Antonio Gramsci

Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens–coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? 

Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens da caverna e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. 

Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. 

O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, esta análise.
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Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere, v.1, p.94. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.

Oitenta anos depois, um Gramsci para todos | Francesco Giasi

- L’Unità & Gramsci e o Brasil

Dossiê Gramsci, oitenta anos depois

Dois mil e dezessete é um “ano gramsciano”, por marcar o octogésimo aniversário da morte do pensador sardo, em 1937. Não é de hoje sua presença no debate político e na produção acadêmica brasileira. Uma presença que não é unívoca nem tem a mesma valoração por parte de todos os que se inspiram em maior ou menor medida nos textos daquele pensador. Nossa perspectiva — democrática e reformista — é uma das formas de acolher seu complexo legado. Sem a menor pretensão de qualquer monopólio ou ortodoxia, temos um objetivo “simples” e direto: pôr Gramsci a serviço da democracia brasileira.

Acolhemos a ideia de historicizar radicalmente os escritos do pensador, relacionando-os às diferentes circunstâncias em que foram produzidos — circunstâncias que inauguram nosso tempo, mas não são nem podem ser exatamente as mesmas aqui e agora. E tudo sem censuras, cortes ou embelezamentos. Certamente, este é um pressuposto da apropriação crítica, e não doutrinária, do autor, tornando-o apto a ajudar na compreensão de nossos problemas. Frases soltas ou conceitos descontextualizados têm assim validade muito restrita, ainda que possam ressaltar o brilho do escritor. Mas, como dissemos, nosso objetivo é de outra natureza.

Aqui reunimos três referências internacionais na área. Na abertura, Silvio Pons, atual presidente da Fundação Gramsci, em Roma, e sucessivamente Francesco Giasi e Giuseppe Vacca, diretores da mesma Fundação. Um tema recorrente nestas entrevistas é a monumental Edição Nacional dos Escritos, em curso de publicação. Mas não faltam alusões a questões substantivas da atualidade: a globalização e sua crise, para não falar dos imensos dilemas da própria esquerda.

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e a Fundação Gramsci atuam conjuntamente no plano editorial, especialmente na coleção Brasil & Itália, acolhida e apresentada por Armênio Guedes, dirigente histórico do PCB associado entre nós às “ideias italianas”. De Giuseppe Vacca, já publicamos Por um novo reformismo; Gramsci no seu tempo (com Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques); Vida e pensamento de Antonio Gramsci, 1926-1937; e Modernidades alternativas. O século XX de Antonio Gramsci. De Silvio Pons, publicamos A revolução global. História do comunismo internacional, 1917-1991, densa narrativa do impacto do comunismo no século passado.

(Entrevista dada a Massimo Franchi, L’Unità, 26 abr. 2017)

O que significa para os senhores, da Fundação, o aniversário amanhã, dia 27 de abril, dos 80 anos da morte do fundador de nosso jornal?

Política e representação | José Antonio Segatto*

- O Estado de S.Paulo

Os problemas do voto proporcional poderiam ser resolvidos, em parte, por medidas simples

Mais uma vez, como tem ocorrido invariavelmente em todos os momentos de crise, a reforma política é aventada como panaceia para todos os problemas do sistema de representação e gestão política do País. Em suas diferentes versões, tanto em sentido estrito (mudanças na legislação eleitoral e de regulação partidária) como lato (alterações na forma de governo), seria condição indispensável para conformar o sistema político à governabilidade e à democracia. Uma das medidas primordiais seria a substituição do voto proporcional pelo majoritário/distrital para a eleição de deputados federais e estaduais.

Seus defensores justificam que seria a melhor maneira de aproximar os eleitores da política – a delimitação espacial das circunscrições eleitorais avizinharia representados e representantes, facilitando a cobrança de uns e forçando a prestação de contas de outros. Além disso, tornaria os pleitos menos custosos, eliminaria as deformações do sistema proporcional, em que o eleitor não tem controle de seu voto, e, o que mais importa, diminuiria a quantidade de partidos, excluindo mesmo as minorias e/ou as pequenas legendas, convertendo a governabilidade em algo mais exequível.

Cuidado, não pense antes de agir | Bolívar Lamounier*

- O Estado de S.Paulo

Não se preocupem, caros leitores, com o vale de lágrimas que estão vendo e ouvindo

Nós, brasileiros, somos mesmo um prodígio. Não contentes em acreditar que Deus é brasileiro, somos também propensos a nos vermos como um povo divino.

É certo que isso mudou de uns anos para cá, mas até poucas décadas atrás estávamos seguros de que iríamos usufruir de todas as coisas boas do mundo, naturalmente, sem grande esforço. Chego mesmo a pensar que aquele antigo otimismo ainda está por aí, disfarçado, só esperando a tempestade passar. Cedo ou tarde, o Deus brasileiro, a “mão invisível” ou, mais provável, um miraculoso “projeto nacional” nos libertará dessa angústia passageira que estamos vivendo.

A hipótese que venho de enunciar ajuda a compreender quão simplórias e confusas têm sido as ideias a que recorremos para enfrentar os desafios com que sucessivamente nos deparamos. Tudo se passa como se, no fundo de nossa mente, houvesse uma voz sempre a nos dizer: “Faça o que quer, não acredite no que está vendo ou ouvindo”. Ou, de uma forma mais taxativa: “Não pense antes de agir”.

O pior déficit | Cristovam Buarque

- O Globo

Nossas eleições estão entre as mais caras do mundo

O Congresso Nacional se prepara para saltar da responsável aprovação do teto nos gastos públicos para a irresponsável aprovação do desvio de R$ 3,6 bilhões, com o objetivo de financiar as campanhas eleitorais no próximo ano. Um dia, preocupado, o povo assiste ao presidente da República dizer que o Brasil sofre a falência dos serviços públicos por falta de dinheiro; no outro, perplexo, assiste que haverá dinheiro para financiar campanha milionária: R$ 2 milhões por eleito — deputados federais e estaduais, governadores, presidente; R$ 30 pagos por eleitor.

Ao assistir a estes dois fatos — falta de dinheiro para os serviços e dinheiro sobrando para as eleições —, o povo desacredita ainda mais de seus governantes, sobretudo depois do reconhecimento de um déficit de R$ 159 bilhões em 2017. A oposição também fica desacreditada ao tratar o povo como se ele não soubesse que este déficit foi provocado sobretudo pela irresponsabilidade de seu período no governo.

Racha saudável | Merval Pereira

- O Globo

“É bom que rache, há momentos na vida em que é preciso tomar uma decisão”. Assim o presidente em exercício do PSDB, senador Tasso Jereissati, reagiu às críticas ao programa partidário que assumiu os erros cometidos no passado e mostrou o partido disposto a recuperar seu eleitorado.

OPSDB, criado depois do rompimento com o MDB por causa do fisiologismo comandado por Orestes Quércia, agora se vê às voltas com o fisiologismo do governo Temer, que tem sob controle o PMDB, que, sintomaticamente, quer voltar a ser MDB. Mas será o MDB de DNA quercista, e não o de Ulysses Guimarães.

Romper agora novamente devido ao fisiologismo estaria de acordo com a linha programática do partido. Ajudar o governo de transição de Temer estava dentro do que o PSDB deveria fazer, por ser a solução constitucional e, inclusive, porque o partido apresentou um programa de governo reformista que tinha tudo a ver com o programa do PSDB.

A encruzilhada do PSDB | João Domingos

- O Estado de S.Paulo

Será difícil convencer o eleitor de que os tucanos não têm nada a ver com Temer

A menos de uma semana de completar 28 anos de existência, o PSDB vive seu maior dilema: ser governo, ser oposição, equilibrar-se em cima de uma mureta? Qualquer saída que se ache não resolverá o drama existencial do partido, porque é um drama agravado pela rejeição do eleitor ao comportamento dos políticos, conforme se vê a cada nova pesquisa de opinião que é divulgada.

Diante dessa realidade, parte do PSDB acha que deve permanecer ao lado de Michel Temer e parte acredita que a salvação do partido está no afastamento imediato do governo. Tal providência, no entanto, dificilmente convencerá o eleitor de que o PSDB, por se distanciar de Temer, merece credibilidade maior. Não dá para crer que uma providência tão singela vá convencer o eleitor a mudar sua opinião.

Para o eleitor, os políticos são praticamente iguais. O PSDB não pode se considerar diferente, porque não é. Quando o governo do Rio se viu obrigado a mandar à Assembleia Legislativa um projeto de lei que autorizava a privatização da Cedae, a companhia de água e esgotos do Estado, os tucanos se posicionaram contra a proposta. Ora, a vida toda o PSDB espalhou a ideia de que é a favor de um Estado mínimo e da privatização de estatais. Como a venda da Cedae não beneficiaria o partido, ficou contra. Naquele momento, igualou-se aos outros, pisou em sua história.

Guerras culturais | Pablo Ortellado

- Folha de S. Paulo

Militarismo e religião marcam as guerras culturais no Brasil

Desde os anos 1990, os Estados Unidos viram temas "morais" como o controle de armas, a legalização da maconha e o casamento gay ganharem centralidade no debate público, ao ponto de se tornarem os elementos chave que dividem o campo político. À oposição original entre liberais que defendem o livre mercado e socialistas que defendem a intervenção do Estado somou-se outra: aquela entre conservadores que defendem uma autoridade tradicional que puna o desvio da norma e progressistas que preconizam uma autoridade diluída e valorizam a diversidade. Cientistas sociais deram a essa nova disputa o nome de "guerras culturais".

As pesquisas realizadas nos últimos anos descobriram algumas coisas sobre as guerras culturais. Elas não se estendem ao conjunto da sociedade, mas estão circunscritas àqueles 10% ou 15% que se dedicam a debater assuntos políticos fora do Estado. Embora tenham raízes mais distantes, as guerras culturais parecem mais imediatamente ligadas à reação de setores conservadores às mudanças nas relações interpessoais trazidas pela contracultura e pelos movimentos feminista, negro e LGBT desde os anos 1970. Por esse motivo, não é exatamente apropriado falar de uma ascensão conservadora, mas de uma reação conservadora.

Quebrando o gelo | Miriam Leitão

- O Globo

A economia permanece em ambiente de crise, mas vai acumulando indicadores melhores. O comércio surpreendeu no segundo trimestre e interrompeu uma sequência de oito quedas consecutivas. O setor de serviços subiu pelo terceiro mês seguido. O IBC-Br também mostrou alta no segundo trimestre, e algumas projeções do PIB deixaram de ser de queda.

As melhoras pontuais não resolvem nem de longe os dois principais problemas da economia brasileira hoje: o desemprego e a crise fiscal. Esta semana o IBGE divulgou o índice trimestral mais amplo revelando que o desemprego, o subemprego e o desalento atingem 26 milhões de brasileiros. A crise fiscal teve também esta semana uma prova de que estamos em um buraco sem fundo.

PSDB propõe 'desfiliação em massa' | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

O clima de velório é a marca estética e política da propaganda que o PSDB levou à TV na noite desta quinta-feira, 16. A melhor definição veio de um ministro tucano: parecia um programa para propor a desfiliação em massa da sigla, que se apresentou ao País como um organismo em processo de extinção.

O começo da peça já mostrava o que estava por vir: entremeado com cenas de um passado já remoto de conquistas tucanas apresentadas com saudosismo vinha o mantra “mas o PSDB errou”, entoado por atores com cara de quem tem aversão ao partido. O histórico de fisiologismo, escândalos e crises políticas feito a seguir trata de colocar no mesmo balaio Fernando Collor, FHC, Lula e Dilma, ao não mencionar o PT nenhuma vez de forma crítica e não fazer nem sequer uma distinção entre os legados de um e de outro partido.

Morre o Imposto Sindical. E agora? | Suely Caldas*

- O Estado de S.Paulo

O motivo da proliferação de partidos é apropriar-se do dinheiro público

O Brasil tem 33 partidos políticos e 16.491 sindicatos (11.240 de empregados e 5.251 de empregadores). Em quantidade de quem se intitula representante de alguma coisa somos campeões. A maioria dos países desenvolvidos convive com dois, no máximo cinco partidos. A África do Sul, depois do Brasil segundo país no ranking, tem apenas 191 sindicatos. Por que temos tantos partidos e sindicatos? Nos dois casos o motivo que incentiva a proliferação é o mesmo: apropriar-se do dinheiro público. Pode faltar verba para hospitais, escolas, construir esgotos e presídios ou para ajudar o ministro Meirelles a abater o rombo fiscal, mas os R$ 819 milhões do Fundo Partidário e os R$ 3,5 bilhões do Imposto Sindical são sagrados, nunca faltam.

Exercício de simetria | Demétrio Magnoli

- Folha de S. Paulo

Quando estabelece uma simetria entre ‘os dois lados’ na Virginia, Trump dilacera um valor da democracia

Robert Lee, o comandante das forças confederadas, viveu apenas cinco anos após o término da Guerra Civil, o suficiente para criticar o erguimento dos primeiros monumentos à fracassada insurreição.

"Penso ser mais sábio seguir o exemplo das nações que se esforçaram para apagar as marcas do conflito civil e consignar ao esquecimento os sentimentos por ele gerados", escreveu em 1869. As elites sulistas preferiram a memória ao esquecimento, ignorando o aviso de Lee.

Um século e meio depois, a disputa sobre monumentos não é mais uma contenda sobre o passado. Por isso, ao dizer que a remoção de estátuas"dilacera a história e a cultura" nacionais, Trump enuncia uma verdade irrelevante. Já quando estabelece uma simetria entre "os dois lados" em confronto na Virginia, ele dilacera um valor fundamental da democracia.

Um monólogo infinito | Ana Maria Machado

- O Globo

Basta um passeio pelas redes sociais para que constatemos como tecido cultural corre o risco de se esgarçar

Há poucos dias, no Teatro Municipal de Niterói, assisti a uma alentadora cerimônia de entrega dos prêmios Zilka Salaberry de Teatro Infantil. Um caso de resistência cultural. Incluía ainda bela homenagem ao centenário de Dalva de Oliveira. Na mesma ocasião e nas conversas entre os artistas da plateia, manifestaram-se outros exemplos da força desses criadores que resistem. Como a da Escola de Teatro Martins Pena, tão cara a meu coração desde que lá dei aulas de dramaturgia na gestão de Klaus Viana, e onde agora os professores resistem e se mantêm trabalhando mesmo sem receber seus salários, com heroica dedicação, capaz de ir muito além dos limites imagináveis. Alguns artistas agradecem a empresas privadas, como a Oi, que vem conseguindo manter alguns casos de apoio. Outros relembram tempos em que a dependência de patrocínios e da mão governamental não era tão acentuada como hoje, possibilitando viver de bilheteria — mas sem meia-entrada, e com plateias fieis que não tinham medo da violência urbana e saíam à noite em uma cidade amigável, para festejar e assistir às peças com amigos.

As velhas raposas | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A solução da crise terá que sair das eleições de 2018, é a regra do jogo democrático, cuja primeira condição é a manutenção do calendário eleitoral; a segunda, a possibilidade de alternância de poder

O velho Piantella não perde a majestade. Na noite de quarta-feira, ao contrário da maioria dos deputados que gostam de futebol e foram assistir ao clássico Flamengo e Botafogo pela televisão (um zero a zero dos mais sem graça, no campo do Engenhão, no subúrbio carioca do Engenho de Dentro), um grupo de velhas raposas do Congresso se reunia nos fundos do velho reduto dos deputados Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA). Ambos pontificaram na política nacional tecendo grandes acordos políticos que garantiram a transição à democracia, o primeiro, e o sucesso do Plano Real, o segundo. E deixaram discípulos na arte da política.

Estavam lá o atual decano da Casa, Miro Teixeira (Rede), eleito pela primeira vez nas eleições de 1974 com um caminhão de votos, Heráclito Fortes (PSB-PI), Benito Gama (PTB-BA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Rubens Bueno (PPS-PR) e Tadeu Alencar (PSB-PE), que é novo no grupo, mas respeitado porque é muito sensato e bom advogado, o que é muito importante nessas horas nas quais a criatividade pode selar o destino do país com uma boa saída jurídica. O assunto da conversa entre essas velhas raposas da política não poderia ser outro: desatar o nó da reforma política, em discussão na Câmara, que havia acabado de encerrar a sessão sem conseguir votar nenhuma proposta. Motivo: absoluta falta de clareza da maioria sobre o que fazer com o sistema eleitoral e o financiamento das campanhas.

Cortina de fumaça – Editorial | O Estado de S. Paulo

É consensual a premência da reforma do sistema político-eleitoral, entre outras reformas, como a da Previdência. Os cidadãos verdadeiramente interessados na reconstrução nacional consideram essa uma questão essencial para o resgate do País do atraso político, econômico e institucional em que se encontra e projetá-lo para o futuro.

Já passou da hora de uma reforma que leve ao saneamento do incompreensível mosaico partidário brasileiro, incluindo a adoção da chamada cláusula de desempenho, medida que fortalecerá as legendas que realmente têm estofo programático e representação social, requisitos fundamentais para conferir, mais do que racionalidade, legitimidade à democracia representativa consagrada pela Constituição.

Bancadas defendem privilegiados no Congresso – Editorial | O Globo

Parlamentares prometem resistir a propostas do governo no campo do funcionalismo, em nome do ‘povo’, quando agem, na verdade, em favor de castas

A maior crise fiscal de que se tem registro joga luz na movimentação de grupos de interesse que falam em nome do povo e da democracia, mas cuja reação ao ajuste é para manter vantagens, conseguidas por meio do acesso privilegiado às entranhas do Estado. Uma maquinação que teve especial êxito nos governos Lula e Dilma.

Um sinal visível dessa movimentação surgiu em atos contra a reforma da Previdência, incluindo a de servidores públicos. Manifestações de rua expuseram a mobilização de categorias profissionais de classes de rendas médias, com a ausência nada surpreendente de populares. Também fica exposta a marca das corporações, quando vociferam contra uma das propostas básicas para salvar a seguridade — o estabelecimento de idade mínima, para a requisição da aposentadoria, de 65 anos para homens e 62 para mulheres —, e nisso também falam em nome do “povo”. Um embuste, porque este, mostram as estatísticas, já busca o benefício aos 65 anos, por não ter escolha. Costuma passar muito tempo na informalidade. Enquanto categorias profissionais organizadas conseguem o benefício no INSS dentro da média irrisória de 58 anos de idade, uma das molas propulsores dos déficits crescentes e descontrolados do INSS.

Terror primário – Editorial | Folha de S. Paulo

A eficácia monstruosa do 11 de Setembro —com o ineditismo do ataque de grande escala em solo americano e a novidade da organização transnacional de redes terroristas de inspiração islâmica— obscureceu por algum tempo o fato de que o terror é ameaça bem mais antiga e problema persistente, de difícil solução.

Decerto passa-se por um ciclo mais ativo desse tipo de barbárie; mas o terrorismo, doméstico ou importado, de inspiração religiosa ou política, é duradouro.

Existia terror antes dos islâmicos —ataques de separatistas bascos, irlandeses, corsos, para citar apenas alguns exemplos notórios; ou a guerra entre Israel e Palestina, que muita violência provocou em Paris. Existirá, quase certamente, depois deles.

A atual amplitude de alvos e a frequência dos morticínios, de todo modo, impressiona. Depois dos atentados a bomba da primeira década do século, tornam-se comuns massacres com armas automáticas e atropelamentos coletivos.

O terror, agora na Espanha – Editorial | O Estado de S. Paulo

O terror atacou de novo, agora na Espanha, seguindo friamente o seu roteiro destinado a semear o medo e o pânico tanto nas sociedades que cultuam valores de liberdade e tolerância, inaceitáveis para o obscurantismo e o fanatismo do Estado Islâmico (EI), como em quaisquer outras que ele toma por suas aliadas. O EI logo se apressou a reivindicar a responsabilidade pelas cenas de horror registradas quinta-feira em Barcelona e na cidade próxima de Camblis, que deixou um saldo sinistro de 14 mortos e 130 feridos, dos quais 15 em estado grave.

Uma van em alta velocidade avançou contra a multidão no calçadão Las Ramblas na região mais movimentada de Barcelona, uma via pela qual passam milhares de turistas espanhóis e estrangeiros por dia, nessa época do ano, pleno verão europeu. O motorista atropelou quem encontrava pela frente ao longo de mais de 500 metros. Deixou um rastro de destruição, com mortos e feridos, e conseguiu fugir. Aí as vítimas foram 13 mortos e 125 feridos.

Horas depois, num segundo ataque em Cambrils, que segundo a polícia espanhola tem ligação com o primeiro, um carro também atropelou várias pessoas, deixando mais um morto e cinco feridos, entre eles um policial. Quando os policiais conseguiram parar o carro, os cinco terroristas que o ocupavam iniciaram um tiroteio e foram mortos.

Confiança em alta na indústria – Editorial | O Estado de S. Paulo

Superada a última grande turbulência política, empresários e investidores dão sinais, novamente, de maior confiança em relação às perspectivas da economia. Barrada na Câmara a ação contra o presidente da República, o horizonte ficou um pouco menos enevoado, apesar das enormes dificuldades para execução do programa de reparo das contas públicas. Mesmo diante de um cenário muito desafiador, é sensível a melhora das expectativas. Em agosto, o índice de confiança do empresário industrial voltou a subir, depois de dois meses de queda, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com alta de 2 pontos em relação ao nível de julho, o indicador atingiu 52,6 pontos, muito acima do patamar de dois anos atrás (37,1), quando era ainda muito difícil avaliar até onde o País afundaria na recessão.

A escala usada na sondagem mensal da CNI vai de zero a 100. A linha de 50 pontos divide as áreas de avaliação negativa e positiva. Com 52,6 pontos, o índice de confiança está um pouco acima da linha de indiferença e aponta algum otimismo em relação aos próximos seis meses.

Esse otimismo é ainda insuficiente para desencadear uma onda de investimentos em ampliação e renovação do potencial produtivo, mesmo porque ainda há muita capacidade ociosa nas fábricas. A ociosidade, segundo as últimas estimativas, continua superior, em média, a 20% da capacidade instalada, mas a tendência tem sido de redução, graças a um moderado aumento do consumo e à expansão, em alguns segmentos, das exportações.

FHC deu aval à crítica em propaganda

Ex-presidente aprovou peça do PSDB veiculada na televisão em que o partido admite erros e fala em ‘presidencialismo de cooptação’

Julia Lindner e Igor Gadelha | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A propaganda do PSDB veiculada nesta quinta-feira, 16, em cadeia nacional de rádio e TV aumentou as divergências internas, levando uma ala de governistas do partido a iniciar um movimento para tentar afastar o presidente interino da sigla, senador Tasso Jereissati (CE), do cargo. Tasso é apontado como o responsável pelo vídeo, produzido pelo publicitário Einarth Jacomé. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também ajudou a elaborar a propaganda.

“Isso não faz o menor sentido, porque, se vai substituir o presidente do partido, tem que substituir também o presidente honorário, já que o vídeo passou pelo crivo do presidente FHC”, disse o senador tucano Cássio Cunha Lima (PB).

Segundo integrantes do partido, FHC foi responsável por sugerir o uso da expressão “presidencialismo de cooptação” para criticar o modelo de governo brasileiro, considerada uma das frases mais polêmicas da peça e vista como crítica ao governo Michel Temer. “A expressão ‘cooptação’ foi sugestão do próprio FHC. Ia ser coalizão e ele sugeriu cooptação”, disse Cunha Lima.

FHC incluiu termo polêmico em peça do PSDB

Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é o autor da inclusão do termo "presidencialismo de cooptação" usado no programa do PSDB que causou o mais novo capítulo do racha no partido.

Indagado pela Folha, o tucano disse que viu o roteiro antes da gravação e fez "uma correção". "Como havia uma crítica ao presidencialismo de coalizão, eu corrigi, dizendo que a crítica deveria ser ao 'presidencialismo de cooptação'", afirmou.

"Qual é a diferença? É que, neste último, dá-se uma relação com pessoas, mediada por nomeações e interesses pessoais, chegando aos financeiros", explicou.

"O outro [presidencialismo de coalizão] supõe uma convergência de pontos programáticos em consequência de apoio aos quais se abrem espaços no governo."

A corruptela incomodou tucanos e também políticos que viram na crítica ao sistema político mais uma deixa para pedirem cargos que hoje estão com o PSDB.

A peça de dez minutos foi ao ar na quinta-feira (17) em rádio e televisão e imediatamente agravou a crise interna no partido.

‘Não ia deixar o partido ficar moribundo, morrendo’, diz Tasso

Marcelo de Moraes | O Estado de S. Paulo

No centro da polêmica do programa exibido pelo PSDB na quinta-feira, o presidente interino do partido, senador Tasso Jereissati (CE), afirmou que “não ia deixar o partido ficar moribundo na cama, deitado e morrendo sem chegar a nada”. Em entrevista à Coluna, Tasso disse que “a polêmica é boa” e que o cargo de presidente está à disposição do senador Aécio Neves (presidente afastado) na hora em que ele quiser.

A seguir, a entrevista:

O programa do PSDB causou imensa repercussão e provocou muitas reclamações de tucanos. Qual a sua avaliação sobre o impacto provocado?

Tasso: O programa não disse nada que o País todo não esteja sabendo e vendo todos os dias. O sistema está podre e falido. O que estamos fazendo é propor uma solução para o sistema. Engraçado é que estou vendo pouca gente discutindo sobre isso. E acho engraçada a reação das pessoas. Aí, aparecem uns que sentem ofendidos. Não era a intenção. Quem devia se sentir ofendido é o sistema.

Após vídeo, ala tucana quer Aécio de volta

Atual presidente interino do PSDB e autor da propaganda que criticou políticos, Tasso pode deixar o cargo

Maria Lima, Leticia Fernandes, Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut | O Globo

BRASÍLIA - A polêmica provocada pelo conteúdo da propaganda partidária do PSDB na televisão realimentou o movimento tucano ligado ao Palácio do Planalto que defende a volta do presidente licenciado Aécio Neves (MG) ao comando do partido. Governadores, ministros, parlamentares governistas e lideranças de peso do PSDB fizeram duras críticas ao presidente interino Tasso Jereissati (CE), que foi responsável pelo tom da propaganda denunciando o “presidencialismo de cooptação” no Brasil.

Logo após o programa ir ao ar, começou a pressão para afastar o senador cearense e fazer com que Aécio reassuma e escolha um novo interino para o mandato-tampão que vai até dezembro, quando acontece a convenção nacional dos tucanos. Ao longo do dia, no entanto, mesmo os que consideram inviável a permanência de Tasso passaram a avaliar ser um movimento arriscado derrubá-lo, pois levaria a uma fragilização ainda maior do PSDB.

Ainda indignados com o que chamam reservadamente de “traição”, os críticos dizem que o programa veiculado na TV não foi do partido, mas de Tasso, e consideram que o resultado foi “desastroso” tanto para a unidade da legenda, como para a disputa eleitoral de 2018 por deixar em posição vulnerável os ministros tucanos no governo. O partido ocupa quatro ministérios, e a avaliação interna é que o vídeo criou um constrangimento grande entre os tucanos e o presidente Michel Temer.

— O vídeo foi um desastre total. Atingiu os ministros, fundadores do partido, muita gente da ala jovem e principalmente o Tasso. Houve muitos pedidos de ponderação para que o programa não fosse nessa linha. A insistência dele indica um desajuste com o desejo da maioria de que essa transição fosse uma oportunidade para pacificar o partido — opina o deputado Paulo Abi-Ackel (MG) da ala governista ligada a Aécio.

Constituinte chavista toma Poder Legislativo

Constituinte venezuelana toma poder legislativo da Assembleia Nacional

Folha de S. Paulo

A Assembleia Constituinte da Venezuela, controlada pelo regime de Nicolás Maduro, assumiu os poderes da Assembleia Nacional, onde a oposição tem a maioria.

Na sessão desta sexta (18), os membros da Constituinte aprovaram por unanimidade um decreto autorizando-a a exercer o poder legislativo do Parlamento.

A decisão ocorreu após a liderança da Assembleia Nacional se recusar a jurar lealdade à Constituinte, cuja eleição considera ter sido ilegítima.

O regime alega que os parlamentares da oposição são responsáveis pela onda de protestos violentos antigoverno e que eles estariam colaborando com os Estados Unidos para depor Nicolás Maduro.

No início do mês, a Constituinte destituiu a procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega, medida que agravou a crise política no país.

Os membros da Assembleia Constituinte foram eleitos no último dia 30, em pleito cujas regras foram questionadas pela comunidade internacional. Cerca de 14 pessoas morreram no dia das eleições, a maioria em protestos contra a eleição.

Em janeiro, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), máxima instituição do Judiciário, anulou atos da Assembleia Nacional e a declarou em desacato, retirando toda a validade de suas decisões. Em 30 de março, o Tribunal, que é controlado pelo regime, assumiu o poder legislativo. Três dias depois, após críticas severas da oposição e reação negativa de países vizinhos, o judiciário voltou atrás e anulou sua própria decisão.

O episódio deu início a uma onda de protestos que já causou a morte de mais de cem pessoas.

Em meio à crise política, Maduro convocou a Constituinte afirmando que seria o meio para "alcançar a paz de que o país precisa, para derrotar o golpe fascista".

Constituinte de Maduro toma poder do Congresso

Para a OEA, medida mostra ‘aprofundamento do golpe de Estado

Mercosul também rejeita medida chavista, e presidente da Assembleia Nacional, sob controle da oposição, alerta que ‘uma segunda Cuba está se instalando’ no país; TV diz que ex-procuradora fugiu

A Venezuela de Nicolás Maduro deu mais um passo que aprofunda seu caráter ditatorial. A polêmica Assembleia Constituinte aprovou decreto para tomar poderes do Parlamento do país, controlado há um ano e meio pela oposição. O texto aprovado transfere à Constituinte de Maduro competência para legislar sobre diversos temas. O decreto foi considerado, dentro e fora do país, novo atentado à democracia. Para o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, “o golpe de Estado” se aprofundou. Segundo a TV Univisión, a ex-procuradora-geral Luisa Ortega, que rompeu com o chavismo, fugiu do país.

Apertando o cerco

Constituinte chavista assume funções da Assembleia Nacional em ação sob forte crítica

Janaína Figueiredo | O Globo

Numa decisão que era esperada, mas não por isso causou menos comoção dentro e fora da Venezuela, a polêmica Assembleia Nacional Constituinte (ANC) aprovou ontem um decreto que retira faculdades essenciais da Assembleia Nacional (AN) do país, controlada há um ano e meio pela oposição. O texto votado ontem pelos constituintes eleitos em 30 de julho passado — em eleições consideradas fraudulentas pela oposição e mais de 50 governos estrangeiros — transferiu à ANC “as competências para legislar sobre matérias que garantam a preservação da paz, da soberania, do sistema socioeconômico e financeiro, os fins do Estado e a preeminência dos direitos dos venezuelanos”. Ainda ontem, após a divulgação de áudios em que a ex-procuradora-geral Luisa Ortega Díaz denunciava que o presidente Nicolás Maduro estaria envolvido no escândalo de corrupção da empreiteira brasileira Odebrecht, ela e o marido, o deputado chavista Germán Ferrer, deixaram o país de lancha até Aruba e depois voaram a Bogotá, onde chegaram no meio da tarde.

As reações locais e internacionais foram enérgicas e coincidiram em considerar a medida um novo atentado à democracia por parte do governo Maduro e, em alguns casos, como o do secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, “um aprofundamento do golpe de Estado”.

A um papa | Pier Paolo Pasolini

Poucos dias antes de você morrer, a morte
havia posto os olhos sobre um seu coetâneo:
aos vinte anos, você era estudante, ele operário,
você nobre, rico, ele um rapazote plebeu:
mas os mesmos dias douraram sobre os dois
na velha Roma que voltava a ser tão nova.
Eu vi os seus restos, pobre Zucchetto.
Zanzava de noite bêbado perto do Mercado,
e um bonde que vinha de San Paolo o apanhou
e arrastou um tanto pelos trilhos entre os plátanos:
ficou ali algumas horas, embaixo das rodas:
algumas pessoas se juntaram ao redor para olhar,
em silêncio: era tarde, havia poucos passantes.
Um dos homens que existem porque você existe,
um velho policial escrachado como um louco,
a quem se aproximava muito gritava: “Fora, cambada!”.
Depois veio o automóvel de um hospital para levá-lo:
o povo foi embora, ficaram uns trapos aqui e ali,
e a dona de um bar noturno pouco adiante,
que o conhecia, disse a um recém-chegado
que Zucchetto tinha sido pego por um bonde, tinha morrido.
Poucos dias depois você morria: Zucchetto era um
do seu grande rebanho romano e humano,
um pobre bebum, sem família e sem cama,
que vagava de noite, vivendo quem sabe como.
Você não sabia nada sobre ele: como não sabia nada
sobre outros milhares de cristos como ele.
Talvez eu seja cruel ao me perguntar por que razão
pessoas como Zucchetto eram indignas do seu amor.
Existem lugares infames, onde mães e crianças
vivem numa poeira antiga, numa lama de outras épocas.
Não muito longe de onde você viveu,
à vista da bela cúpula de São Pedro,
há um desses lugares, o Gelsomino…
Um morro partido ao meio por uma pedreira, e embaixo,
entre um canal e uma fila de prédios novos,
um monte de construções miseráveis, não casas, mas pocilgas.
Bastava apenas um gesto seu, uma palavra,
para aqueles seus filhos terem uma casa:
você não fez um gesto, não disse uma palavra.
Não lhe pediam que perdoasse Marx! Uma onda
imensa que se refrata por milênios de vida
o separava dele, da sua religião:
mas na sua religião não se fala de piedade?
Milhares de homens sob o seu pontificado,
diante dos seus olhos, viveram em estábulos e pocilgas.
Você sabia, pecar não significa fazer o mal:
não fazer o bem, isto significa pecar.
Quanto bem você podia ter feito! E não fez:
nunca houve um pecador maior que você.

(Tradução de Pedro Heise e Cide Piquet)
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Pier Paulo Pasolini (1922-1975), poeta e cineasta italiano.