terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Denise Neumann: E se o salário mínimo perder valor em 2018?

- Valor Econômico

Consultoria estima perda de 1,2% no poder de compra

O presidente Michel Temer assinou, na sexta-feira, o reajuste do salário mínimo para 2018: 1,81%, fixando a remuneração em R$ 954 ou R$ 17 a mais em relação ao valor anterior. Como determina a regra, o reajuste foi feito usando o INPC, que ficou abaixo da inflação medida pelo IPCA, porque o peso dos alimentos é maior.

Caso a inflação de 2018 confirme a projeção mediana do mercado (4,03%, segundo o boletim Focus), a correção que foi dada será menor que a futura e o poder de compra do salário mínimo vai cair ao longo do ano. O alerta é do economista Francisco Pessoa, da LCA Consultores, que chama atenção para o fato de que essa situação atípica talvez ainda não esteja sendo totalmente considerada nos cenários de atividade e eleitoral deste 2018.

Em um video-comentário enviado aos clientes da consultoria, Pessoa mostra que o poder de compra do mínimo, na média de 2018, será 1,2% menor do que o de 2017. O valor real é cheio no começo do ano e vai diminuindo, até virar perda, na medida em que a inflação aumenta e encarece o consumo de diferentes bens e serviços. Essa conta foi feita considerando as projeções do Focus tanto para a correção do mínimo quanto para a inflação de 2018. Desde 1996, o poder de compra do mínimo, na média do ano, só havia caído em uma única oportunidade, em 2015, quando recuou 0,4%, como consequência da forte aceleração da inflação daquele ano.

A perda do poder de compra do mínimo vai ocorrer, explica o economista, porque o INPC vai acelerar para uma alta de 4%, cerca de 2 pontos percentuais acima da do ano passado, também considerando as projeções do boletim Focus. "Isso fará com que o salário mínimo seja corroído a uma velocidade maior", pondera, acrescentando que é por conta disso que, na média de 2018, o mínimo vai comprar menos do que comprou em 2017.

No caso da cidade de São Paulo, a corrosão pode ser ainda mais rápida. Como os bilhetes de ônibus e metrô vão subir R$ 0,20 em janeiro, o gasto mensal para o trabalhador que ganha o mínimo e paga duas passagens por dia (uma de ida e outra de volta) vai consumir 70% do aumento de R$ 17.


Para Pessoa, a "perda" do poder de compra do mínimo tende a gerar uma sensação de desconforto em uma parcela expressiva da população (e do eleitorado) e também vai conter a massa de rendimentos ampliada, que soma renda do trabalho e benefícios do INSS, e é um dos fatores de incentivo ao consumo e de expansão do Produto Interno Bruto (PIB). A LCA projeta alta real de 3,2% na massa de rendimentos em 2018, percentual quase idêntico ao deste ano, quando subiu 3,3%.

O economista da LCA pondera que existe certo consenso de que a melhora da economia, com mais crescimento do PIB e menos desemprego ao longo de 2018, dará força para candidaturas próximas ao governo. "Isso certamente é verdade, mas será que não é preciso considerar o mal estar gerado por essa perda de poder de compra do salário mínimo sobre o eleitorado?", questiona Pessoa.

Nas contas da LCA, a fatia dos eleitores que vai se sentir prejudicada soma cerca de 39 milhões de pessoas, ou 24% da população acima de 14 anos, e no Nordeste, sobe para 26%. Além dos trabalhadores que recebem o mínimo, a conta inclui todos os beneficiários do INSS porque além dos que recebem um salário mínimo, também quem recebe mais só terá seu benefício corrigido pelo INPC.

Em outubro de 1994, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi eleito presidente da República, o quilo do frango custava R$ 1 e com um mínimo era possível comprar 65 quilos dessa proteína. Muito além dos indicadores econômicos, o frango na mesa do brasileiro foi considerado o grande cabo eleitoral tucano há 24 anos.

Oito anos depois de FHC, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se apresentou como candidato prometendo criar 10 milhões de empregos. Ele precisou de dois mandatos, cumpriu a promessa com folga com vagas com carteira assinada e elegeu Dilma Rousseff como sua sucessora.

A diferença entre 1994, 2002 e 2018 é que não haverá um único partido ou candidato que possa dizer que o frango, o poder de compra do mínimo e o emprego são seus legados exclusivos. Depois de uma profunda recessão, a economia estará em recuperação em 2018, em um cenário de inflação e juros baixos e desemprego em queda.

Mesmo que o quilo do frango suba 10% e corroa parte do poder de compra do brasileiro, um mínimo ainda vai comprar cerca de 155 quilos de frango em 2018.

Por outro lado, ao longo da recente recessão brasileira, mais de 7 milhões de pessoas perderam seus empregos ou não arrumaram um quando chegaram ao mercado de trabalho, elevando o contingente de desempregados para 13,7 milhões de pessoas (no auge, em maio deste ano). Desde então, 1,2 milhão de pessoas já saíram da situação de desemprego. Mas o contingente ainda é enorme e mesmo que o emprego cresça com força, em outubro mais de 10 milhões ainda estarão nesta situação. E dos que voltaram ao mercado no último ano, poucos o fizeram com a garantia da carteira de trabalho assinada.

A incógnita para outubro próximo é o quanto o eleitor vai sentir que sua vida melhorou em 2018 ou que perdas ele vai contabilizar. E para essa sensação, será decisivo com qual passado ele vai comparar sua vida.

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