quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Vinicius Torres Freire: Venezuela em nova fase de destruição

- Folha de S. Paulo

A Venezuela deve ser invadida pelas tropas de uma coalizão formada por Estados Unidos, Europa e América Latina, a convite da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. Este "exército de liberação" daria apoio a um novo regime, que substituiria o governo de Nicolás Maduro, que teria sido impedido pelos parlamentares.

Quase lembra um roteiro do gênero Rambo escrito por um comentarista da Fox, a TV americana de birutices reacionárias. Mas é a sugestão de um professor da escola de governo da Universidade Harvard, o venezuelano Ricardo Hausmann.

Hausmann em geral não é doido. É um respeitado economista do desenvolvimento. Foi ministro do planejamento (1992-93) de seu país. Participa de conversas a respeito do que fazer da Venezuela. Mas propôs esse seu plano em artigo publicado no segundo dia de 2018, no site Project Syndicate.

É uma medida do desespero demencial no país. Dado o derretimento político e humanitário da Venezuela, tratar de economia parece quase alienação. Não é o caso.

Medidas independentes registram que a inflação de outubro foi a 50%, acumulando 1.400% em 2017, até aquele mês. Nesse ritmo, deve ter fechado o ano perto de 3.000%.

É um sintoma terminal de desgraça socioeconômica. Faz uns dois anos, o governo deixou de publicar estatísticas regularmente. A Assembleia Nacional calcula a evolução dos preços desde o início do ano passado, com resultados similares ao de pesquisas privadas.

Mesmo a variação do PIB deixou de constar oficialmente de estatísticas internacionais desde 2015 –há estimativas. Contas feitas com base em dados da ONU indicam que o PIB per capita caiu quase 30% desde 2013. A renda per capita teria caído a um nível 12% inferior ao de 1990 ou 18% inferior ao de 1998, ano da eleição de Hugo Chávez (1954-2013).

É uma situação de guerra, de Grande Depressão sem fim. Pode-se argumentar que a desigualdade caiu nos anos bolivarianos. É verdade, mas isso nem de longe compensa o desastre do empobrecimento e nem foi resultado tão diferente dos demais países da região.

De 2002 a 2008, o índice Gini de desigualdade caiu 1,7% ao ano, mais que no Brasil (1% ao ano), mas menos que em países como Bolívia, Paraguai, Peru ou Argentina. De 2008 em diante, a desigualdade parou de cair, ao contrário de quase todos os países da América do Sul (dados da Cepal, com base em estatísticas nacionais).

A produção de petróleo da estatal PDVSA cai pelo menos desde 2015, cada vez mais rápido (dados da Opep). O orçamento do governo e da PDVSA, quase a mesma coisa, apenas fecha com financiamento inflacionário, via Banco Central (19% do PIB em 2016, segundo o "Balanço Preliminar da Economia da América Latina" de 2017 da Cepal, o braço econômico da ONU para a região).

As exportações do país caem brutalmente e, ainda mais, as importações, o que equilibra as contas externas ao custo de arrocho de consumo e de oferta de produtos básicos. Mesmo com o arrocho, o país começou a dar calote oficial em sua dívida externa no final do ano passado.

A Venezuela quebrou em todas as frentes, mas pode piorar. A guerra sociopolítica odienta que já dura quase três décadas ainda não terminou. Deveríamos tomar nota.

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