quinta-feira, 22 de março de 2018

Gaudêncio Torquato: Os alquimistas estão voltando

- Folha de S. Paulo

A mágica do marketing político de mudança de perfis se faz necessária em tempos de repulsa a velhos nomes, mas a renovação não deve vir

A planilha de candidatos a cargos majoritários e proporcionais no pleito de outubro, seguramente um dos mais competitivos destes tempos de repulsa à velha política, deverá ser recheada de perfis pincelados pela tintura do adjetivo "novo".

O enquadramento abrigará não só quadros mais jovens, mas os protagonistas avançados na idade, eis que a transmutação das identidades tem sido exercício a cargo de alquimistas do marketing político, figuras carimbadas nas campanhas, principalmente a partir dos anos 80.

A alquimia da mudança de perfis se faz mais necessária hoje do que em tempos passados. A razão é conhecida: a política e seus representantes tornaram-se alvo da indignação social na esteira de escândalos em série, que se arrastam desde o mensalão e desembocam no petrolão, na operação Lava Jato.

Renovação de quadros, mudança de padrões e formas de fazer política e assepsia geral adensam o discurso social. Infelizmente, a realidade aponta uma reversão de expectativas. A almejada renovação não ocorrerá. Vamos às razões.

A campanha será bem mais curta. Nas ruas, diminui de 90 para 45 dias. Na mídia eleitoral, de 45 para 35 dias. Os recursos serão modestos. Com a proibição de doações pelas empresas, sobrarão cerca de 1,7 bilhão no Fundo Especial de Financiamento de Campanha e mais um valor de R$ 888,7 milhões do Fundo Partidário, a serem repartidos entre as siglas. Há, ainda, o autofinanciamento de campanha, que permitirá a um candidato a deputado, por exemplo, gastar até o limite de R$ 2,5 milhões. Deduz-se que os recursos serão bem inferiores aos de campanhas passadas, e candidatos ricos terão mais vantagens.

Já a campanha mais curta (na rua e em mídia eleitoral) beneficiará os mais conhecidos, por lógica os mais antigos, com grande probabilidade de velhos nomes virem a se sobrepor aos novos. Portanto, no momento em que se defende com mais ímpeto a mudança na radiografia política, poderá ocorrer o contrário. Em 1990, a renovação na Câmara foi de 61,82%; em 1994, 54,28%. Este ano, deverá girar em torno de 40%, abaixo da média histórica.

E os alquimistas, o que farão? Não conseguirão dourar seus candidatos com a tintura da "novidade". Primeiro, porque o número de novos não tende a ser grande; segundo, porque o eleitor está vacinado contra a transmutação mágica dos marqueteiros. Dândis --candidatos adornados com penduricalhos-- não mais chamam atenção. Cairão no ridículo. Dessa forma, o "novo" acabará exibindo cara velha.

Aliás, se há algo da mais longínqua antiguidade é a venda do "novo". Quinto Túlio Cícero escreveu em 64 a.C uma carta ao irmão Marco, candidato, aconselhando-o a dizer: "Sou um homem novo, quero o Consulado, aqui em Roma".

Os alquimistas estão voltando à cena. Mas não farão milagres. Ademais, em razão de denúncias que atingiram estrelas do marketing, certa desconfiança sobre seu ofício se espraia na seara eleitoral. A visão paradisíaca que apresentavam em programas de seus candidatos acabou se transformando no caos que aflige o país. Quanto ao dandismo, que Baudelaire definia como "o prazer de espantar", também está com dias contados.

Quem quiser aparecer vestido de super-herói, como o ex-senador Eduardo Suplicy, em tempos idos, quando se fantasiou pelos corredores do Senado, haverá de pensar se vale a pena submeter-se ao império da visibilidade "custe o que custar".

O fato é que o eleitor acabará votando nos candidatos que aparecerem. Sem a presença maciça de elementos novos, a alternativa é a de votar em branco, anular ou votar em perfis conhecidos ou próximos. Não haverá grandes mudanças com a atual modelagem política. Velha foto embolorada na parede.
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Gaudêncio Torquato, Jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político

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