quinta-feira, 15 de março de 2018

Trump muda sem parar, e para pior, sua equipe de governo: Editorial | Valor Econômico

Dias após tomar medidas que podem ser o início de uma guerra comercial e de aceitar um encontro com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, o presidente Donald Trump demitiu pelo twitter seu secretário de Estado, Rex Tillerson. Tillerson errou na coreografia da comédia enlouquecida encenada na Casa Branca sob Trump. Após a cuidadosa mediação do presidente da Coreia do Sul, Kim concordou com uma reunião com o presidente americano. Trump deu um sinal verde imediato, enquanto seu secretário de Estado, que não estava sabendo disso, disse que os dois sentarem-se à mesma mesa era uma hipótese remota. Seu substituto, o então diretor da CIA, Mike Pompeo, exige a desnuclearização do regime de Kim e o fim do acordo com o Irã - isto é, o confronto.

Como o presidente segue apenas seus instintos e desdenha o trabalho em equipe, tem se mostrado um desorganizador nato. Em apenas uma semana, conseguiu a saída do chefe do conselho de assessores econômicos, Gary Cohn, e de Tillerson, que, com todos seus possíveis defeitos, tinham a virtude de chamar Trump à realidade. Fracassaram e não estão sós: 8 membros do alto escalão da Casa Branca saíram antes ou foram demitidos. Trump, aliviado, resmungou que agora tem um time com o qual se sente à vontade, sem pressentir que o anterior, que desmantela a toques no twitter, fora escolhido por ele mesmo.

Ex-CEO da ExxonMobil, Tillerson teve desempenho medíocre, como a maioria do gabinete de Trump. O presidente não preencheu a chefia de embaixadas em regiões estratégicas para os interesses americanos, como Turquia, Coreia do Sul e Alemanha, e Tillerson, em meio ao deserto de talentos que se formava, acrescentou corte de gastos e enxugamentos de postos. Em seu discurso de despedida, depois de ser demitido sem aviso prévio, disse que "nada é possível sem aliados e parceiros", o que soa como uma lição de sabedoria em um governo que até agora não demonstrou nenhuma.

Em seu linguajar sumário, Trump disse que discordava de "coisas" com Tillerson e que com seu sucessor, Mike Pompeo, "teremos um processo de pensamento muito similar". A faxina no time da Casa Branca pode ser um divisor de águas. Até agora, boa parte dos governos aliados e dos analistas respiraram aliviados porque Trump não revelara em atos ser um presidente tão terrível quanto sua retórica sugeria. Essa esperança de benigno bom senso está sendo destruída rapidamente, com consequências imprevisíveis.

O "processo mental de Pompeo", que se formou na academia militar de West Point, é parecido com o de Trump no que há de pior. Membro do Tea Party, a extrema-direita que tomou conta do Partido Republicano, ele não será o contraponto necessário a um mandatário que só gosta de adulação e vê afrontas na diversidade de opiniões. A lista de contradições do atual governo, e dos inimigos e interesses contrariados que já fez, é extensa e deve crescer.

Para convencer a Coreia do Norte à moderação, os EUA têm de se entender com a China, que, no entanto, virou alvo prioritário da política comercial americana. O acordo nuclear com o Irã, que Trump julga "terrível", sancionado por aliados e que está sendo cumprido, poderia servir de baliza nas negociações com Kim. No entanto, Trump e Pompeo querem rasgar esse acordo, sinalizando ao paranóico tirano norte-coreano que os EUA não são nada confiáveis.

Com os vizinhos do Nafta, Trump e seus acólitos dão murros na mesa de negociações, ameaçando impor tarifas sobre aço e alumínio, enquanto agride a Organização Mundial do Comércio, a Europa, os sul-coreanos e atinge em cheio as exportações brasileiras. Trump estava anteontem assistindo a um desfile de modelos de muro que deverão ser construídos na fronteira do México, um evento macabro que dá a medida de quão longe ele pode ir no desrespeito a países com os quais possa ter pendências.

Com o monte de fios desencapados que Trump está deixando por todos os lados, os riscos geopolíticos cresceram muito. O que um presidente desqualificado para governar a maior potência econômica e militar do planeta pode fazer é piorar bastante as coisas e é isso que as mudanças recentes de gabinete indicam. Trump promete mais mudanças.

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