terça-feira, 24 de abril de 2018

Fernando Exman: Além do discurso sobre um pacto federativo


- Valor Econômico

É preciso discutir a situação de Estados e municípios

Mesmo que alguns candidatos se dediquem a transformar novamente as eleições num ringue, tudo indica que a campanha que se inicia reservará tempo suficiente para a discussão sobre a precária situação das contas públicas. O próximo presidente da República terá que apresentar suas propostas, demonstrando como respeitará a chamada "regra de ouro" das finanças e o teto de gastos. Mas o debate tem que ir além, abarcando também a situação fiscal de Estados e municípios.

O quadro de diversos entes subnacionais é delicado e merece um tratamento melhor do que o dispensado ao tema em eleições anteriores. Se repetido o padrão dos últimos pleitos, o eleitor passará a ler, assistir e ouvir diversas propostas sobre um chamado "novo pacto federativo", típica expressão utilizada por quem sabe que precisa reunir apoios de governadores e prefeitos mas não quer se comprometer com nada.

Esse discurso tampouco ajudará o governo Michel Temer, que já não consegue mais tirar do papel sua agenda legislativa, a destravar discussões sobre melhorias no sistema tributário nacional. Nos últimos dias, integrantes da equipe econômica voltaram a sinalizar que pretendem enviar a Congresso propostas de simplificação do PIS/Cofins e do ICMS. Reconheceram, contudo, que as discussões sobre o imposto estadual são mais complexas e dependem ainda de mais negociações com os secretários de Fazenda.

No Congresso, poucos arriscam dizer que a reforma tem chances de ser aprovada até o fim do mandato de Temer. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lançou-se na disputa pelo Palácio do Planalto e detém controle da pauta. A grande maioria dos deputados e senadores concorrerá à reeleição ou a outro cargo eletivo: quem votará a favor de alguma medida que onere ainda mais o contribuinte e/ou as empresas instaladas no país?

O primeiro passo para um debate realista pode ser dado durante a marcha que prefeitos de todo o país farão em Brasília em maio, quando a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pretende receber os presidenciáveis em grande evento. Sondagens recentes feitas pela entidade com prefeitos de todo o Brasil demonstraram que 66% deles contavam com o Apoio Financeiro aos Municípios (AFM) de R$ 2 bilhões - proposto pelo Executivo e aprovado pelo Congresso - para o fechamento das contas de 2017.

A mesma pesquisa, que ouviu 98,5% dos gestores municipais, revelou que as prefeituras com dificuldades financeiras suspenderam o pagamento de fornecedores e salários de servidores, o que certamente trouxe impacto negativo sobre a atividade econômica nesses municípios, o alcance e a qualidade dos serviços públicos prestados à população. Apenas metade dos prefeitos disse acreditar que 2018 será melhor para as finanças municipais.

A situação dos Estados também demanda atenção. De acordo com o Tesouro Nacional, diversas unidades da federação chegaram ao fim de 2017 com as contas no vermelho. Os exemplos mais críticos são o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Foram citados também Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe. O grau de dependência das transferências constitucionais e legais em relação às receitas totais desses entes variou de 10% a 69%, caso do Amapá.

O Banco Central informou, no seu mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, que o sistema está preparado para suportar eventual calote de Estados e municípios que não são elegíveis para contar com garantias da União, assim como de seus respectivos servidores, fornecedores e empregados dos fornecedores. O que não está nessa conta é o risco político. É sempre bom lembrar que as grandes manifestações de junho de 2013, que abalaram governantes e ajudaram a depreciar a imagem da classe política, estiveram diretamente relacionadas à cobrança da população por melhores serviços públicos.

Missões de paz
O próximo presidente terá que decidir, assim que for eleito, o que fará em relação à intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. A campanha eleitoral já demonstrará se os candidatos a governador e a presidente da República defenderão a permanência dos militares no Estado. A decisão do sucessor de Michel Temer, no entanto, não terá reflexos somente nas ações de segurança pública no Estado. Ela ditará a capacidade operacional e orçamentária das Forças Armadas nos meses seguintes, fator determinante para a participação de tropas brasileiras em forças de paz das Nações Unidas.

A intervenção, decretada em fevereiro, tem como prazo 31 de dezembro. Se as Forças Armadas forem desmobilizadas e retiradas das ruas do Rio, as conversas entre o governo e a cúpula da ONU sobre a ampliação da participação brasileira nas missões de paz devem ser retomadas.

A organização internacional queria contar com tropas brasileiras na missão de pacificação da República Centro-Africana e estava cobrando uma resposta da administração Temer. A ideia, que num primeiro momento foi acolhida, acabou sendo rejeitada por falta de recursos.
A solução alternativa encontrada tem dois estágios. O primeiro foi a nomeação, pela ONU, do general Elias Rodrigues Martins Filho como novo comandante da Missão de Estabilização da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (Monusco). Ele chefiará cerca de 17 mil militares de diversos países, num cenário complexo e violento. Apenas em um segundo momento será analisada a possibilidade de envio de soldados brasileiros ao país.

Mais uma delicada pendência para o próximo presidente. Em dezembro passado, 15 capacetes-azuis morreram num ataque contra uma base de operações na República Democrática do Congo, no que foi considerado pela própria ONU o pior ataque sofrido pela organização em sua história recente.

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