quinta-feira, 31 de maio de 2018

Crise de desabastecimento diminui, mas violência aumenta

Motorista de 70 anos morre ao ser atingido por pedrada em Rondônia

Em vários estados houve relatos de intimidação e agressões

Com a intervenção da Polícia Rodoviária Federal e do Exército para liberar caminhoneiros que quisessem seguir viagem, a greve perdeu força em seu décimo dia, e avançou o abastecimento das cidades. Mas a violência cresceu, insuflada por manifestantes que tentavam manter caminhões parados. O caminhoneiro José Batistela, de 70 anos, morreu após ser atingido por pedrada na cabeça, em Rondônia. Relatos de intimidação e agressões em vários estados levaram o governo a criar um serviço para denúncias, o SOS Caminhoneiro. No Rio, a polícia investiga a participação de milicianos na paralisação. Na quarta, a PRF prendeu dois homens perto da Reduc que ameaçavam caminhoneiros com uma arma.

Tragédia na greve

Escalada de violência leva à morte de caminhoneiro. Exército libera vias, e abastecimento melhora

Manoel Ventura, Karla Gamba, Carolina Brígido, Geralda Doca, Aline Ribeiro, Thiago Herdy e Gabriel Martins | O Globo

-BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- No décimo dia de paralisação dos caminhoneiros, a crise de desabastecimento no país arrefeceu, as principais rodovias foram liberadas, mas a violência aumentou. A ação de alguns manifestantes para impedir aqueles que tentam deixar os protestos ou furar pontos de bloqueio resultou ontem em uma tragédia: o caminhoneiro José Batistela, de 70 anos, morreu depois de ser atingido por uma pedra na cabeça. Ele passava por uma manifestação na BR-364, que estava liberada para o tráfego, em Vilhena (RO). De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), ele foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Houve relatos de agressões em vários estados.

À noite, o ministro da Segurança, Raul Jungmann, informou que o líder do protesto está detido e estaria sendo ouvido.

— Essa violência é um exemplo trágico do equívoco da violência política e da tentativa de se constranger, agredir e desnaturar um movimento que começou com reivindicações, muitas delas justas, e que foram em sua integralidade atendidas pelo governo — afirmou Jungmann.

De acordo com a PRF, há ainda no país 197 pontos de concentração de manifestantes. Devido aos casos de intimidação e violência, o Palácio do Planalto criou um canal via WhatsApp para receber denúncias. A ideia é que o SOS Caminhoneiro (061 99154-4645) receba vídeos e imagens que retratem abusos e permitam identificar os responsáveis.

— O que estamos assistindo é um espetáculo degradante de covardia daqueles que querem impedir os caminhoneiros de voltar às suas famílias. Vamos punir na forma da lei com rigor esses que estão cometendo essa violência — afirmou Jungmann.
Já o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, disse que os caminhoneiros estão sendo vítimas de aproveitadores:

— Temos uma carona, nesse movimento, de aproveitadores que estão ultrapassando todos os limites.

Jungmann disse que foram presos “infiltrados” que impediram a volta de caminhoneiros ao trabalho, mas não informou quantas prisões foram feitas. Ele informou ainda que a Polícia Federal abriu 54 inquéritos por conta da greve dos caminhoneiros. Estão sendo investigados suspeitas de locaute (greve das empresas) e sabotagem.

Segundo o ministro, o governo não cogita estender o decreto de Garantia da Lei e da Ordem, que colocou as Forças Armadas nas ruas.

Na capital de Roraima, caminhoneiros eram impedidos de passar pelo ponto de concentração na BR-174, em Boa Vista. De acordo com o site G1, ontem pela manhã um caminhão foi perseguido, rendido e depois agredido por outros caminhoneiros ao tentar passar pelo bloqueio. A PRF foi ao local. Um dos manifestantes afirmou que o caminhoneiro estaria em alta velocidade e que havia “desrespeitado a categoria” por furar o bloqueio.

Além das agressões, a perda de carga. Um caminhoneiro foi parado por grevistas ao tentar seguir pela BR-163 em Sinop, a 503 km de Cuiabá. Sua carga foi confiscada pelos manifestantes, que a derramaram na pista.

No Paraná, o secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (SespPR), Júlio Reis, disse que alguns caminhoneiros relataram ter sido mantidos em cárcere privado.

Caminhoneiros no Rio Grande do Norte contaram estar sendo coagidos, com violência verbal e ameaças físicas, para permanecer nos bloqueios. Quem não quer recorre a estradas de terra, percorrendo o dobro da distância, segundo informações da Polícia Militar, do Exército e de empresários. Caso de Genilson de Souza, que transportava calcário para uma empresa de Parnamirim. Ele contou que chegou a ficar 18 horas preso em um bloqueio:

— Pegar estrada de barro não é seguro. Mas se for pelas pistas, eles não deixam passar.

DEPOIS DA ESCOLTA, AGRESSÕES
“Socorro, mande alguém acudir a gente”. Foi o apelo feito em uma ligação para a PM do estado ontem, quando um motorista de caminhão que passava por uma estrada que liga Natal à BR-101, em Parnamirim, cidade vizinha, foi cercado por cerca de 20 caminhoneiros. Agentes foram até o local e dispersaram o bloqueio.

Já em Minas Gerais, motoristas de caminhões tanque teriam sido agredidos quando já não contavam mais com a escolta da PM, denunciou o presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Paulo Miranda. Ele disse que alguns manifestantes fotografaram e fizeram vídeos das placas de caminhões que saíam da Refinaria Gabriel Passos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, para abastecer postos. Depois da entrega, quando não havia mais escolta, os veículos teriam sido depredados e alguns motoristas, agredidos.

— Recebi a denúncia de pelo menos quatro casos em que bateram no motorista e depredaram o caminhão. Teve um motorista que disse ter tido um prejuízo de R$ 4 mil. Os motoristas, que já conhecem os grevistas há muito tempo, ficam intimidados — contou Miranda.

Segundo ele, as agressões ocorreram entre o último sábado, dia 26, e terça-feira.

Miranda disse ainda que a Fecombustíveis também recebeu denúncia de que alguns grupos isolados de policiais estariam cobrando de donos de postos de combustíveis para fazer a escolta dos caminhões-tanque. A PM mineira afirmou que a informação é “inverídica” e que, caso tenha conhecimento de fatos similares, tomará as providências cabíveis.

Em Ponta Porã (MS), na tarde de terça-feira, dois caminhoneiros dizem ter sido ameaçados de morte ao tentar abandonar um ponto de bloqueio, de 15 manifestantes, na BR-463, na divisa do Brasil com o Paraguai. O líder do movimento perseguiu, atirou contra o para-brisa do caminhão e depois agrediu um dos homens. Uma perícia será feita para verificar se foi pedra ou tiro de arma de fogo. Uma viatura da PRF, que havia sido acionada para ajudar os caminhoneiros a deixarem o protesto, chegou na hora da confusão.

— Demos voz de prisão, mas ele correu para o Paraguai — afirmou um delegado da PRF.

Segundo a PRF, o acusado é Vanderlei de Almeida, de 45 anos. Ele já foi preso duas vezes. A polícia ainda estava apurando por quais crimes. Um dos dois caminhões de Almeida parados na BR-463 trazia uma inscrição no para-brisas pedindo a intervenção militar.

Na BR-163, perto de Campo Grande (MS), um grupo de cerca de seis homens atirou paus e pedras em caminhões, aos gritos de “vaza, louco” e “vai, filho da p...”, na tarde da última terça-feira. O comboio de caminhões-tanque, gás e baús-frigoríficos era escoltado por agentes da PRF. Pelo menos quatro veículos foram danificados.

Pelo lado positivo, as principais rodovias do país não têm mais bloqueios. A Rodovia Régis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba, está liberada. Na manhã de ontem, o Exército iniciou uma operação para retirar caminhoneiros em cinco trechos da rodovia. Um grupo de no máximo 50 pessoas permanecia em um posto de gasolina que servia de base para os caminhoneiros.

— Lutamos tanto para sermos tirados desse jeito — disse um caminhoneiro.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Forças Armadas liberaram trechos ocupados por manifestantes em Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso, Paraná, Roraima e São Paulo. Por volta das 18h, a Rodovia Presidente Dutra não apresentava bloqueios.

ONDA DE ‘FAKE NEWS’ É PRÉVIA PARA ELEIÇÕES
Em nota, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) informou que pedirá às autoridades para garantir a segurança dos caminhoneiros que queiram retomar as atividades.

Além disso, a Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal petição adicional cobrando R$ 67,2 milhões em multas de outras nove transportadoras que descumpriram decisão liminar e não desobstruíram rodovias. Já foram multadas, até agora, 96 transportadoras, no total de R$ 272,3 milhões.

Para ajudar no trabalho de desobstrução de vias, o governo vai editar uma medida provisória (MP) permitindo que policiais da PRF trabalhem nas folgas, a fim de aumentar o contingente nas estradas. Isso permitirá um reforço equivalente a 2 mil policiais.

O ministro Jungmann disse ainda que as fake news que pipocaram durante a greve dos caminhoneiros dão uma ideia do que a sociedade terá de enfrentar nas eleições de outubro:

— Tivemos uma avant première do que serão as fake news nas eleições. Uma quantidade impressionante, quase infinita de notícias falsas divulgadas nas redes sociais, e isso deve chamar atenção.
Colaboraram Aura Mazda e Fábio Corrêa, especiais para O GLOBO, e Frederico Lima, estagiário, sob a supervisão de Francisco Le

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