sexta-feira, 29 de junho de 2018

Anatomia de uma recuperação que foi perdendo o fôlego: Editorial | Valor Econômico

A recuperação da economia já vinha perdendo parte de seu ímpeto em abril, antes da paralisação dos caminhoneiros que derrubou forte e abruptamente as atividades em maio. O Banco Central, em seu Relatório da Inflação trimestral, revisou para baixo o avanço do PIB deste ano de 2,6% para 1,6%. Apenas um setor teve sua estimativa elevada, o agropecuário, entre os componentes da oferta. Entre os da demanda, as projeções para os investimentos foram mantidas em 4% no ano.

A média móvel trimestral encerrada em abril mostrou, em relação ao primeiro trimestre do ano, um arrefecimento da produção industrial e do setor de serviços, com apenas alguma aceleração na margem do comércio. A perda de fôlego foi mais pronunciada na indústria (queda de 0,1%) - só 7 dos 26 setores tiveram aumento de produção.

O BC agora prevê que a indústria deve avançar a praticamente metade da velocidade anteriormente prevista (1,6% ante 3,1%). Igualmente significativa é a reestimativa para a indústria de transformação (2,4% ante 4%), enquanto que frustrou-se a esperança na recuperação da construção civil, que continuará deprimida este ano, com contração de 0,7% e não expansão de 1,5%. Há reduções importantes de estimativas em todos os subsetores de serviços, que deve crescer 1,3%.

A demanda agregada evoluirá menos favoravelmente com o desempenho mais ameno do consumo das famílias, que carrega consigo dois terços do PIB. Ele avançará 2,1% (e não mais 3%), "compatível com uma recuperação mais lenta da massa salarial, resultado da redução no ritmo de crescimento dos rendimentos e da população ocupada", segundo o BC.

Uma análise do desempenho da economia após quatro recessões indica que, em vários aspectos, a recuperação agora é bem mais lenta que nos períodos de 2003 e 2009 e em linha com os de 1999 e 2001. Um dos fatores distintivos relevantes é a retomada do mercado de trabalho, que, cinco trimestres após a recessão iniciada em 2014, é bastante mais morosa que nos 4 ciclos recessivos anteriores, com aumento da população ocupada de 1,9%, em relação aos 4,9%, 7,7%, 3,9% e 4,1% dos ciclos recessivos anteriores.

Ainda assim, o ritmo do consumo das famílias foi de 3,1%, equivalente ao dos períodos comparados, com intervalo entre 2% e 5,2%. Em 2017 ele recebeu o embalo da queda abrupta da inflação, do aumento dos empregos, do crescimento da massa salarial, da reação moderada do crédito e da liberação extraordinária de recursos do FGTS.

O ciclo de recuperação do crédito, expresso nos saldos para pessoas físicas, avançou menos que nas situações anteriores, embora novos instrumentos (como o consignado) surgidos ao longo do tempo não permitam uma comparação direta. Há agora, porém, a característica da necessidade de desalavancagem, menos importante nos ciclos de antes porque o nível de crédito ainda era baixo, embora crescesse rapidamente. No quarto trimestre de 2014, o estoque de crédito livre para famílias atingiu 13,6% do PIB, bem acima da melhor marca anterior, de 9,9%, no rápido ciclo de 2009.

Por outro lado, e é um fator alentador, a expansão do crédito para as empresas tem sido maior do que a que se depreende pelo simples exame das estatísticas do sistema financeiro e do que faria supor a derrocada do crédito direcionado via BNDES. O BC selecionou 1.400 companhias que detinham 80% do saldo do crédito total do BNDES. Pelos números do SFN, esse endividamento caiu 19,1%, ou R$ 86,3 bilhões, mas ele foi compensado pelo aumento das dívidas contraídas nos mercados de capitais, que cresceram 18,5%, ou R$ 21,2 bilhões) e no externo (15,6% mais, ou R$ 101,7 bilhões). Considerado o financiamento amplo, com todas as fontes, ele cresceu 3,1% entre dezembro de 2016 e maio de 2018.

A tendência à obtenção de recursos nos mercados de capitais e não pela via direta dos empréstimos bancários, persiste este ano e aumentou 18,3% até maio. Há duas boas notícias aí. A redução dos subsídios do BNDES trouxe a convergência de custos com os mercados de capitais e o mercado externo. Além disso, para o BC, "esse movimento guarda maior consistência com a tendência já observada de melhoria gradual da formação bruta de capital fixo".

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