domingo, 5 de agosto de 2018

Marina diz que 'o povo não pode ser substituído pelo centrão'

Após ser oficializada candidata da Rede, ela adotou bordão 'não dá mais'

Jeferson Ribeiro / Maria Lima / Dimitrius Dantas | O Globo

BRASÍLIA — Em sua terceira campanha presidencial, a candidata da Rede, Marina Silva(Rede), remodelou seu discurso de representante da "nova política", atacando as alianças tradicionais dos partidos ao dizer, durante a convenção da sua legenda neste sábado, que "o povo não pode ser substituído pelo centrão". A ex-senadora adotou o mote "não dá mais" para usar o tom de indignação que marca a eleição deste ano.

Marina Silva foi confirmada como candidata da Rede ao Palácio do Planalto neste sábado e terá como vice o ex-deputado Eduardo Jorge, do PV, que concorreu à Presidência em 2014. Ela fez questão de dizer que a aliança é programática e que as diferenças de posição das legendas sobre temas como aborto e drogas são muito pequenas se comparadas às compatibilidades.

— Não quero mais que o país tenha líderes para liderar o atraso, temos que disputar os avanços, e para isso o maior protagonista chama-se povo brasileiro. Só vocês podem fazer a mudança. Estamos aqui, pela terceira vez, talvez em situação bem mais difícil do ponto de vistas dos recursos, do tempo de televisão, das estruturas, mas confiante que desta vez a postura vai derrotar o mecanismo, a postura vai derrotar as estruturas, o povo brasileiro não vai ser substituído por centrões de esquerda, de direita, de centro. Eu estou é com o povo brasileiro — discursou Marina.


O tom de indignação da população que vem sendo mostrado nas pesquisas mais recentes, com altas taxas de "não-voto", foi adotado pela pré-candidata também.

— Não dá mais para ficar numa situação em que a maioria da população quer mudar e não muda. Porque é isso que vem acontecendo nas últimas décadas. Não dá mais para crianças, como Marcos Vinícius, morrerem enquanto vão para a escola, enquanto os mais altos cargos da república são sabotados por pessoas que se escondem dentro dos palácios e do Congresso para não serem alcançados pela Justiça. Isso precisa acabar. Não dá mais — gritou a candidata em tom enfurecido, enquanto um vídeo com as palavras piscavam no telão, e a plateia repetia o mesmo bordão.

Marina refutou a ideia de que a sua candidatura não é competitiva. Ela está em segundo lugar nas pesquisas, nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas terá poucos recursos e pouco tempo no horário eleitoral.

— Não venham dizer que eu e Eduardo não temos viabilidade, mesmo com as pesquisas dizendo o contrário. Eu e Eduardo temos diferenças, mas eu aprendi a viver na diversidade — disse.

TRAJETÓRIA RELEMBRADA
Sob o canto entoado pelos militantes “eu, sou marineiro, com muito orgulho, com muito amor”, Marina começou seu discurso agradecendo a Deus por permitir que, mesmo sobrevivendo a doenças, tenha chegado até aqui para “fazer algo que o Brasil precisa”. A ex-senadora gastou grande parte da sua fala para falar de sua trajetória de superação na vida e na política.

— Tenho 60 anos, e vocês são educados e esqueceram de dizer: não parece - brincou Marina, dizendo que é movida a fé e a determinação.

Disse que é um milagre dos médicos e de Deus, por ter sobrevivido a cinco malárias e hepatites.

— E agora estou aqui, saudável, com 60 anos, mãe de quatro filhos e com esse porte admirável — completou arrancando risadas.

Além do discurso focado no diálogo com a população, Marina falou bastante também sobre necessidade de bons projetos de educação, a “primeira” fresta que teve na vida ao ser alfabetizada aos 16 anos, pelo Mobral e curso supletivo.

Em outra parte do discurso, Marina fez uma homenagem ao ex-companheiro de chapa em 2014, Eduardo Campos, falecido em um acidente de avião que a colocou como a candidata a presidente.

— Eu queria ser candidata a presidente pela Rede, mas cassaram o registro, jamais as custas de uma pessoa cheia de vida e de sonhos — disse Marina, dizendo que foi muito duro assumir a candidatura em meio à tragédia que vitimou Campos.

A pré-candidata disse ainda que 2014 foi uma guerra sem ética, sem parâmetros e agora está mais serena.

— Por isso, a Marina que chega aqui, traz essa trajetória da menina do seringal, que de tanto receber generosidades entra com o coração tranquilo. Querendo o melhor para o Brasil, com o mesmo espírito de que pessoas boas existem no PT, PSDB, MDB em todos os partidos. Com o mesmo espírito de que se ganhar vamos , eu e Eduardo, governar com os melhores. Mas não só dos partidos.

REVOLUÇÃO AMBIENTAL
Saudado como um pop star, o vice de Marina fez um discurso focado na necessidade de uma "revolução ambiental" e disse que os eleitores da chapa não devem se envergonhar de defender a postura dos partidos a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e as investigações contra corrupção.

— A Rede e o PV enfrentaram corretamente essa conjuntura. Não temam defender a posição do PV e da Rede em nenhum campo. O impeachment foi correto, a Justiça faz um trabalho necessário, que tem que valer para todos, como diz a Marina. E nós, na verdade e a rigor, a nossa posição é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devia ter cassado a chapa que fraudou a eleição de 2014. Estas posições cruciais são corretas. Não se intimidem — disse o pré-candidato a vice.

Ele defendeu uma postura "sonhática", mas, ao mesmo tempo, com os "pés fincados na terra":

— Para que nós possamos ser sonháticos, tem que ter uma mulher que seja sonhática, mas que tenha os pés fincados na terra, como tem a Marina — acrescentou.

DIFERENÇAS MINIMIZADAS
Após os discursos de unidade na convenção, em entrevista coletiva, a pré-candidata da Rede minimizou suas diferenças com o PV em relação a temas polêmicos, como aborto e drogas. Segundo ela, as divergências programáticas estão pacificadas desde 2010, ano de sua primeira candidatura à Presidência. À época, Marina entrou no Partido Verde apesar de ser contra algumas das principais bandeiras da sigla, como a descriminalização do aborto e a legalização do cultivo e consumo de maconha. A divergência gerou incômodo com a ala tradicional do PV. A relação também não é lembrada com carinho por alguns marineiros, que reclamaram que a legenda não investiu a estrutura necessária para a campanha daquele ano.

Marina deixou o partido fazendo críticas duras à liderança do PV, sobretudo ao seu presidente, Luiz Penna. Os dois estavam rompidos até as vésperas da convenção, quando uma conversa entre ambos, realizada no último dia 26, dois dias antes do encontro nacional do PV, reatou o diálogo. A oferta para que a legenda sugerisse um vice foi feita durante a convenção do partido de Penna.

— Inteiramente pacificado desde 2010. Eu fui candidata pelo PV e a mesma mediação que o Partido Verde fez com o olhar daqueles que se filiaram ao PV é a mesma mediação que está sendo feita agora — disse.

Ontem, uma reunião no Rio de Janeiro entre Eduardo Jorge, Penna, Carla Piranda do PV e o coordenador do programa de governo de Marina, João Paulo Capobianco iniciou as conversas entre os dois partidos. Entre os temas que os verdes querem colocar na pauta está a defesa do parlamentarismo, do voto distrital misto e da renda básica universal.

— O programa da Rede é bem detalhado, ficamos várias horas discutindo com o Capobianco. Eles estão bem avançados já, mas a discussão ainda vai levar um tempo — disse Eduardo.

No acordo que costurou a aliança entre os dois partidos também ficou definido que os parlamentares eleitos formarão um bloco parlamentar único. Os dois partidos estão em "modo de sobrevivência" para superar a cláusula de barreira e eleger, ao menos, nove parlamentares em estados diferentes ou ter 1,5% da votação para o Legislativo em nove estados. Nesse ponto, tanto Marina quanto Eduardo Jorge concordaram que a reforma política praticamente inviabiliza os pequenos partidos.

— Tem uma coligação com 11 inserções por dia de 30 segundos. E a gente tem uma de quatro em quatro dias. Aí não dá — disse.

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