quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Rosângela Bittar: Teoria para valentões

- Valor Econômico

Bolsonaro é o PT de farda, se oferece como um guarda

Nunca houve uma escolha como essa, tão diferente, tão parecida. Um preso e condenado quer voltar ao poder para continuar o "bullying" que faz sobre o Brasil; outro, gravemente ferido, hospitalizado, tendo a certeza apenas de que está na cédula e já desconfia do próprio sucesso. Ambos estabeleceram com o Brasil uma relação individual de poder. Jair Bolsonaro e Lula são valentões, simplórios vitoriosos, em campanha eleitoral permanente, manipulam o mesmo medo e a mesma esperança.

Há décadas, também no Brasil, diante de um impasse pela radicalização entre dois polos, Alceu Amoroso Lima anunciou seu "adeus à disponibilidade", ignorando a disputa e tomando um terceiro caminho.

Já não será tarde desta vez?

A campanha vai chegando à reta final mergulhada em varejo eleitoral de baixa qualidade, com a ameaça ao eleitor de ter que escolher entre o hospital e a cadeia.

Que eleição é essa?

Há tentativas de teorizá-la, apesar da tensão com o que representa de ameaça à sobrevivência das instituições democráticas e às liberdades individuais. A mais recente delas partiu do sociólogo, deputado federal por 6 mandatos pelo PT, Paulo Delgado. Ele não inventou uma saída, mas seu diagnóstico é preciso e amplo, e distribui responsabilidades a todos, sem exceção, mas sobretudo aos privilegiados de todas as colorações ideológicas.

"O Brasil foi abandonado pela sua elite. Não está preparado para um moderado. A elite inventou uma raiva, um sentimento pequeno, menor do que a indignação. Uma elite que impôs esta lógica binária direita-esquerda para bloquear o centro e usar os extremos como prostituta, palácio de favores. O que está menos em discussão é a liberdade. Não tem porque a elite estar fazendo isso com o Brasil a menos que aposte no evento trágico e acabe com a eleição dia 7, no primeiro turno, para depois se acertar com o vencedor", afirma, cortante.

Na equação sobre a qual trabalha sua teoria, os personagens movimentam-se num vazio de conteúdo notável. "O caçador do mal, do violento, do desonesto se alimenta da volúpia do que caça e se contamina até a medula. Lula está preso por causa do sangue infectado que chupou dos aliados e por sua vez a outros infectou. Padre pedófilo, juiz venal, fiscal corrupto, empresário estatal, líder oblíquo, são os valentões da pátria".

Ao caracterizar os personagens nesse momento da disputa, Delgado sintetiza: "Jair Bolsonaro não tem limite, pode ter valor, mas não tem fronteira. Se oferece como um guarda da esquina. Como pode um guarda de olhar tão curto governar o país? Você pode ser um bom fiscal, leão de chácara, mas um presidente da República precisa liderar este pessoal". Volta ao paralelo petista: "Dilma se ofereceu a Lula como sargento, nem oficial era, e veja o que deu. Não será senadora por Minas, será senadora biônica do Lewandowski [Ricardo, ministro do STF que inventou a saída para a ex-presidente não perder os direitos políticos apesar do impeachment].

No elenco de sua análise ainda tem: Ciro, "um homem de esquerda, poderia ter um projeto amplo para o país, mas está preso à micropolítica imposta por Lula, que o traiu como o faz com todos que o ameaçam, e precisa anistiar devedores, a agenda dos falsos consensos e da humanidade miúda que o PT impôs ao país para manipular os pobres".

Marina, diz o analista, não enfrenta o tabu da sua fragilidade, que é sua força, e "vindo da esquerda parou de caminhar para o centro, em busca de um santo grau de esquerda, que impede o Brasil de enriquecer e salvar seu povo da miséria". Geraldo Alckmin, "que veio da direita para o centro, se perdeu também no meio caminho pressionado pelo PSDB, que quer ficar bem com a esquerda, deixando orfãos seus eleitores social-democratas, predominantemente de centro".

A análise do sociólogo se amplia ao definir o que está ocorrendo do outro lado da disputa bipolar entre o que chama de iguais: Lula e Bolsonaro.

Eleição entre Bolsonaro e Haddad é disputa entre opções totalitárias e simplistas. Segundo argumenta, Alvaro Dias, João Amoedo, Alckmin, estão todos perdendo votos para Bolsonaro, "não por medo do PT, mas porque ninguém nos Estados tem compromisso com a campanhas nacionais". Dos 513 deputados federais, só 31 não são mais candidatos. Dos senadores, só 11 desistiram. São 94 os políticos com mandatos envolvidos na Lava-Jato concorrendo à reeleição.

"A sociedade assiste a tudo indiferente, ela não quer mudança, vai votar nos mesmos e continuar reclamando de todos".

"Acho que a burguesia brasileira está traindo o Brasil. Para ter a ilusão que está contra o PT está escolhendo um PT de farda. Bolsonaro é igual ao PT ".

Qualquer um dos dois governos seria o mesmo: "autoritário, manipulador, de improvisação, voltados para a conjuntura da propaganda pessoal, nada de longo prazo. Mais paralelos: "Têm as mesmas ideias sindicais, machistas, controladores, centralizadores, autoritários, manipuladores teatrais".

Lula Livre é um slogan de "quem sabe que tem que ganhar para sair da cadeia e voltar ao poder. Lula Preso é a manipulação eleitoral patrocinada pela agencia colonialista da ONU, diz Delgado, concluindo: "São relatores pária, esnobes, amigos de diplomatas indolentes do vergonhoso terceiro mundo".

O analista detecta outro traço forte a uni-los: ambos são ilegais.

Lula faz campanha há 40 anos sem cumprir regras, sempre protegido pela justiça, "sempre agiu como um fora da lei eleitoral".

Em tempo integral nesses 40 anos fez caravana da cidadania (campanha), governo paralelo (campanha), Foro São Paulo (campanha). "Lula deu consistência teórica ao país da trombada e da grosseria que hoje beneficia a Bolsonaro".

Bolsonaro aprendeu com Lula. "Bolsonaro faz campanha há dois, três anos, sem parar, é também um fora da lei eleitoral. Tem outdoor pelo Brasil há anos".

Conclui o sociólogo: "Eles criaram uma ilusão coletiva. Lula preso, Bolsonaro ferido. Sequestraram a consciência do brasileiro, sua capacidade de analisar o processo eleitoral por si mesmo".

Ainda há um personagem oculto consolidando a argumentação: "É a lascívia, a luxúria da elite e dos privilegiados brasileiros. Acima de cinco salários, a elite entregou a democracia para os não democratas." A elite, na sua opinião, perdeu a capacidade de raciocínio, "quer que o Brasil vá para o confronto já, no primeiro turno e encerre o ano eleitoral".

Resta o eleitor: "O eleitor brasileiro blefou, não quer mudar. Ele abandonou a ideia da novidade, está orbitando em torno do tradicional".

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