sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Fernando Canzian: Discurso retrógrado pode ganhar sustentação com economia

- Folha de S. Paulo

Setor privado brasileiro há tempos vem se preparando para retomada mais forte

Apesar do gigantesco rombo nas contas públicas, o novo governo assumirá em 2019 com condições macroeconômicas mais favoráveis do que Michel Temer há dois anos.

Em 2016, a inflação alcançou dois dígitos, o PIB despencava -3,5% e a contabilidade pública estava em ruínas.

Neste ano, o Brasil pode crescer pouco, cerca de 1,5%. Mas não há tarifas públicas represadas e as empresas têm enorme capacidade ociosa para produzir mais sem pressionar a inflação caso a economia reaja. E ela parece pronta para isso.

A chave em 2019 será encarar a reforma da Previdência como questão de vida ou morte. Se ela passar, não será difícil o Brasil decolar razoavelmente e ganhar tempo para outras mudanças estruturais.

A última proposta de reforma na Câmara previa economia de R$ 550 bilhões em dez anos. Se algo assim for obtido e o país mantiver o teto dos gastos, impedindo que a despesa pública suba além da inflação (como nas duas últimas décadas), será factível eliminarmos o déficit em alguns anos.

Isso é fundamental, já que credores, como o nome diz, precisam crer. No caso, que serão pagos para continuar financiando um governo que opera no vermelho.

Com a dívida pública saltando ano após ano (+20 pontos em quatro anos, para 77,5% do PIB), o sentimento é de que o país pode quebrar, o que afugenta empresas e consumidores de compromissos de longo prazo.

Nesse momento, só a expectativa de que Jair Bolsonaro (PSL) reforme a Previdência e mantenha o teto dos gastos já estimula a aposta em uma recuperação mais rápida. É o que aparece refletido na Bolsa, com ações em alta antecipando lucros, e na queda do dólar.

O setor privado se prepara para uma retomada mais forte há tempos. E ela só foi abortada porque Temer acabou abatido, em abril de 2017, pelo escândalo da JBS, que drenou seu capital político e enterrou mudanças na Previdência.

É nisso que o mercado aposta agora, sem preconceito em relação a posições de Bolsonaro que autorizam comportamentos reprováveis de alguns de seus eleitores. Trata-se, como sempre, de dinheiro.

O paradoxo é que, se as coisas começarem a dar certo, a economia poderá sustentar ainda mais esse tipo de coisa.
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Fernando Canzian, jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.

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