sexta-feira, 19 de outubro de 2018

José de Souza Martins: E os pobres?!

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

À vista do que dizem candidatos e sábios das duas candidaturas residuais à Presidência da República, que se enfrentarão no próximo dia 28 de outubro, os pobres do Brasil estão fritos. De um lado, os que acham que a quirera do Bolsa Família resolveu o grave problema da pobreza. Além de ter resolvido o problema eleitoral dos que carecem de muitos votos em troca de poucas e ilusórias soluções para os problemas sociais. Dez merréis de acréscimo a ganhos indigentes são suficientes para a ascensão social puramente estatística de parte da população. Mas não aquela que a integre decentemente e democraticamente na sociedade de mercado e menos ainda na sociedade de consumo.

De outro lado, estão os sábios desenraizados do economismo superficial, pseudocientífico, que tem fórmulas mágicas para tudo, na educação, na ciência, na economia propriamente dita, desde que lucrativas. É evidente, pois, que os que "dão" prejuízo ou não dão lucro estão fora das cogitações políticas da nova ordem baseada no racional da iniquidade e na exclusão social e cultural.

É curioso isso. Historicamente, a sociedade brasileira reafirma o seu caráter estamental, volta sempre às desigualdades do passado, douradas por discursos ufanistas e enganadores. Procura restaurar sempre a inferioridade social do nascimento dos pobres que herdamos da dominação colonial.

A pobreza no Brasil, mais do que nunca, já ultrapassa o nível da pouca vergonha. Essa definição não é científica. Mas tampouco a miséria brasileira o é. Um quarto da população brasileira, segundo dados recentes do IBGE, vive com pouquíssimo mais de R$ 18 por dia, R$ 387,00 por pessoa por mês. Menos do que o aluguel mensal de um barraco numa favela em São Paulo. Vivem em pobreza extrema 4,2% da população, os que dependem do Bolsa Família (R$ 85/mês). Vivem com um quarto do salário mínimo per capita 12% dos brasileiros.

A população mais pobre continua concentrada no Norte e no Nordeste, regiões há meio século beneficiadas por políticas de incentivos fiscais que nelas promoveram a difusão de uma economia moderna, poupadora de mão de obra e, portanto, desenvolvedora da economia, mas não da sociedade. Quase metade da população das duas regiões ainda vive na pobreza e na extrema pobreza. São extremamente pobres mais de 7 milhões de nordestinos, mais da metade dos do Brasil.

O Brasil não conseguiu superar a indigência de políticas sociais baseadas na concepção de esmola, caso do Bolsa Família. Nesta campanha eleitoral, nenhum dos candidatos foi além de propostas de políticas sociais baseadas na concepção da dádiva, seja na economia, seja na saúde, seja na educação, seja na seguridade, seja na segurança. O que unifica as propostas é a incapacidade de formular políticas econômicas baseadas no primado dos direitos sociais.

Se os intelectuais do economismo não conseguem ir além da subdesenvolvida concepção de sociedade lucrativa às custas do abandono e do banimento de milhões de brasileiros, melhor é procurar socorro teórico em outras fontes. Há séculos as ciências criaram sua resistência ética e propriamente científica à banalidade do meramente útil e lucrativo. Deveriam criá-la também aqui. A condição humana não se reduz ao lucro a qualquer preço nem com ele se confunde. O lucro é um epifenômeno, um resultado secundário das conquistas sociais. Os países ricos só o são porque a educação os fez culturalmente ricos e socialmente justos. Não estamos conseguindo ir por aí. Queremos imitar os países ricos e dar o salto da iniquidade que minimiza a sociedade para maximizar a economia. Queremos imitar porque os que mandam em nós acham que a macaquice da imitação substitui a diligência do esforço, do estudo, do trabalho. Macaquice não é ciência nem é criação.

Somos hoje economicamente pobres porque abandonamos os grandes valores que nos foram legados pela tradição humanística civil e militar do almirante Tamandaré e do marechal Rondon, heróis da pátria, que pensavam o futuro do povo brasileiro no marco da superação das contradições da escravidão e da conquista. Ou o legado de empresários como Antônio da Silva Prado, o maior de sua época, que arquitetou o fim da escravidão como engenharia de transformação social. E Roberto Simonsen, fundador da Fiesp, que concebeu o nacional-desenvolvimentismo e a política industrialista baseada na premissa dos direitos trabalhistas e previdenciários. Anticomunista, era leitor de Karl Marx, para desespero da família, como me revelou uma sobrinha sua.

Gente que assegurou a modernização do Brasil com a modernização de sua economia sem crucificar os desvalidos, ao integrar os pobres na sociedade por meio do trabalho livre e do emprego decente.
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José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Sociologia como Aventura” (Contexto).

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