quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Luiz Carlos Azedo: Deus é brasileiro

- Correio Braziliense

“Para Fraga Araújo, Itamaraty evitou a todo custo participar de blocos e preservou a capacidade de desenvolver uma política externa autônoma, mas precisa ir além disso”

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou que o diplomata Ernesto Henrique Fraga Araújo será o novo ministro das Relações Exteriores. Atual diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, nunca comandou uma embaixada; porém, como ministro de primeira classe e chefe de departamento, tem status de embaixador. Ao confirmar o nome em entrevista, depois de anunciá-lo pelo Twitter, Bolsonaro classificou o novo chanceler, que tem 29 anos de carreira, como “uma pessoa bastante experiente” e “intelectual brilhante”. Fraga tem 51 anos e disputou a posição com outros diplomatas de grande prestígio.

Fraga Araújo fez campanha eleitoral de rua para o presidente eleito. Sem falsa modéstia, disse que à frente do Itamaraty fará uma política “efetiva em função do interesse nacional”, tornando o Brasil um país “atuante”, “próspero” e “feliz”. Negou alinhamento automático com o governo dos Estados Unidos, tangenciando a tese que defende sobre a política externa brasileira, explicitada no artigo “Trump e o Ocidente”, publicado nos Cadernos de Política Exterior nº 6, do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, que fez a cabeça de Bolsonaro. Segundo Fraga Araújo, Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais.

“Avante, ó filhos de helenos,/ libertai a pátria,/ libertai vossos filhos,/ vossas mulheres,/ os templos de vossos deuses,/ os túmulos dos ancestrais,/ agora mais que nunca,/ lutai!”. Esse trecho do poema Os Persas, de Ésquilo, que exalta a batalha naval de Salamina, na qual os gregos derrotaram os invasores persas, em 480 a.C, assinala o marco fundador da primeira aliança do Ocidente. “A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de expansionismo ocidental, mas de um pan-nacionalismo. O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente”, propõe o futuro chanceler.

Araújo critica o Iluminismo e o globalismo. Segundo ele, a Europa e os Estados Unidos viviam já fora da história, depois da história, num estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território estranho. Toda a tradição liberal e revolucionária constituiu-se numa rejeição do passado, aos heróis, ao culto religioso e à família, destaca. Ao contrário, Trump, ao falar de alma, desafia frontalmente o homem pós-moderno, “que não tem alma, que tem apenas processos químicos ocorrendo aleatoriamente entre seus neurônios”.

Salvação
O Ocidente teria sido salvo pelos Estados Unidos: “Nestas últimas sete décadas não foram os europeus, mas os norte-americanos que preservaram o legado ocidental em seus principais pilares, não só militar e economicamente, não só institucional e politicamente, mas também na vida do espírito: a fé cristã morreu na Europa para todos os efeitos, mas viceja nos EUA (não penso apenas nos protestantes, penso também na Igreja Católica, vigorosa nos EUA, enfraquecida na Europa). O sentido de nação foi banido do mainstream cultural e social europeu, mas permanece central na vida americana. A própria cultura clássica é celebrada e vivenciada somente nos EUA como parte da própria herança, enquanto na Europa ela hoje se esgota na dimensão acadêmica, por um lado, e turística, por outro”, afirma.

Para Fraga Araújo, o Itamaraty evitou a todo custo participar de blocos e preservou a capacidade de desenvolver uma política externa autônoma, mas precisa ir além disso. “Queremos relacionar-nos com todos os blocos, mas sem fazer exclusivamente parte de nenhum deles. Vemos, então, com grande desconfiança a ideia de integrarmos um Ocidente que necessariamente exclui outras civilizações e que nos deixaria presos a um determinado bloco. Mas esse não alinhamento absoluto não deveria impedir o Brasil de alinhar-se consigo mesmo e com a própria essência de sua nacionalidade, se chegarmos à conclusão de que essa essência é ocidental.”

Fraga Araújo propõe o que chama de uma “metapolítica” externa, para que o Brasil possa se situar e atuar naquele “plano cultural espiritual em que, muito mais do que no plano do comércio ou da estratégia diplomático-militar, estão-se definindo os destinos do mundo”. Propõe, além de um ponto de vista geopolítico, uma “teopolítica”: “Não será o desenvolvimento nem a tecnologia nem a justiça social nem a cooperação nem a sustentabilidade nem os direitos humanos que nos salvarão. Somente um Deus poderá salvar-nos, dar-nos sentido — se Ele o quiser, se nós O quisermos”.

Com a narrativa sofisticada e “presbítera” de Fraga, Bolsonaro alinha o Itamaraty ao seu governo e exuma a política externa defendida por Juraci Magalhães (UDN), um dos líderes militares da Revolução de 1930 no Nordeste, que foi ex-interventor e, depois, governador eleito da Bahia. No governo do general Castelo Branco, o primeiro do regime militar, foi nomeado embaixador brasileiro nos Estados Unidos, quando pronunciou sua célebre frase: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Em seguida, ocupou sucessivamente as pastas da Justiça e das Relações Exteriores.

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