sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Vinicius Torres Freire: Superministros maiores que o governo

- Folha de S. Paulo

Além de terem grande poder, Guedes e Moro representam revoltas sociais

Jair Bolsonaro fez grandes lances em seus poucos dias de presidente eleito. Considerem:

1) deu impulso e poder a dois movimentos maiores do que ele, o projeto de encolhimento do Estado e a revolta contra a corrupção, nomeando Paulo Guedes e Sergio Moro;

2) colocou militares em postos de guarda e alerta no governo;

3) até agora não negociou coalizão com o Congresso por meio de compartilhamento de poder no ministério.

Guedes e Moro terão extenso poder sobre a máquina pública, mas a influência dos dois no destino do governo vai além. São representantes de uma reivindicação maior de mudanças.

Um clichê da política diz que um governante não deve nomear ninguém que não possa demitir. Em caso de sucesso, Bolsonaro dificilmente terá motivo para demitir seus superministros, mas contaria com força política para fazê-lo. Em caso de fracasso, a demissão será irrelevante, pois seu governo terá ido para o fundo do vinagre ou coisa pior.

Guedes representa o projeto de desmanche do Estado que foi formalizado em 2015, no plano de deposição de Dilma Rousseff, e implementado a partir de 2016.

A estabilidade do governo em 2019 (volta de algum crescimento) depende do sucesso parlamentar e do sequenciamento preciso dessas reformas, que não são remendo. Trata-se de um plano histórico de mudança, que tem apoio de parte da elite econômica e de várias classes médias.

Caso falhe o plano inicial de Guedes, haverá algum tumulto financeiro. Caso o Congresso barre a mudança ou Bolsonaro desista dela, o tumulto será enorme, e o presidente perderá o apoio de elites a quem se aliou, não faz muito mais que um ano.

Não seria apenas a derrota de ambições grandes, mas o fracasso de uma cirurgia de um país à beira do colapso.

Moro leva a Lava Jato para dentro do governo. Tem a tarefa de repetir na segurança pública os resultados do ataque à corrupção.

Além disso, o juiz-ministro é uma tentativa de sinalizar linha dura para o mundo político e compromisso constitucional --símbolo.

Tanto faz o que se pense da atuação de Moro como juiz; sim, o liberalismo de Guedes, o lava-jatismo e a lei podem vir a ser atropelados por Bolsonaro. Importa reter agora que o presidente eleito nomeou dois comandantes superpoderosos para dar satisfação a revoltas sociais significativas e isso é o núcleo do governo.

O futuro ministro da Defesa, o general Augusto Heleno, é o grande conselheiro de Bolsonaro, uma espécie de ministro-chefe da Casa Militar, um pilar político. Nos Transportes, centro habitual de corrupção, haverá outro general, outro alerta. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, deve ter algum poder na infraestrutura e no relacionamento entre governo e empresas.

A ambição de mudança enfrentará muita resistência. Trata-se de revisar relações socioeconômicas essenciais: seguridade social e poupança (caso da Previdência), protecionismos vários para empresas, vinculações orçamentárias (pactos de distribuição de recursos que não se limitam a saúde e educação), privilégios tributários, acordos com servidores, apoio da banca estatal.

A relação com o Congresso e a superpasta da Justiça ameaçam o modo de lidar com a distribuição de recursos políticos e o "business as usual" na relação de Parlamento, empresas e governo.

Isto tudo é plano de navegação. Tudo pode afundar assim que sair do porto. Para analisar a travessia ou o naufrágio, convém prestar atenção.

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