segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Cida Damasco: Modo reeleição

- O Estado de S.Paulo

Temer abraça pauta de segurança e confia no efeito retomada

Com uma ruidosa intervenção na segurança do Rio, com a reforma da Previdência escapando do horizonte de 2018 e sem Luciano Huck na corrida presidencial, o governo Temer entra numa nova etapa. A visível guinada para a área de segurança, no entanto, não exclui a aposta na economia. Seja para melhorar seu legado no pós-2018 ou para amparar uma eventual candidatura do presidente à reeleição, caso outros personagens do chamado centro, especialmente o tucano Geraldo Alckmin, não se consolidem a curto prazo. Mesmo que essa candidatura vá na contramão dos índices de popularidade do governo e do próprio Temer.

A esperança é que, com o passar dos meses, o eleitorado finalmente reconheça os sinais firmes de retomada, tornando menos pedregoso o caminho até as eleições. Nesse novo quadro, o governo estaria combinando o ativismo na área da segurança, uma das mais sensíveis para a população – o que poderia esvaziar a repercussão do discurso do presidenciável Jair Bolsonaro em determinados setores – com uma estratégia tipo “mais do mesmo” na economia. A justificativa para essa estratégia é que a economia continua mostrando um desempenho razoável e os riscos de reversão dessa trajetória a curto prazo são reduzidos.

Marcus André Melo: Zuma, Lula e o mensalão

- Folha de S. Paulo

Lá e cá, governos sobreviveram devido ao seu controle sobre o parlamento

Entrevistei Andrew Feinstein —pivô do mega escândalo conhecido como Arms Deal (compra de armas)—, no aeroporto de Joanesburgo, quando ele retornava para Londres onde se exilara voluntariamente.

Acedeu ao encontro pelo seu interesse no mensalão. O ex-militante antiapartheid era "protegé" de Nelson Mandela e tornou-se membro do parlamento pelo CNA (Congresso Nacional Africano).

Presidente do Scopa (Comitê Parlamentar de Contas Públicas), Feinstein recebeu um relatório do AGSA (Auditor General), espécie de TCU sul-africano, com suspeitas sobre a compra de submarinos e caças no valor de US$ 5 bilhões. Feinstein recusou-se a fazer vista grossa —US$ 85 milhões teriam sido pago de propina ao CNA— e deu grande publicidade ao caso que se tornou o maior escândalo da história do país até então.

Uma força tarefa de magistrados conhecida como Skorpions foi criada e um juiz —Willem —Heath adquiriu protagonismo na investigação do caso: empresários ligados ao vice-presidente Jakob Zuma foram presos, levando à sua demissão pelo CNA.

Fernando Limongi: A ilusão da prepotência

- Valor Econômico

Preparava chegar ao Alvorada como quem vai à Ilha de Caras

Luciano Huck desistiu. Ainda bem. O apresentador decidiu nos livrar da ambição do aprendiz de político. Alguém teve bom senso. Os "aloprados" que investiam na sua candidatura choram a perda do candidato de ocasião.

O episódio pede reflexão. A candidatura natimorta resultou da combinação letal de altas doses de três ingredientes: oportunismo, ingenuidade e prepotência.

Oportunismo: recorre-se a um nome popular para vencer a eleição. Não importa quem seja, contam apenas as pesquisas de intenção de voto. Deste ponto de vista, nada distingue Tiririca de Huck. Um Tiririca de grife, vindo dos Jardins e com passagem em cursinhos de moral e cívica. Mas Huck não passa de uma celebridade com veleidades políticas. O apresentador se preparava para habitar o Alvorada como quem embarca para a Ilha de Caras.

Puro oportunismo eleitoral adornado com pílulas de renovação da política. Onde está a novidade? Onde está o combate à "velha política"? Huck já havia renunciado. Voltou a considerar abraçar o "projeto" depois que os três do TRF-4 inviabilizaram a candidatura Lula. Desistiu porque temia perder. Com a raia livre, veio o apelo ao sonhador.

*Denis Lerrer Rosenfield: E o Brasil?

- O Estado de S. Paulo

O Estado foi capturado por seus estamentos, prioritariamente na defesa dos privilégios

Engana-se quem pensa que o Brasil enfrenta apenas um problema do governo Temer ao defrontar-se com a reforma da Previdência. A questão é muito maior, por dizer respeito ao Brasil, acima de qualquer interesse corporativo e partidário-eleitoral. O atual governo não terá dificuldades em fechar suas contas no corrente ano, mas o próximo se debaterá com esse grave problema desde o início. Se a reforma da Previdência não for feita agora, terá necessariamente de ser realizada pelo próximo mandatário, queira ele ou não.

Qualquer partido ou governante deverá curvar-se à dureza dos fatos e das contas públicas. A ficção tem limites.

O que estamos presenciando são subterfúgios estamentais, ideológicos e eleitorais que procuram escamotear e velar a urgência de uma reforma necessária. O ruído é tanto que termina relegada a questão central do que é melhor para o Brasil, embora os contendores encham a boca com a suposta defesa que fazem da justiça social, quando, na verdade, pensam exclusivamente em seus privilégios. Partidos políticos e corporações do Estado perseguem os mesmos objetivos ao sabotarem a reforma da Previdência, cada personagem centrado em seus interesses próprios.

Marcus Pestana: 2018 saúda o povo e pede passagem

- O Tempo (MG)

Já virou lugar-comum dizer que a vida só começa depois do Carnaval. Parece um processo catártico coletivo que compreende a metabolização da herança do ano anterior e a explosão das expectativas para o ano que se inicia. Isso transborda no Carnaval, quando cada um pode ser o que não é, fantasiar a realidade e esculachar autoridades, pop stars e adversários eleitos como alvo. No sambódromo do Rio, poesia, lirismo, tradições e sátiras políticas levantam as arquibancadas. A sensação de orfandade da população nos dias atuais ganha uma tradução no belíssimo samba-enredo da Beija- Flor.

Mas, tiradas as fantasias na Quarta-Feira de Cinzas, não há como não encarar nossa complexa realidade. É evidente que é melhor viver de fantasia, sonho e poesia. Mas é preciso navegar.

Menos de oito meses nos separam da mais complicada e misteriosa eleição da história recente do Brasil. Será um divisor de águas. A Nova República encontrará seu fecho. Não aquele sonhado por seus fundadores, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Franco Montoro. Mas aquele resultante de nossas mazelas e erros acumulados nas últimas décadas.

A Constituição Cidadã, como quis Ulysses, completa 30 anos. Nem por isso consolidamos o Brasil justo, democrático e próspero que sonhávamos.

Leandro Colon: Aposta de alto risco de Temer

- Folha de S. Paulo

No primeiro arrastão, Pezão já sabe o que dizer à população: procure o Planalto

O governo de Michel Temer passou dois meses anunciando que no dia 19 de fevereiro daria início à discussão da reforma da Previdência no plenário da Câmara.

Chega-se, enfim, ao tão esperado dia. Findada a folia carnavalesca, os deputados retornam a Brasília. O ano começa para valer, mas não para votar a mudança na aposentadoria. A prioridade é aprovar o decreto de intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

É vetado ao Congresso mudar trechos da Constituição enquanto a medida de intervenção federal estiver em vigor —no caso do Rio, até dezembro. Diante disso, a reforma da Previdência respira sob aparelhos.

Ao discursar na cerimônia de anúncio da ação federal no Rio, Temer não se intimidou em admitir a hipótese de dar um jeitinho para votá-la: suspenderia o decreto temporariamente para que o Congresso pudesse então apreciar a proposta.

Ricardo Noblat: O que importa com a intervenção no Rio

- Blog do Noblat

A tomar café frio e ver a grama crescer à sua porta, Temer preferiu arriscar-se

Estamos de acordo: uma vez que era iminente a derrota na Câmara dos Deputados da proposta da reforma da Previdência Social, o presidente Michel Temer precisava arranjar o que fazer até que seu mandato chegue ao fim em 31 de dezembro próximo.

Ou arranjava ou começaria pagar o preço sempre cobrado ao político às vésperas de despedir-se do poder: tomaria café frio e, à falta de visitas, assistiria ao crescimento da grama à porta dos palácios onde dá expediente ou mora com a família. É sempre assim.

Foi assim, por exemplo, com José Sarney, o presidente empossado pela junta médica que cuidou – e cuidou mal – do presidente eleito Tancredo Neves. No último ano do seu governo, Sarney tornou-se uma figura irrelevante, da qual quase todos os políticos queriam distância.

A intervenção na insegurança pública do Rio foi a maneira esperta, talvez a única, para que Temer avisasse aos interessados: estou vivo e não pretendo morrer antes do tempo. Se o resultado for apenas sofrível, ele sairá no lucro. Se for um desastre, dirá que tentou e não fugiu à luta.

Bobagem a história de que os militares, treinados para matar, não saibam o que fazer para contornar o colapso das forças policiais de um Estado. Esse é um dos papéis que lhes cabem de acordo com a Constituição. São treinados para isso também. Têm planos para tudo.

Angela Bittencourt: Temer poderá ampliar legado e lustrar biografia

- Valor Econômico

Em 2018, renda disponível poderá crescer R$ 198 bi

O presidente quer defender o legado do seu governo na eleição de outubro e essa intenção deverá filtrar o candidato de centro-direita que receberá apoio do Planalto na urna. Michel Temer, que conduz à sucessão o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, afastada por crime de responsabilidade, também poderá tentar a reeleição. Contudo, com a intervenção na segurança do Rio e incentivo ao consumo ele poderá ampliar seu legado e lustrar sua biografia. Com bônus.
Enquanto a reeleição soa tarefa solitária, proporcionar mais bem-estar aos brasileiros tende a uma mobilização capaz de integrar outras áreas do governo até agora condenadas a angariar votos para a reforma da Previdência e sem muito sucesso. Também por esse motivo, na sexta-feira a chance de aprovação dessa reforma era tida como página virada pela intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro.

Expectativas estão sendo escoadas para a intervenção. E se a ação do Exército Brasileiro não decepcionar, uma melhora de humor sobretudo nos grandes centros urbanos poderá impulsionar um pouco mais de atividade. Chegar a esse estágio em seis meses, até às vésperas da eleição, está longe de fácil ou simples, mas se montam condições favoráveis ao mesmo tempo em que defensores da reforma previdenciária reconhecem que ela terá tratamento mais adequado no próximo governo.

O Brasil saiu da recessão que produziu um contingente de desempregados, mas também derrubou inflação e juro, além de impulsionar uma redução inédita de endividamento. Neste início de 2018, apenas 21% do orçamento das famílias estão comprometidos com o pagamento de dívidas, excluindo da conta despesas com crédito imobiliário. E a perspectiva de aumento da renda disponível em R$ 198 bilhões neste ano é o resultado mais eloquente dessa desalavancagem. Esse montante equivale a 2,2% do PIB.

A recuperação vai se consolidando: Editorial/O Estado de S. Paulo

O quadro de recuperação da economia nacional fica mais claro, e quase completo, com a reação do setor de serviços, ainda lenta e restrita. No Brasil, a evolução dos serviços normalmente reflete, com algum atraso, o avanço da indústria, da agropecuária e do comércio de bens. O setor tem grande peso na composição do Produto Interno Bruto (PIB), mas seu vigor depende do dinamismo dos demais. Em outros países, segmentos como turismo, finanças, call centers e transportes, para citar alguns exemplos bem conhecidos, têm vida própria e são geradores importantes de receita em moeda estrangeira. Podem prosperar mesmo quando outras áreas de atividade vão mal. Não é, pelo menos até agora, o caso do Brasil, onde a produção material se mantém como a principal fonte de movimento e vigor para todo o sistema.

Essa dependência foi confirmada com muita clareza no ano passado. Só o segmento de transportes fechou o ano com desempenho melhor que o do ano anterior – crescimento de 2,3% em relação ao resultado de 2016. Esse resultado foi uma clara consequência do aumento da produção da indústria e da agropecuária, da expansão do comércio interno e do avanço das exportações.

Os demais segmentos tiveram desempenho mais fraco, embora com tendência de melhora, especialmente nos meses finais de 2017. Em dezembro, a produção do setor de serviços foi 1,3% maior que a de novembro e 0,5% superior à de dezembro do ano anterior. Em 12 meses, no entanto, a produção acumulada foi 2,8% menor que a de 2016. Mesmo esse resultado, no entanto, foi o mais animador depois de 2014, quando o volume produzido cresceu 2,5%. Em 2015, a perda foi de 3,6%. Em 2016, de 5%.

Por mais avanços: Editorial/O Globo

A reforma que já vigora é um passo na direção certa, mas, além de avanços, é preciso evitar retrocessos

A reforma política sancionada no ano passado é um avanço em relação às regras que estavam em vigor, mas um passo pequeno diante do necessário. O que não significa desmerecer a importância das mudanças. As regras eleitorais, de que tantos se beneficiaram para compor alianças artificiais, sem qualquer conteúdo programático, chegaram ao limite. A lassidão das normas para criação de partidos, por exemplo, permitiu tamanho desregramento na geração artificial de legendas que as grandes e médias perceberam que o custo dessa indústria era alto e crescente. Mais ainda com o fim do financiamento empresarial de campanha. Mesmo que viesse a ser ampliado o financiado público — como foi, contra o interesse do contribuinte —, o crescimento de aspirantes a este dinheiro ameaçava reduzir a cota de cada um.

Interesses bem varejistas como este voltaram a viabilizar a instituição de uma cláusula de desempenho, para estabelecer o mínimo de votos de que cada partido precisa para constituir bancada no Legislativo, com as prerrogativas desta representatividade, incluindo participação no horário de propaganda eleitoral. Em 1995, o Congresso aprovou uma cláusula que barraria a entrada nas Casas legislativas de legendas nanicas, muitas das quais de aluguel, balcões de negócio. Como são. Entraria em vigor dez anos depois. Em 2016, infelizmente, o Supremo suspendeu a cláusula, em nome do direito de expressão das minorias. Um erro. Ora, o partido que não tem votos suficientes não desaparece, apenas não é tratado com as mesmas prerrogativas cedidas às legendas mais votadas. Assim é a democracia representativa.

Desgoverno: Editorial/Folha de S. Paulo

Embora seja inquestionável o caos no Rio, intervenção suscita dúvidas a respeito de sua motivação e eficácia

O governador Luiz Fernando Pezão (MDB) reconheceu, para todos os efeitos, sua incapacidade de gerir a crise de segurança pública no Rio de Janeiro, embora na prática a falência orçamentária e um ensaio de anomia há muito sejam o padrão geral do Estado.

A intervenção federal determinada naquele setor da administração fluminense preenche os requisitos formais, devendo ainda passar pelo crivo do Congresso. Nem por isso suas motivações e suas chances de eficácia deixam de suscitar dúvidas, reservas e temores.

Trata-se, sem dúvida, de um lance de risco. Se é inquestionável a gravidade da situação no Rio, a medida abre precedentes para ações similares em outras regiões do país —em Pernambuco, por exemplo, a criminalidade também tem avançado de modo alarmante, com indicadores até piores.

O governo federal se sujeita a um teste crítico: se falha a intervenção, recurso extremo, as opções restantes perdem credibilidade.

Dividido, Copom faz o ajuste fino da política monetária: Editorial/Valor Econômico

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central chega dividido ao fim de mais um ciclo de distensão monetária, mas não se deve exagerar as divergências. O que está em jogo é um ajuste fino em março, de 0,25 ponto percentual, depois de os juros básicos da economia caírem de 14,25% ao ano para 6,75% ao ano. A discussão relevante será, em breve, quanto tempo a Selic ficará no terreno estimulativo.

A ata da reunião de fevereiro do Copom, divulgada na última quinta-feira, informa que alguns membros do colegiado queriam comunicar mais fortemente que o ciclo de baixa de juros terminou. Outros pretendiam enfatizar as chances de uma nova baixa de juros, caso o cenário inflacionário se mostre ainda mais favorável que o esperado. Por fim, decidiu-se por uma mensagem salomônica, indicando que o ciclo de distensão monetária chegou ao fim, a menos que haja surpresas positivas nos próximos meses.

O Copom destaca no documento alguns fatores que vai acompanhar com especial atenção para decidir o que vai fazer em março. De um lado, o BC poderá cortar os juros a 6,5% ao ano se os núcleos de inflação seguirem muito baixos e se houver alguma notícia positiva que retire riscos da economia. Do lado negativo, que poderia fazer o Copom manter a Selic em 6,75% ao ano, está uma eventual piora no cenário internacional ou uma recuperação mais consistente da economia brasileira.

Em 2017, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 2,95%, abaixo tanto do centro da meta (4,5%) quanto do piso (3%). Em boa parte, isso se deveu a uma queda de 5% nos preços de alimentos. O Banco Central prefere acompanhar os núcleos, que descartam os preços mais voláteis, para identificar a tendência da inflação. Esses indicadores, porém, têm emitido sinais ambíguos.

O Copom destacou que em novembro alguns dos núcleos ficaram muito baixos, indicando que a inflação poderia se perpetuar próximo do piso da meta. Em dezembro, os núcleos subiram a um patamar descrito pelo Banco Central como confortável, consistente com a convergência da inflação para o centro da meta. Mas, em janeiro, os núcleos caíram de novo. Se seguirem tão baixos, o Copom provavelmente cortará os juros, para evitar que a inflação fure de novo o piso da meta. Se subirem para níveis mais confortáveis, a tendência é a Selic ficar onde está.

'Alienação eleitoral é alta no Brasil mesmo com voto obrigatório'

Para o professor da UFRN Homero de Oliveira Costa, número de votos brancos, nulos e abstenções deve aumentar este ano no País

Julia Lindner / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O cientista político Homero de Oliveira Costa, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), considera que o número de votos brancos, nulos e abstenções deve aumentar este ano no Brasil. Em entrevista ao Estado, Costa afirma que o comportamento chamado de “alienação eleitoral” ocorre desde a década de 1990 no mundo todo principalmente por causa da crise de representatividade dos partidos. E diferentemente de outros países, destaca o professor, o Brasil chama a atenção por apresentar altos índices desse fenômeno, mesmo possuindo voto obrigatório.

Homero, que é mestre em Ciência Política pela Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, realizou um estudo sobre o tema. O trabalho resultou no livro Democracia e representação política no Brasil: uma análise das eleições presidenciais (1989-2002).

Veja os principais trechos da entrevista.

• Pesquisas recentes apontam a tendência de que haja um grande número de votos brancos, nulos e abstenções nas eleições deste ano. Por que isso ocorre?

Esse é um problema complexo que vem desde os anos 1990 e, variando de país para país, há um aumento, principalmente, nas abstenções e especialmente nos países que não têm voto obrigatório. Não tem uma resposta única, mas uma das teorias é sobre a descrença nos partidos. Nas eleições recentes do Chile e da França, o número de abstenções foi muito expressivo. Os partidos não representam o eleitorado, há uma crise de representação que eu acho que é a coisa mais geral. A particularidade do Brasil é que esses índices são altos mesmo com o voto obrigatório.

• Por que há a descrença nos partidos no Brasil?

Os partidos em geral são apenas veículos para viabilizar eleições. Muitos são legendas de aluguel que se organizam para ter acesso ao fundo partidário, como está ocorrendo agora nas articulações para as eleições. Não têm militância. As formas como se organizam são de cima para baixo. Não têm, além de raras exceções, partidos de base.

• Mas é um fenômeno atual?

Não é específico de hoje. Em 1998, há 20 anos, o somatório dos votos brancos, nulos e abstenções foi quase igual aos votos dados ao presidente eleito em primeiro turno, Fernando Henrique Cardoso – somando-se a abstenções com os votos brancos e nulos (38.351.547), a alienação eleitoral foi maior do que os votos dados a FHC (35.936.540). O mesmo aconteceu com a maioria dos governadores eleitos naquela época. Então é um problema que já vem há muito tempo.

• Há como coibir a alienação eleitoral?

Há campanhas do próprio Tribunal Superior Eleitoral mostrando a importância do voto exatamente por saber também isso. Agora, uma coisa importante é saber que não são a mesma coisa os votos brancos, nulos e abstenções. Votos nulos são mais politizados. Só que a urna eletrônica torna muito mais difícil votar nulo. Votar em branco é mais fácil porque você não aperta lá um número, mas votar nulo é mais complicado (porque é preciso digitar um número de candidato inexistente). Tornou mais difícil se votar nulo com a urna eletrônica.

• A não obrigatoriedade do voto deixaria ainda mais evidente essa alienação eleitoral?

Se o voto não fosse obrigatório no Brasil, certamente esses índices de abstenções seriam bem maiores. As pessoas vão forçadas muitas vezes a votar pelo fato de ser obrigatório, embora a multa seja irrisória. Muitos defendem a permanência do voto obrigatório porque seria uma forma de participar, mas é uma participação extremamente limitada. Numa democracia, a participação não pode se restringir ao ato de votar apenas, mas a gente não tem mecanismos no Brasil que possam estimular as pessoas a participar efetivamente. Por isso defendo o voto facultativo como direito que o eleitor tem de não votar porque não acredita nos partidos e em seus representantes. Eles têm todo direito, como ocorre na imensa maioria do mundo.

• O que ocorreria com o voto facultativo?

Nos países que não têm voto obrigatório o índice de votos brancos e nulos é pequeno. Se é facultativo, vou expressar minha indignação votando nulo, então, não tem sentido eu sair de casa para votar em branco. Mas acho que o número maior seria de abstenções, vamos dizer, as pessoas nem sequer iriam votar, como ocorre na maioria das democracias representativas sem voto obrigatório.

Intervenção é popular e de alto risco

Por Raymundo Costa | Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo Michel Temer decidiu ser protagonista na eleição e dentre as medidas que vem adotando a mais popular - e a de mais alto risco - é a intervenção na segurança pública do Rio. Enquetes feitas na internet mostram que, pelo menos no primeiro momento, a população aplaudiu. A reforma da Previdência foi sacrificada.

Na realidade, a intervenção foi conveniente. Com o descontrole da segurança no Rio, o próprio governador do Estado lavou as mãos. O governo só precisou coragem para implementar uma medida que, se tiver sucesso, vai beneficiá-lo. Ele assume a bandeira da segurança que hoje tem um dono - o deputado Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas. Não foi por outro motivo que Bolsonaro foi um dos primeiros a condenar acidamente a decisão.

A solução para a segurança do Rio não se dará do dia para a noite, mas a situação é tão dramática que até uma mudança cosmética pode ter efeito. Pode não beneficiar eleitoralmente Temer, mas um candidato da situação. Na aliança sonhada no Planalto, liderada pelo MDB, cabem DEM, PP, PR, PTB, PRB e semelhantes.

Reforma perde para chances de reeleição
No tabuleiro da sucessão, o presidente Michel Temer sacrificou a reforma da Previdência por uma possível candidatura à reeleição. Não está nos planos do governo suspender a intervenção federal no Rio de Janeiro para votar a proposta. A menos que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em algum momento diga o contrário do que até agora tem afirmado: 'Há votos suficientes para aprovar'.

A intervenção no Rio de Janeiro também reduz as possibilidades da candidatura presidencial do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Não há espaço para duas candidaturas no campo governista em disputa. O governo, evidentemente, não assume o caráter eleitoral da medida. "É uma decisão de política pública", diz o ministro Moreira Franco, da Secretária-Geral da Presidência, um dos principais articuladores da intervenção no Palácio do Planalto.

Ibope mostrou que preocupação com violência dobrou em um ano

Por Ricardo Mendonça | Valor Econômico

SÃO PAULO - Pesquisas realizadas nos últimos meses pelo Datafolha e pelo Ibope ajudam a dimensionar a crescente preocupação dos brasileiros com a segurança, a insatisfação com políticas públicas do setor e o apelo popular que o tema desperta. Na sexta, em ato inédito desde a redemocratização, o presidente Michel Temer decretou intervenção federal na área de segurança do Rio. Um general foi designado interventor. Os resultados dos levantamentos mais recentes sugerem que ações excepcionais desse tipo - em especial as que envolvem as Forças Armadas - podem ter relevante impacto eleitoral.

Conforme o Ibope, a preocupação dos brasileiros com violência e segurança dobrou no intervalo de um ano. A constatação foi feita pela pesquisa Retratos da Sociedade Brasileira, realizada sempre em dezembro por encomenda da Confederação Nacional da Indústria. No fim de 2016, 19% dos brasileiros citavam a área no rol das mais problemáticas do país. Foi o quarto tema do ranking, atrás de desemprego, corrupção e saúde. Na pesquisa mais recente, violência e segurança continua em quarto lugar, mas as citações saltaram para 38%. Nos dois casos, foram ouvidas 2 mil pessoas, com margem de erro de dois pontos.

Na primeira pesquisa, o Ibope perguntou a cada entrevistado se ele ou alguém da família havia sido vítima de furto, assalto ou agressão nos 12 meses anteriores. Quase metade dos moradores das regiões Norte e Centro-Oeste responderam que sim (46%). No Nordeste, o sim alcançou 44%. Sudeste e Sul registraram 37% e 31%, respectivamente.

Com outra abordagem, um estudo nacional do Datafolha com 2.087 entrevistas em março de 2017 encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública confirmou como a questão está presente no dia a dia da maioria.

Decisão afeta eleições e disputa interna do MDB do Rio

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - A crise de segurança no Rio, com o decreto de intervenção federal, pode mexer com algumas peças no ainda confuso tabuleiro político-eleitoral fluminense. O MDB, cujos governos Pezão e do antecessor Cabral são responsáveis pela anomia em que o Estado se encontra, terá que repensar o plano de lançar ao Palácio Guanabara o jovem secretário estadual de Assistência Social, Pedro Fernandes, de 34 anos de idade. Ele é a alternativa ao ex-prefeito Eduardo Paes, cuja saída do partido é dada como certa, para evitar o desgaste da imagem do MDB.

A intervenção federal imprime o carimbo de fracasso total da política de segurança de Pezão, que culminou com a onda de violência no Carnaval. Qualquer candidato do MDB sairá em desvantagem, ainda que tente se vender como algo novo. O secretário e deputado estadual licenciado é filho da vereadora Rosa Fernandes, uma chefe política tradicional com reduto no Irajá. Tem o mesmo nome do avô, que exerceu dez mandatos na Assembleia Legislativa.

Junta-se aos outros filhos de caciques emedebistas, Leonardo Picciani e Marco Antônio Cabral, que passaram a comandar o partido depois que os pais, o ex-presidente da Assembleia Jorge Picciani e o ex-governador Sérgio Cabral, foram presos por corrupção. A nova geração tem o DNA da velha. Pertencer ao MDB será tóxico para qualquer candidato a governador. Ou a deputado.

E é por isso que a intervenção federal também pode ser compreendida como uma jogada política e partidária. Trata-se da oportunidade de o MDB nacional, sob o ponto de vista eleitoral, separar sua imagem - que não é nada boa - da imagem do MDB do Rio, que é péssima. Se for bem-sucedida, a decisão de Temer, aponta um político fluminense, atenderia dois supostos objetivos do homem de confiança do presidente, o ex-governador do Rio e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco.

'Há espaço para duas candidaturas de Alckmin em SP', diz Aníbal

Entrevista com José Aníbal, ex-senador e presidente do Instituto Teotônio Vilela

Pré-candidato ao governo, José Aníbal elogia lealdade do atual vice Márcio França, do PSB, e critica João Doria

Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo

O ex-senador José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela, centro de estudos e formulação política do PSDB, sugeriu, em entrevista ao Estado, que o prefeito João Doria desista de disputar a vaga ao governo do Estado e fique no cargo. Aníbal, que é um dos pré-candidatos ao Palácio dos Bandeirantes, também considera que há espaço em São Paulo para duas candidaturas da base de Geraldo Alckmin. Veja os principais trechos da entrevista.

• O sr. admite a possibilidade de o PSDB apoiar o vice-governador Márcio França, do PSB, na disputa pelo governo paulista?

Pensou-se na ideia de trazer o Márcio França para o PSDB. Estive com ele recentemente. Márcio, porém, acha difícil essa ideia progredir. Quanto à ideia do PSDB não ter candidato, já vimos que a maioria do partido deseja que tenha.

• Então, estão descartadas essas possibilidades?

Em princípio acho que sim. O partido quer ter candidato, mas deve haver uma construção. Não temos nenhuma candidatura óbvia e inquestionável. A pressa, se prevalecer, vai prejudicar a construção da candidatura.

• O sr. defende prévias em maio para definir o candidato ao governo. A ideia é para forçar o prefeito João Doria a deixar o cargo caso queira ser o candidato?

Se o nosso prefeito está tão determinado a sair da Prefeitura, ele fará isso com ou sem prévias. Eu pessoalmente acho que ele deveria ficar e ter um desempenho em sintonia com o que pregou durante a campanha: uma gestão eficiente. João Doria deve ajudar quem o ajudou. O Geraldo foi muito presente na campanha dele. Mobilizou o partido. O prefeito já ficou namorando no ano passado a hipótese de uma candidatura presidencial, mas as coisas não andaram por ali. Agora ele tem essa coisa de candidatura a governador. Se você fizer uma pesquisa, ele está na frente de todos. É prefeito e tem um trabalho de comunicação intenso e permanente, mas esses climas que vão sendo criados em geral são sucedidos por um anticlímax.

• Em 2008, a candidatura de Alckmin à Prefeitura de São Paulo foi ‘cristianizada’ e ele não teve apoio de muitos tucanos, que apoiaram Gilberto Kassab (PSD). Isso pode se repetir caso se formem dois palanques da base na disputa pelo governo?

Em 2008, o processo foi muito infeliz. Faltou diálogo. Teve gente do PSDB que não fez a nossa campanha. Mas eu acho que não será assim agora. Há um espaço enorme no eleitorado de São Paulo para duas candidaturas da base do governador. Na última eleição, o Alckmin teve 57% dos votos. São 12 ou 13 milhões de votos. A candidatura do PSDB não nos obriga a hostilizar o Márcio França. Pelo contrário. Márcio tem sido um leal companheiro do Geraldo Alckmin.

• Se o PSB nacional não apoiar o Alckmin à Presidência, esse cenário em São Paulo pode mudar?

Não sei se será possível um apoio integral do PSB. Mas certamente ele vai ter algum apoio no partido. O apoio do PSB ao Alckmin não está vinculado ao fato do PSDB ter candidato em São Paulo. Está mais vinculado ao desejo de manter uma relação amistosa com Márcio França. Vamos disputar o mesmo universo de eleitores, com ele podendo agregar mais porque tem composições à esquerda.

• O sr. acredita que a aproximação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso com o apresentador Luciano Huck constrangeu o PSDB?

Valeu muito uma conversa que eles tiveram há uma semana. Huck é um excelente comunicador e tem muita sensibilidade, mas não é fácil governar o Brasil. Acho que o presidente sugeriu a ele não aceitar. A decisão do Huck foi correta.

• Huck teria uma predileção natural a apoiar o Geraldo Alckmin?

Não posso falar por ele. Mas vejo ele próximo, além do Fernando Henrique, do Andrea Calabi (padrasto de Huck, ex-ministro de FHC e ex-secretário de Alckmin) e do (ex-presidente do Banco Central) Armínio Fraga, que têm a sensibilidade do PSDB. Isso me faz imaginar que, se ele vier a manifestar sua intenção de voto ou apoio, o mais natural é que seja no PSDB, ao Geraldo Alckmin.

• Doria tem sido um dos interlocutores do PSDB mais próximos de Temer. Que leitura faz da distância entre Alckmin e o presidente?

Eu não divulgo isso, mas converso com o presidente Temer com frequência. Almocei com ele na semana passada no Palácio do Planalto. Ele me disse que quer ter uma conversa com o Geraldo. Acha que é um bom momento para isso. O presidente Temer conversa com várias pessoas do PSDB, como o (José) Serra e o Aloysio Nunes. Eu tenho uma amizade com ele há muito tempo.

• O prefeito de Manaus, Arthur Virgilio, fez críticas duras a Alckmin, que é pré-candidato à Presidência. Ele passou dos limites?

Eu acho que sim. Nós tivemos uma reunião com ele em Brasília, há duas semanas, na qual participaram cinco ex-presidentes do PSDB: Tasso Jereissati, Pimenta (da Veiga), Teotônio Vilela, Alberto Goldman e eu. Dissemos que não faz sentido ficar atacando. A disputa interna deve servir para construir convergência. Nós até brincamos: passamos nossos números de celular e dissemos que, se houver qualquer problema, é só ligar.

Cecília Meireles: Leveza

Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
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– Cecília Meireles, em “Obra poética”. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.