sexta-feira, 16 de março de 2018

Opinião do dia: Editorial |O Estado de S. Paulo

Nos últimos tempos, não têm sido meros casos isolados os atropelos à Constituição por parte de alguns ministros do STF. Alguns, motivados por uma autoatribuída missão de salvação do País, recorrem ao inquestionável argumento do combate à corrupção para fazer dele o atalho para corações e mentes que leva ao império das vontades da toga sobre os ditames da Lei Maior.

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Editorial | O Estado de S. Paulo, 15/3/2018: “O STF como Corte penal”

MARIELLE PRESENTE

- O Globo

Multidão homenageia vereadora, e comoção toma conta do país

Nas ruas e nas redes sociais, a revolta contra o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes mobilizou o Brasil. A hashtag #MariellePresente dominou o Twitter, com 600 mil menções. Cerca de 50 mil pessoas no Rio e 30 mil em São Paulo participaram de protestos contra as mortes. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, veio à cidade e defendeu que a apuração do crime não fique apenas na esfera estadual.

Um crime, 46.502 votos, milhares de brasileiros

“Muita tristeza pelo assassinato de Marielle. Muita tristeza pela situação crítica em que chegamos e pela ineficácia do poder público”
Marisa Monte
Cantora

“Acreditava na força política dela. Mulher iluminada. Todos temos que estar na rua. A morte dela não pode ser em vão”
Igor AngelKort
Ator, que participou da manifestação

“A única certeza é a morte. Enquanto ela não vem, a gente tem que lutar por um mundo justo”
Silvia Mendonça
Ativista do Movimento Negro

Um dia antes, ela deixou no ar a frase que marcaria sua despedida da vida: “Quantos ainda vão ter que morrer?”. Cria da Maré, maior complexo de favelas do Rio, Marielle Franco passou as últimas décadas repetindo essa pergunta, que começou a fazer aos 19 anos, quando começou a militância política. Anteontem, os sonhos da ativista, mulher negra da favela, foram abatidos a tiros. A Marielle que inquiria, que cobrava as autoridades, virou a razão da pergunta. Milhares de pessoas foram ontem para as ruas do Rio e de São Paulo, Brasília, Salvador e Belo Horizonte exigir uma resposta para a execução da vereadora do PSOL, de 38 anos. Revolta, dor e a sensação de que chegamos a um limite intransponível tomaram conta de todo o país.

— Marielle, presente! — gritava a multidão que se reunia em frente à Câmara de Vereadores, onde o corpo de Marielle chegou, sob aplausos, por volta das 14h30m. A palavra de ordem era “Justiça! Justiça! Justiça!”.

Os gritos ecoaram forte no estado, avançaram pelo país e mobilizaram intelectuais e artistas. Insone, Caetano Veloso tocou “Estou triste”, de sua autoria, ainda na madrugada de ontem, nas redes sociais, para ela, Marielle. Jornais do mundo inteiro deram destaque para o caso, organizações de defesa de direitos humanos se mobilizaram, e a ONU pediu uma investigação “minuciosa e transparente” para as mortes da vereadora e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, de 39 anos. Marielle deixa uma filha de 20 anos e Anderson, um bebê.

Uma resposta rápida para o crime brutal também passou a ser um desafio para a intervenção federal, que assumiu a segurança do estado — a primeira vez que isso acontece no Brasil desde a Constituição de 1988. O assassinato é investigado pelas polícias fluminenses, pela Polícia Federal, pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelas Forças Armadas. Fundamentalmente, apurar a morte de Marielle virou uma questão de honra, uma questão de todos. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, que esteve no Centro Integrado de Comando e Controle do Rio, foi categórico ao dizer que os responsáveis por tamanha brutalidade serão encontrados e punidos.

A investigação ganha assim status federal, embora esteja sob a responsabilidade da Polícia Civil do Rio. Para os que estudam os fenômenos que afetam a segurança, o assassinato da vereadora Marielle Franco, ao se transformar numa causa coletiva, aumenta o peso da responsabilidade do general Walter Braga Netto, dando voz aos que, desde o início, são contrários à intervenção no estado ou validando-a, o que vai depender dos resultados da investigação.

Por seus sonhos, suas atitudes e sua origem, Marielle — quinta vereadora mais votada na cidade — é símbolo de importantes bandeiras e demandas sociais. No ano passado, mais de seis mil pessoas foram assassinadas no estado, e a maioria das vítimas era negra e pobre. Um passivo grande, tensionado e acumulado ao longo de anos, que só precisava da gota d’água para extravasar. As imagens da Avenida Rio Branco, com 50 mil pessoas, e da Avenida Paulista, com 30 mil, segundo os organizadores, falam por si. O que elas querem dizer é que mataram Marielle, mas não os 46.502 votos que recebeu em 2016, muito menos a vontade de cariocas que se juntaram e se levantaram, indignados, contra a barbárie que nos ameaça e apequena o Rio.

Comoção nas ruas do Rio e de todo o país

Milhares de pessoas se despedem de vereadora e motorista e participam de protestos pelas duas mortes

“O Estado deve garantir uma investigação imediata e rigorosa do assassinato da vereadora Marielle Franco” Anistia Internacional Organização não-governamenta

“Ficamos chocados com essa notícia. Nesses momentos a sociedade sofre muito, mas não se cala, nem há de se calar” Ministro Luiz Fux Presidente do Tribunal Superior Eleitoral 

“É inaceitável, inadmissível, como os demais assassinatos que ocorreram no Rio. É um atentado ao estado de direito e à democracia” Michel Temer Presidente da República

Polícia acredita em execução de vereadora; atos reúnem multidões

Marielle Franco havia denunciado supostos crimes cometidos por PMs; ataque desafia intervenção federal, que completa 1 mês

- O Estado de S. Paulo.

A Polícia Civil do Rio investiga a hipótese de execução para o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), anteontem à noite no centro do Rio. Ela estava com o motorista Anderson Gomes, também morto no ataque, e uma assessora, que prestou depoimento à polícia. Eles foram enterrados ontem. Criada na Maré, Marielle tinha 38 anos, era ativista dos direitos humanos e estava no primeiro mandato. No sábado, ela denunciou nas redes sociais supostos crimes que teriam sido cometidos por PMs do 41.º Batalhão na favela de Acari. A unidade é considerada a que mais mata no Rio. A ação dos criminosos é vista como uma afronta à intervenção federal no Estado, que completa um mês hoje sem resultados expressivos. O assassinato de Marielle mobilizou multidões, que foram às ruas em diversas cidades, e autoridades. O ministro da Segurança, Raul Jungmann, afirmou que a PF vai auxiliar nas investigações. O presidente Michel Temer disse que o crime é “inaceitável”. Houve manifestações dos ministros do STF e na Câmara dos Deputados.

Mataram a minha mãe e mais 46 mil eleitores. Nós seremos resistência porque você foi luta.”
LUYARA SANTOS, FILHA DE MARIELLE

Episódio triste e lamentável, o assassinato de uma representante do povo resulta de anos de política de segurança equivocada.
CLAUDIO LAMACHIA, PRES. DA OAB

A Polícia Civil do Rio trabalha com a hipótese de execução para a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), ocorrida na noite de anteontem, na região central do Rio. Ontem, uma multidão foi às ruas no Rio e em capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Recife para cobrar justiça, e houve forte mobilização nas redes sociais. Ativista de direitos humanos, Marielle, de 38 anos, levou quatro tiros quando voltava de uma reunião, acompanhada pelo motorista Anderson Pedro Gomes, de 39 anos, e uma assessora parlamentar. Gomes também morreu.

A direção dos disparos contra o carro, para investigadores, é um dos indícios de que houve ataque premeditado. Embora os vidros do veículo de Marielle estivessem cobertos por película escura, os assassinos pareciam saber o local exato onde ela estava sentada. A vereadora foi atingida por três tiros na cabeça e um no pescoço.

Milhares de pessoas se reuniram ao redor da Câmara Municipal, no centro do Rio, local do velório de Marielle e Gomes. Alguns manifestantes pintaram o nome da vereadora no corpo; outros exibiram cartazes com a foto da parlamentar. Muitos choravam e se abraçavam.

Ela foi enterrada no cemitério São Francisco Xavier, no Caju, após breve cerimônia religiosa. Líderes de movimentos sociais e políticos acompanharam o funeral. À noite, houve novo ato pacífico na Cinelândia.

Na capital paulista, a manifestação começou no fim da tarde. Toda a pista da Avenida Paulista no sentido da Rua da Consolação foi interditada a partir do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Em Salvador, participantes do Fórum Social Mundial saíram em passeata nas ruas. Em todas as cidades, os manifestantes pediram justiça e carregavam cartazes com a frase “Marielle, presente”.

No início da tarde, a morte de Marielle era o assunto mais comentado no Twitter, com 289 mil tuítes sobre o crime. Jornais como o inglês The Guardian, o americano The New York Times e o francês Le Monde trataram do ataque.

O crime também colocou o País sob pressão da Organização das Nações Unidas (ONU) e da comunidade internacional. Entidades de direitos humanos exigiram resposta rápida do governo. O partido espanhol Podemos pediu à Comissão Europeia que suspenda as negociações comerciais com o Brasil para fechar um acordo de livre comércio com o Mercosul.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que a Polícia Federal vai ajudar na apuração do caso, mas as investigações seguirão sob comando da Polícia Civil. “Quem cometeu esse bárbaro crime não ficará impune.” O presidente Michel Temer chamou o crime de “inaceitável”, “como todos os demais assassinatos” no Rio.

Assassinato de vereadora no Rio pressiona interventores federais

Ataque que também matou motorista é encarado como afronta no Exército

Sérgio Rangel , Lucas Vettorazzo e Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO - O assassinato a tiros da vereadora Marielle Franco(PSOL) e de seu motorista e a repercussão nacional e internacional do crime reforçaram a pressão sobre os interventores federais no Rio, deixando encurralados os militares do Exército responsáveis pela segurança do estado.

Decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) com a justificativa de frear a escalada da violência, a intervenção completa um mês nesta sexta-feira (16), dois dias depois da morte de Marielle, 38, e do motorista Anderson Pedro Gomes, 39, em uma rua do Estácio, na zona norte, à noite, a menos de 200 metros de uma cabine da Polícia Militar.

Nascida e criada no complexo de favelas da Maré e crítica frequente da violência policial em áreas pobres, a vereadora levou quatro tiros na cabeça quando voltava de um evento. Nada foi roubado, e os criminosos fugiram. O motorista levou três tiros, e uma assessora sobreviveu. A principal hipótese dos investigadores é de crime premeditado.

Integrantes da cúpula da intervenção federal disseram à Folha que a ação criminosa contra uma autoridade, com potencial de repercussão política e social, foi vista como uma afronta ao trabalho dos militares do Exército.

Sob comando do general Walter Braga Netto, eles participaram de uma série de reuniões e cobraram da Polícia Civil, que teve seu comando trocado na última semana, um desfecho rápido sobre os autores do crime. Ao menos oito equipes da Delegacia de Homicídios trabalham no caso.

Oficialmente, Braga Netto evitou se expor. Limitou-se a divulgar nota dizendo repudiar ações criminosas e monitorar a investigação em contato permanente com Richard Fernandez Nunes, general nomeado secretário da Segurança.

PRESSÃO
Temer usou a expressão “extrema covardia” ao se referir ao assassinato da vereadora e disse que ele “não ficará impune”. “É um verdadeiro atentado ao Estado de Direito e à democracia.”

Auxiliares do presidente dizem temer que a morte de Marielle provoque desgaste na intervenção federal e comprometa os benefícios políticos que se esperava obter.

O governo avalia que é preciso mostrar resultado rapidamente —encontrando os culpados em até 48 horas— para que uma crise não se instale. “Precisamos continuar atuando para mostrar que estamos combatendo o crime. Não vai haver recuo”, disse à Folha o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral).

Morte de vereadora mobiliza o país

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, do Psol, de 38 anos, negra, de origem humilde, feminista, defensora dos direitos humanos e responsável por denúncias de abuso de violência por policiais, chocou a sociedade brasileira, despertou manifestações por todo o país e reações internacionais, com repercussão até na Organização das Nações Unidas (ONU), que exigiu rapidez nas investigações.

O crime tenta confrontar a intervenção federal decretada há um mês pelo presidente Michel Temer na segurança pública do Rio. Quinta vereadora mais votada em 2016, Marielle foi executada com três tiros na cabeça quando voltava de carro para casa, na Tijuca. O motorista de Marielle, Anderson Gomes, também morreu, com quatro tiros nas costas.

A suspeita recai sobre policiais, segundo amigos, políticos e integrantes de movimentos sociais que lotaram na tarde de ontem a Câmara Municipal, onde os corpos foram velados. Manifestações de rua foram realizadas em dez capitais. Em São Paulo, os protestos tomaram a avenida Paulista. Políticos, empresários e ativistas sociais se juntaram em uníssono contra o ato bárbaro. "A sociedade não pode aceitar que em um país democrático, onde a gente fala tudo o que quer, uma morte [ocorra] porque alguém falou que a polícia invadiu", disse a empresária Luíza Trajano.

Assassinato de vereadora põe em xeque intervenção
O assassinato, quarta-feira à noite, da vereadora Marielle Franco, do Psol, de 38 anos, negra, de origem pobre, feminista, defensora dos direitos humanos e que denunciava abusos de violência policial, põe em xeque a intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer na área de segurança pública do Rio de Janeiro e que hoje completa um mês.

Diferentemente de outras operações militares menos abrangentes, como as missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) - que ao menos reduziam a sensação de insegurança no Estado - a intervenção não melhorou os indicadores de violência e, agora, passa a ser questionada pela pergunta que abre uma imensa agenda negativa para o Planalto: quem matou Marielle Franco?

Maria Cristina Fernandes: Tiros que alvejaram Marielle miram à ação federal

- Valor Econômico

Chefe de gabinete do general Braga Netto, interventor na segurança do Rio, o general Mauro Sinott, fez, na manhã de ontem, uma visita ao 14º Batalhão da Polícia Militar em Bangu, zona norte do Rio, responsável pela região da Vila Kennedy, comunidade da zona norte do Rio escolhida como área modelo da intervenção. Quando o comandante do BPM, coronel Marcus Vinícius Amaral, deu ordem para a tropa, já perfilada, bater continência ao general, segundo na hierarquia militar da operação, uma parte dos policiais não obedeceu. O comandante só foi acatado depois de gritar "todo mundo" e, em seguida, "descansar".

Menos de 12 horas depois da insubordinação policial, relatada pelos repórteres Carina Bacelar, Luã Marinatto e Renan Rodrigues, em "O Globo", a vereadora Marielle Franco (Psol), seria executada ao deixar evento no centro do Rio em que discutira o aumento da violência contra mulheres negras. Um dia antes, fizera protesto, em rede social, contra a atuação de outro BPM, o de Acari, subúrbio da zona norte do Rio, recordista em letalidade no Estado, com 450 mortes nos últimos cinco anos. Os assassinos de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes não se preocuparam em disfarçar o crime como latrocínio. Agiram explicitamente como quem quer mandar um recado. E não apenas para os defensores de direitos humanos, mas para o comando militar da intervenção.

Merval Pereira: Crime contra a democracia

- O Globo

Vereadora foi vítima de um crime político. O assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, é mais uma tragédia nessa coleção de fatos trágicos que nos consome, nós, moradores do Rio. Mas, muito mais que isso, nós brasileiros, que lutamos todos os dias pela manutenção da democracia em meio a dificuldades de diversas conotações, desde as comezinhas do cotidiano cada vez mais difícil, até a radicalização política que impede uma ação conjunta de forças apartidárias, quando momentos como esse nos confrontam.

Marielle não foi assassinada por ser mulher, nem por ser negra, nem por ser de esquerda. Ele foi vítima de um crime político, porque é disso que se trata, assim como foi um crime político o assassinato em 2011 da juíza Patrícia Acioli, morta na porta de casa com 21 tiros, alvo de uma emboscada.

Assim como Marielle, a juíza Patrícia Acioli era mulher, branca, e morreu pela mesma razão: era titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo e atuava em diversos processos em que os réus eram PMs do município, e levou à prisão cerca de 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio. Onze PMs foram presos e condenados pelo seu assassinato.

O que existe no Rio em processo acelerado há muito tempo é a ampliação da atuação de bandidos, ou ligados ao tráfico, como agentes ou como cúmplices remunerados no caso de policiais civis e militares, ou como membros de milícias formadas por militares que disputam com traficantes o controle do território.

Eliane Cantanhêde: O Brasil despertou

- O Estado de S.Paulo

Marielle Franco é mártir da guerra, contra a violência e o ódio, que é de cada um de nós

Nem o impeachment de Dilma Rousseff, nem a condenação de Lula, nem as duas denúncias contra Michel Temer, nem as reformas da Previdência ou trabalhista... O que realmente causou comoção nacional e levou os brasileiros às ruas foi o assassinato brutal de Marielle Franco.

Mortes de mulheres e crianças há a todo momento no Rio, como em todo o País. Mas Marielle era uma síntese dos desvalidos e uma ativista das boas causas. Mulher, negra, homossexual e pobre das favelas, ela conquistou uma vaga na universidade e um diploma de socióloga, elegeu-se vereadora e dedicava a vida a defender a igualdade, os direitos e as chances das mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos pobres das favelas, como ela foi.

Era uma guerreira da igualdade, dos direitos humanos e da responsabilidade do Estado em cada uma dessas frentes. Vereadora, filiada ao PSOL, Marielle lutava dentro do sistema e da legalidade, com imensa legitimidade.

As circunstâncias indicam que houve uma execução fria, planejada: um carro segue outro, emparelha com ele, dispara nove tiros, mata Marielle e o motorista Anderson Pedro Gomes e foge sem levar dinheiro, um único celular ou carteira.

Bruno Boghossian: Morte política

- Folha de S. Paulo

Assassinato elimina à força um canal de representação de parte da sociedade

A morte de Marielle Franco é um crime político porque mata a política no momento de maior desilusão dos brasileiros com seus representantes. Os assassinos decidiram tirá-la do caminho justamente porque ela demonstrava coragem para usar seu mandato no combate a abusos e injustiças.

Eleita vereadora pelo PSOL no Rio em 2016, Marielle ascendeu com uma agenda baseada nos direitos de mulheres e negros e contra a violência policial em favelas. Tinha um discurso firme e se identificava claramente como uma política de esquerda.

O vigor com que enfrentava esses temas e a covardia do crime de que foi vítima, porém, deveriam ser suficientes para aplacar qualquer divisão ideológica ou partidária nas reações a sua morte brutal.

É trágico que a superficialidade do debate político tenha tingido com uma única cor a defesa dos direitos humanos —a ponto de estimular comentários asquerosos que culpavam Marielle por sua própria morte, uma vez que a vereadora atuava contra a opressão policial.

Míriam Leitão: Essa morte derrota o país

- O Globo

O Rio está cravado de dores, e essa é intolerável. A morte de Marielle é uma derrota com tantas dimensões, que a entenderemos aos poucos. Hoje é o dia dos sentimentos fortes: o susto, a raiva, a tristeza, a indignação. Mas é preciso entender toda a vastidão dessa perda para o Rio e o país.

Marielle venceu barreiras que muitas vezes parecem intransponíveis para milhões de jovens pobres, negros, da periferia das cidades brasileiras e o fez através da educação. Realizou o que tantos têm sonhado para a redução da exclusão brasileira: o caminho dos estudos. Nada foi forte o suficiente para bloquear seu projeto, nem mesmo a maternidade precoce que impede tantos sonhos de meninas. Por isso era ela símbolo de que o caminho era possível.

O Brasil precisa de líderes, de preferência jovens, porque se eles desistirem não haverá futuro. Marielle era uma líder jovem, consagrada pelas urnas e que defendia com garra os direitos dos que ela queria representar. A ideia do político como representante do povo já se perdeu nesse tempo de tantos políticos agarrados a interesses privados, mas a vereadora estava sendo no seu mandato exatamente o que defendeu na campanha. Essa virtude pública, que é a razão de ser do político, também é derrotada com essa morte.

Vinicius Torres Freire: Marielle, morta pelo Estado do crime

- Folha de S. Paulo

Homicídio político a mando do crime institucionalizado é nova fase do horror: Colômbia e México

O país se acostumou às mortes por encomenda de militantes de direitos humanos, ambientalistas e líderes de trabalhadores rurais, dezenas por ano. Talvez sejam mais de centena, pois as estatísticas são imprecisas e por vezes se cruzam.

Nas Amazônias e em sertões do centro-norte, notícias do morticínio faz algum tempo aparecem e somem como aqueles relatórios de desmatamento, rotina integrada à paisagem deserta também de civilização.

Não há como saber se Marielle Franco foi levada por uma torrente nova de horror, um agora também rotineiro trucidamento de militantes de direitos humanos da cidade grande. Mas de qualquer modo terá sido levada em uma confluência de barbáries.

A vereadora do PSOL era feminista, defensora de direitos de negros, de favelados, da vida. É muito plausível que por isso tenha sido emboscada e morta. Mas a jovem política foi vítima também da institucionalização do crime ou do crime que toma as instituições.

Sua morte bem pode ter sido encomendada por milícias, essa mistura de máfias com esquadrões da morte, de caráter paramilitar, integradas também por ex-policiais. Milícias e facções são o crime institucionalizado.

Ricardo Noblat: O recado das ruas

- Blog do Noblat

Contra a violência e a corrupção

No Rio, mas não só ali, os milhares de pessoas que foram ontem às ruas chorar a execução brutal da vereadora Marielle Franco (PSOL) disseram não à violência e à corrupção institucionalizada. Porque uma coisa tem ligação com a outra, tanto mais no lugar onde políticos e criminosos se uniram para saquear o Estado. Foi esse o recado das ruas, e só não entende quem não quer.

Enquanto eram enterrados os corpos de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região aceitou denúncia contra os deputados Jorge Picciani, Edson Albertassi e Paulo Melo. Os três, que mandavam e desmandavam na Assembleia Legislativa do Rio, agora são réus acusados de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Como nada é por acaso, o Supremo Tribunal Federal deu finalmente a conhecer o acordão do julgamento que há dois anos tornou possível a execução de pena após condenação em segunda instância. Fica claro que o cumprimento imediato da pena passa a ser regra. E o não cumprimento, exceção que precisava ser justificada em decisão judicial. O contrário, pois, do que muitos juristas diziam.

A publicação do acordão se dá a poucos dias da decisão a ser tomada em Porto Alegre pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre o destino do ex-presidente Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Se a condenação for confirmada, Lula deverá ser preso. Caberá à sua defesa tentar soltá-lo depois mediante um pedido de habeas corpus.

José de Souza Martins: À beira do abismo

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Os impasses desta hora política nem sempre têm tido a crítica devida e apropriada daqueles que restam de um tempo em que se fazia política com lucidez e patriotismo. Hoje o país, com dificuldade, garimpa competências nos escolhos do que sobrou de uma grande promessa que foi a do Brasil político arquitetado pelos constituintes de 1988.

Vista da beira do abismo em que nos encontramos hoje, a Constituição e suas leis se tornaram menos cidadãs do que supunha Ulysses Guimarães. Seu uso oportunista encheu de brechas as liberdades nela consagradas. Milhões de brasileiros ficaram de fora das mínimas possibilidades de inserção social e de superação de uma situação teimosamente adversa. Somos ótimos em fazer leis que, não raro, já nascem viciadas por brechas que, nas formalidades judiciais aparentemente corretas, serão relativizadas e amenizadas. Aqui a Constituição e as leis aparentemente estão nas entrelinhas.

Constituição vulnerável também porque, em nome de uma concepção simples de liberdade, acolheu o que havia de pior e mais antimoderno na tradição política brasileira, o localismo e o clientelismo da troca de favores. Parlamentares agindo com frequência em causa própria, viabilizando uma casta antidemocrática que se alimenta de privilégios inaceitáveis. Os de um país que se demora na autoindulgência iníqua e antidemocrática de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais. Falo dos vícios da instituição, os que circunscrevem e limitam a ação política dos capazes e honestos, como lucidamente nos lembra George Orwell, em "A Revolução dos Bichos". Refere-se ele aos crimes decorrentes da vontade de poder dos incapacitados para a verdadeira representação política e que, no entanto, dela se apossam e dela se locupletam. É ali tal a promiscuidade dos porcos com os inimigos dos bichos restantes, os bichos-cidadãos, que, no fim da história, já não se sabia quem era porco e quem era gente. Ter essa impressão todos os dias é muito desanimador.

Dora Kramer: Pessimismo de resultado

- Revista VEJA

Eleição de pouca emoção pode resultar em escolhas mais racionais

Diz a pesquisa CNI/Ibope divulgada na terça-feira 13 que o eleitorado está majoritariamente pessimista em relação às próximas eleições gerais — para presidente, senadores e deputados: 20% representam a parcela de empedernidos otimistas, mas 44% esperam o pior e 23% não têm expectativa alguma, não estão nem aí para a hora do Brasil.

Na soma dos dois últimos grupos temos quase 70% de enfadados. O dado é por si relevante e, por isso, digno de atenção. Principalmente se levarmos em conta que esses zangados e/ou indiferentes não dão importância ao fato de que uma eleição é muito melhor que eleição nenhuma. Nem parece que 34 anos atrás o país se mobilizava todo pelo direito ao voto direto para presidente.

Os números da pesquisa aparentemente são desanimadores, embora em tudo e por tudo perfeitamente condizentes com o rebuliço em curso. Surpreendente, preocupante até, seria se a amostra revelasse um eleitor feliz da vida, confiante na existência de um mundo muito melhor a partir do dia 7 de outubro, no caso de definição em primeiro turno, ou três semanas depois, se houver segunda chamada.

Em vez de lamentar, cumpre enxergar os pontos de luz nesse cenário sombrio. Onde grassa o pessimismo pode vir a vicejar o realismo e, com ele, uma posição mais rigorosa por parte do eleitorado. Por exemplo: pode muito bem vir a se formar uma tendência pela escolha de candidatos com base em critérios racionais no lugar dos entusiasmados impulsos emocionais tão celebrados pelos defensores dos “perfis carismáticos”.

Fernando Abrucio: Reconstruir a confiança na política

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

O próximo presidente terá muitas tarefas e desafios pela frente. Reconstruir a administração pública, fazer reformas que deem sustentabilidade fiscal ao país, retomar um crescimento robusto, combater mais firmemente a desigualdade social com políticas públicas efetivas, priorizar a educação como único passaporte seguro para o futuro, em suma, a lista é extensa e complexa. Mas o eleito nada conseguirá fazer se não conseguir recuperar a confiança do povo na política e nos políticos. No fundo, o que está em jogo é a credibilidade das instituições estatais, e a descrença nelas torna qualquer nação inviável.

Uma prova da enorme desconfiança em relação à política foi dada por pesquisa do Ibope/CNI divulgada no dia 13 de março. Ela mostrou que 44% da população está pessimista em relação à eleição de 2018. Mais 36% entram no grupo dos "indiferentes": 13% não sabem ou nem responderam e 23% não estão nem otimistas nem pessimistas. Somente 20% se dizem otimistas. Esse mau humor gira em torno exatamente daquilo que dá mais poder à sociedade e, sobretudo, aos mais pobres: o voto.

O país encontra-se num imbróglio político desde o fim da eleição de 2014. A crise econômica, a Operação Lava-Jato, o atribulado processo de impeachment e o mandato-tampão de um presidente que, ao fim e ao cabo, tem baixíssima aprovação popular, são partes de uma história cujo único desfecho feliz só poderá ocorrer após a eleição direta de um governante. Legitimidade é o elemento que mais falta na política brasileira atual. Não adianta falar em reformas ou debatê-las sem ter um governo que gere confiança na população. Ressalto que sou a favor de mudar muita coisa no Estado brasileiro, mas quando há alterações profundas sem que haja amparo popular, a política perde o elo que a torna fiadora do contrato social.

A recuperação dessa legitimidade não será fácil. Inicialmente porque uma parte importante dos políticos está em maus lençóis, com processos em andamento ou com denúncias contra eles. Os eleitores acreditam que o país está num "mar de lama" e casos como o do ex-governador Sérgio Cabral, que surpreende com a descoberta de negociatas extraordinárias a cada semana, favorecem essa sensação. Claro, os políticos não são todos são iguais e, seguindo a máxima do Estado de direito, nem todos podem ser tachados de culpados antes de decisões judiciais.

Quem matou Marielle?: Editorial | Folha de S. Paulo

Assassinato chocante da vereadora carioca atinge instituições e bandeiras

O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), 38, é um episódio que transcende a rotina de atrocidades cotidianas na qual se inscreve para se projetar, em sua brutalidade e carga simbólica, como um clamor contra a barbárie instalada em setores inteiros da sociedade brasileira.

A principal linha de investigação policial aponta para um homicídio premeditado. Sentada à direita do banco traseiro de um automóvel, a vereadora deixava um evento do qual participara, na região central do Rio. A dada altura, no bairro do Estácio, um outro veículo aproximou-se lateralmente —e se efetuaram os disparos.

As características da ação, o fato de que nada foi roubado e os nove projéteis que, segundo a perícia, foram direcionados para o local onde a vítima se sentara não parecem deixar margem para especulações. Além de Marielle Franco, o motorista Anderson Gomes, 39, também foi atingido e morto.

É preciso que as pregações de investigação rigorosa, prontamente feitas por autoridades, do presidente da República ao interventor na área de segurança do Estado, sejam cumpridas e que se identifiquem o quanto antes os executores e os mentores do crime.

Os disparos que tiraram a vida da vereadora atingiram também outros alvos —instituições, princípios e causas. Ela exercia mandato em defesa de estratos da sociedade dos quais era parte.

Assassinato de vereadora afronta a democracia: Editorial | O Globo

A execução de Marielle Franco precisa ter uma investigação rápida e eficiente, para que seus autores sejam identificados e punidos exemplarmente

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), na noite de quartafeira, no Estácio, é um símbolo contundente do descontrole a que chegou a segurança no Rio, situação de anomia que levou à intervenção federal. Fatos sucessivos mostram que o estado virou uma espécie de terra de ninguém. Mata-se a qualquer hora, em qualquer lugar, por qualquer motivo. Marielle e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, foram executados com pelo menos 13 disparos, por volta das 21h30m, quando ela seguia de carro para casa. O crime, que chocou o país e repercutiu internacionalmente, aconteceu numa região central da cidade, próximo à sede da prefeitura e ao Hospital Central da Polícia Militar. Quase naquele mesmo horário, um empresário foi morto na frente do filho de 5 anos, durante uma tentativa de assalto no Cachambi, Zona Norte do Rio.

Mas o assassinato de Marielle é bem mais do que um novo número na estatística de homicídios dolosos — ano passado, foram 5.332 em todo o estado. Porque, além do contexto da violência, representa um atentado contra as instituições e a democracia. Inadmissível num estado democrático de direito. Marielle, de 38 anos, quinta vereadora mais votada da cidade nas eleições de 2016, com o apoio de 46,5 mil eleitores, era uma legítima representante da sociedade na Câmara Municipal, onde estreou em 2017, empunhando bandeiras como os direitos humanos e das mulheres.

Encruzilhada histórica: Editorial | O Estado de S. Paulo

Imagine-se por um momento que o sr. Lula da Silva, mercê de algum extravagante arranjo jurídico, pudesse não só permanecer em liberdade, como também pudesse se candidatar à Presidência da República. Imagine-se ainda que, nessa condição, o sr. Lula da Silva se elegesse presidente. O País viveria então a insólita experiência de ser governado por um condenado à prisão por corrupção em duas instâncias judiciais.

Vivêssemos em situação de normalidade institucional, em que os tribunais superiores se limitassem a aplicar a lei e a zelar pelo cumprimento da Constituição, evitando imiscuir-se em assuntos da política partidária, tal hipótese sequer seria aventada. No entanto, considerando-se os muitos fuxicos e mexericos que têm circulado sobre a disposição deste ou daquele ministro do Supremo Tribunal Federal de providenciar o que Lula precisa para se livrar da Justiça e, pior, habilitar-se a disputar a eleição, talvez seja o caso de começar a tratar esse exercício de imaginação como uma possibilidade real – com implicações que seguramente ultrapassarão, e muito, os limites da política parlamentar.

Que o sr. Lula da Silva não é um condenado qualquer, isso todos sabem. Trata-se de um líder político de incontestável importância, que presidiu o País por dois mandatos e tem uma substancial base de apoio popular e partidária que o torna um protagonista natural das disputas pelo poder. Mas ele é inelegível, mercê do que fez para merecer condenação em duas instâncias judiciais e dos efeitos automáticos da Lei da Ficha Limpa que, queiram ou não meliantes ou juízes, faz parte do ordenamento nacional. Sua provável prisão decerto não será recebida com indiferença, nem por seus fanáticos apoiadores, nem por seus ferozes adversários. Pode-se antecipar um possível clima de confronto, o que está fazendo com que autoridades estejam a estudar a melhor maneira de fazer cumprir a ordem de prisão, quando for a hora. Portanto, não se pode ignorar a comoção que a notícia da detenção de Lula poderá causar.

Rede de benefícios une o corporativismo estatal: Editorial | Valor Econômico

Uma minoria de juízes realizou ontem uma inacreditável greve como forma de pressão para que o Supremo Tribunal Federal, no dia 22, não revogue o auxílio moradia de R$ 4.377,73 pagos desde 2014, por liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, a todos os magistrados - mesmo os que possuem residência na cidade em que trabalham. O benefício é abusivo e aumenta a remuneração da elite do funcionalismo público, cujo custo mensal médio para o contribuinte foi de R$ 47,7 mil em 2016, bem superior aos R$ 33,8 mil do teto de remuneração da União.

O auxílio, pelo desejo das entidades que coordenaram a greve, à qual a Associação dos Magistrados do Brasil não aderiu, tende, se nada for feito, a seguir o mesmo destino dos vários penduricalhos criados ao longo do tempo que, uma vez dados, acabam se tornando "um direito" e, depois, são incorporados aos salários - pagos pela população que não desfruta de regalia alguma.

Os argumentos utilizados para a defesa de uma vantagem ilegítima, que deveria se circunscrever a quem realmente a ela faz jus, são pérolas do corporativismo. Um deles é o de que enfraquecer a Justiça Federal seria enfraquecer também a luta contra a corrupção. Em artigo na "Folha de S. Paulo" de ontem, Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, que reúne os juízes do Trabalho, alude ao auxílio moradia como verba pecuniária genérica. "Assim como se paga vale transporte a quem tem carro, na perspectiva de minorar as despesas de deslocamento para o trabalho, a ajuda de custo para moradia alcança também quem tem imóvel próprio".

Além disso, fica claro no artigo que o auxílio deveria ser mantido para compensar outra série de direitos que o Judiciário não tem, apesar de seus membros receberem os maiores salários da burocracia estatal. Segundo Feliciano, os juízes não recebem horas extras, FGTS, adicional noturno, nem há limite para a jornada de trabalho. E, talvez o cúmulo da injustiça, "submetem-se a cobranças habituais de produtividade e desempenho".

Roberto Freire: A recuperação econômica vai à mesa

- Diário do Poder

Depois de enfrentarmos três anos da maior recessão econômica da história brasileira, não são poucos os dados que apontam o início de um processo cada vez mais consolidado de retomada. Se, até há pouco tempo, grande parte da população ainda não sentia os efeitos mais visíveis de uma evidente recuperação, nos últimos meses houve uma mudança significativa justamente nos hábitos de consumo das famílias – que, aos poucos, voltaram a incluir em sua lista de compras alguns produtos e mercadorias que haviam sido cortados em função da crise.

Para que se tenha uma ideia do impacto desse fenômeno, um levantamento realizado pela consultoria Kantar Worldpanel mostra que, em 2017, a manteiga retornou à mesa de nada menos que dois milhões de lares brasileiros ao menos uma vez no ano, ao invés da margarina. No ápice da grave crise que assolou o país durante o governo de Dilma Rousseff, o produto marcava presença em 32,9% dos lares – esse índice saltou para 36,8%. Ainda de acordo com a pesquisa, é algo semelhante ao que ocorreu com o azeite de oliva, que desbancou o óleo de soja e retomou o seu lugar na lista de compras de 1,4 milhão de famílias. O requeijão, a batata congelada e o pão industrializado também retornaram ao cardápio dos brasileiros.

Não há dúvidas de que, entre os fatores que permitiram essas mudanças nos hábitos de consumo, estão a inflação baixa, a taxa de juros em seu menor patamar histórico, o aumento da renda e certo reaquecimento do mercado de trabalho, embora ainda tímido. Além de tudo isso, houve uma expressiva redução no endividamento das famílias – que comprometia 19,9% da renda mensal em dezembro do ano passado, de acordo com dados do Banco Central, índice inferior aos 22,8% registrados em 2015.

Roberto Giannetti da Fonseca *: Vamos acelerar o crescimento da economia brasileira?

- O Estado de S.Paulo

O que se espera em 2018 é uma recuperação cíclica da taxa de investimento, mas ainda muito modesta, temporária e gradual

A economia brasileira perdeu dinamismo nos últimos anos e o nível de consumo deixou de ser o principal vetor de propulsão do PIB. Apesar da taxa de desemprego vir caindo moderadamente a partir do segundo trimestre de 2017, ainda permanece em nível muito elevado. Já o endividamento das famílias vem caindo desde o início de 2017, seja por ter atingido seu nível atual de saturação, seja pelo processo distributivo do FGTS promovido pelo governo federal no primeiro semestre de 2017, o qual recolocou cerca de R$ 40 bilhões no bolso dos contribuintes.

É certo que a economia brasileira está em recuperação, mas o que se deveria questionar neste caso é qual o custo social e econômico incorrido neste processo e a qual velocidade ocorre esta recuperação? Permanecem ainda em fins de 2017, algo como 12,5% de taxa de desemprego e de 32,0% de capacidade ociosa industrial. Certamente com um pouco mais de imaginação e iniciativa em políticas de estímulo ao consumo doméstico e às exportações, os níveis de desemprego e de capacidade ociosa poderiam ter sido reduzidos e consequentemente haveria uma maior velocidade de recuperação da renda das famílias, de maior nível de consumo, daí uma maior produção industrial e maior estímulo ao investimento. A virtuosa espiral ascendente do crescimento econômico concluiria sua tarefa.

Poderíamos identificar três vetores básicos para gerar com maior arranque o tal empuxe anticíclico: 1) os investimentos em infraestrutura; 2) um forte estímulo às exportações; e 3) a propensão a poupar das famílias e das empresas, principalmente por meio do mecanismo da previdência complementar. Até o momento não nos parece que nenhum destes três vetores tenha sido acionado de forma satisfatória. A taxa nacional de investimentos, atualmente num patamar inferior a 14% sobre o PIB, precisaria ser elevada para um nível de 25% sobre o PIB, de forma a proporcionar um crescimento potencial da economia brasileira mais condizente com nossa necessidade de geração de renda e emprego.

‘A crise só vale para juízes’

Magistrados se consideram injustiçados e dizem que críticas a benefícios são retaliação

Mateus Coutinho | O Globo

-BRASÍLIA- Ao fim de um dia de manifestações por reajustes salariais e benefícios, representantes das magistraturas federais e de procuradores da República e do Trabalho afirmaram que as críticas feitas aos “penduricalhos” recebidos são uma “retaliação” pelos desdobramentos da Lava-Jato. Juízes envolvidos na operação não participaram dos atos. Os protestos, que incluíram greve de algumas categorias de juízes, ocorreram uma semana antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o benefício indistinto do auxílio-moradia para magistrados. Os juízes reivindicam reajustes anuais e reclamam que outros servidores federais conseguiram aumentos e benefícios que superam o teto constitucional de R$ 33,7 mil.

De acordo com a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), cerca de 800 juízes e desembargadores aderiram à greve. A categoria tem 1.796 profissionais. Na Justiça do Trabalho, 44% das varas em todo o país paralisaram suas atividades.

Em Brasília, representantes das categorias se reuniram em uma sala da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª Região (Amatra-10), no quinto andar do prédio da Justiça do Trabalho. Lá, gastaram cerca de uma hora e meia em uma coletiva com a imprensa para explicar os motivos do movimento. Na sequência, realizaram um ato com cerca de 50 pessoas e que durou uma hora. Eles argumentam que as categorias não têm conseguido obter reajustes nos últimos anos, ao contrário do que ocorre com outras carreiras. O presidente da Ajufe, Roberto Veloso, afirmou que a justificativa da crise econômica do país não teria sustentação.

— O problema é que a crise só está valendo para os juízes — ironizou.

Há perplexidade com atitude da corte, diz Torquato

Por Ricardo Mendonça | Valor Econômico

SÃO PAULO - Após reconhecer que cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir pela "conveniência" de recolocar em discussão o entendimento sobre execução de pena após condenação em segunda instância, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse ontem que há "perplexidade intelectual" dos brasileiros diante do comportamento da corte sobre o tema.

Na última vez que se debruçou sobre o assunto, o STF decidiu, por 6 votos a 5, que cabe prisão após condenação em segunda instância. Para muitos, porém, esse entendimento contraria o item LVII do Art. 5 da Constituição, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Pelo menos um ministro que votou a favor da execução, Gilmar Mendes, diz que mudou de ideia e hoje votaria contra. Se o caso voltar à pauta, o que tem sido evitado pela presidente da corte, Cármen Lúcia, é o suficiente para inverter o placar. Além disso, outros membros do STF, em decisões individuais, têm concedido habeas corpus a favor de condenados em sentido oposto ao da decisão colegiada.

Sem Huck, PPS negocia filiação de "cabeças pretas" do PSDB

Legenda tenta filiar até cinco tucanos durante janela que permite troca de sigla sem risco de punição

Igor Gadelha e Renan Truffi | O Estado de S.Paulo

Sem o apresentador Luciano Huck como presidenciável do partido, o PPS faz ofensiva para atrair os "cabeças pretas" do PSDB, como ficaram conhecidos deputados mais jovens da sigla que fazem oposição ao governo do presidente Michel Temer. A legenda tenta filiar até cinco tucanos desse grupo durante a janela que permite parlamentares trocarem de sigla sem risco de punição, que vai até 7 de abril, o que a ajudará a sobreviver à chamada cláusula de barreira.

As negociações com o PPS estão sendo encabeçadas pelos deputados tucanos Daniel Coelho (PE) e Pedro Cunha Lima (PB), principais porta-vozes dos cabeças pretas. Eles negociam diretamente com o presidente nacional do PPS, o deputado federal Roberto Freire (SP), com o qual Coelho e Cunha Lima se reuniram nesta terça-feira. Freire foi ministro da Cultura do governo Temer e deixou o cargo após o presidente ser atingido pela delação de executivos do grupo J&F.

“A decisão será nos próximos dias, para o sim ou para o não”, disse Coelho ao Broadcast Político. Segundo o parlamentar pernambucano, foi o PPS que procurou os tucanos com a promessa de criação de um novo partido juntamente com grupos da sociedade civil que defendem renovação política. "O convite é para fundar o Movimento 23, o M23, partido que nasce do PPS, Agora, Acredito, Renova, Livres e novos parlamentares", contou.

O presidente do PPS confirmou as negociações com os deputados do PSDB. "Interesse temos. Mas não tem nada definido ainda", disse Freire. A filiação, se confirmada, ajudará a legenda do ex-ministro a cumprir a cláusula de barreira aprovada em outubro pelo Congresso. A cláusula exige que os partidos elejam este ano pelo menos 13 deputados em, no mínimo, nove Estados para terem acesso ao fundo partidário e tempo de TV. Hoje, o PPS tem 9 deputados.

No PSDB, a saída de Coelho e Cunha Lima é tratada como uma questão de disputa regional e não teria relação com o movimento que rachou o partido no ano passado. A reportagem apurou que, caso se filem, os dois deputados terão o comando do PPS em seus Estados, o que os ajudaria a viabilizar candidaturas majoritárias em 2018. Coelho, por exemplo, poderia assumir no PPS o espaço deixado pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann (PE), que decidiu não disputar as eleições.

Secretário-geral do PSDB, o deputado Marcus Pestana (MG) questionou a possível saída de Cunha Lima, já que seu pai, o senador Cássio Cunha Lima (PB), é um dos principais líderes dos tucanos no Nordeste. "Essa geração nova não tem a solidez programática partidária. O quadro partidário está em crise. O Daniel tem problemas regionais de convivência dentro do PSDB. Ele diz que ainda está pensando. Agora não consigo entender a lógica do Pedro Cunha Lima porque o Cássio é vice-presidente do Senado pelo PSDB, é uma das maiores lideranças regionais. Vai ser muito estranho. Mas cada cabeça uma sentença. O PPS é um partido irmão", afirmou.

Debandada. O movimento de debandada de parte dos cabeças-pretas do PSDB é algo ventilado desde a época em que o senador Tasso Jereissati (CE) comandava o partido. A ala mais jovem da legenda tinha boa interlocução com o senador cearense e defendia que ele assumisse definitivamente a Presidência da sigla, já que o senador também tinha perfil de oposição ao governo Temer. Jereissati ficou no comando do partido por alguns meses em substituição ao senador Aécio Neves (MG), que se licenciou da presidência da sigla após ser atingido pela delação da J&F.

Os cabeças-pretas e uma ala da juventude do PSDB chegaram a negociar filiação à ala do PSL intitulada "Livres", tendência libertária que comandava 12 diretórios estaduais e que prometeu aos tucanos que a legenda passaria a atuar como uma espécie de "movimento", com viés liberal na economia e na política. Esses tucanos, porém, desistiram da ideia após o deputado Jair Bolsonaro (RJ) acertar filiação ao PSL para ser candidato à Presidência da República pelo partido.

Presidenciáveis cobram investigação imediata da morte de vereadora do Rio

Pré-candidatos à Presidência da República exaltaram a atuação de Marielle Franco

Caio Sartori | O Estado de S.Paulo

Os pré-candidatos à Presidência da República se manifestaram sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Psol carioca, morta a tiros na noite desta quarta-feira. Eles cobraram investigação imediata e exaltaram a atuação de Marielle na defesa das comunidades carentes e na luta por igualdade.

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, pré-candidato do Psol ao Planalto, exigiu “investigações sérias, doa a quem doer”. E indicou que o crime pode ter relações diretas com as denúncias que a vereadora vinha fazendo contra a violência policial na cidade. “A noite desta quarta-feira ficará marcada pela violência escancarada de quem está seguro da impunidade. Lutaremos por justiça até o fim. Marielle, honraremos sua caminhada!”, escreveu o psolista nas redes sociais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou Marielle de “corajosa liderança política” e prestou solidariedade aos familiares e amigos da vereadora. “O Rio de Janeiro e a democracia brasileira foram atingidos por esse crime político bárbaro”, disse o ex-presidente pelas redes sociais.

Nesta manhã, durante o Fórum Econômico Mundial sobre América Latina, realizado em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) cobrou uma "apuração rigorosa" do assassinato e disse acreditar que houve execução. "Importante é não ter impunidade, ter uma apuração rigorosa e a prisão dos criminosos."

A ex-senadora Marina Silva (Rede) também exigiu investigações rigorosas - e desejou “que Deus possa consolar a família, amigos e companheiros de militância.”

Pré-candidato do PDT, o ex-ministro Ciro Gomes disse que tem acompanhado o caso de perto e, assim como os outros, cobrou investigações sérias. Ele destacou o legado da curta vida política de Marielle. “Sua luta por um Brasil mais justo e contra a discriminação deve ser empunhada por ainda mais brasileiras e brasileiros."

Na mesma linha de destacar o que Marielle representava na política, a deputada estadual Manuela d’Ávila, do PCdoB gaúcho, exaltou o viés feminista da trajetória da vereadora carioca. “Ninguém vai calar as mulheres que lutam”.

Presidente da Câmara dos Deputados e pré-candidato do DEM, Rodrigo Maia avaliou que o assassinato da vereadora significa um “trágico avanço na escalada da barbárie que deve ser contida custe o que custar.”

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), classificou a morte como "absolutamente inaceitável" e disse que é preocupante quando crimes como roubo se misturam com violência política. "Assassinato mostra necessidade absoluta de intervenção no Rio."

O empresário João Amoêdo, do Partido Novo, prestou sentimento e solidariedade a amigos e familiares “neste momento difícil e inesperado.”

Pré-candidato do Podemos, o senador Alvaro Dias chamou o caso de "crime grotesco". "Mais um capítulo da barbárie que vem se tornando uma triste rotina na vida de todos os brasileiros. Expresso meu profundo pesar e toda minha solidariedade à família, amigos e eleitores de Marielle Franco."

O deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) ainda não se pronunciou sobre o caso.

Crime. Marielle Franco, de 38 anos, foi morta a tiros na noite desta quarta-feira, no Centro do Rio. Ela saía de um evento na Lapa e voltava para casa, na Tijuca, Zona Norte. O motorista do carro, Anderson Pedro Gomes, também morreu. Uma assessora de imprensa da psolista estava no carro e, ferida por estilhaços, sobreviveu. Os policiais que investigam o caso acharam nove cápsulas de bala na cena do crime.

Eleita com mais de 46 mil votos em 2016, Marielle foi a quinta vereadora mais votada daquele pleito. Nascida e criada na Maré, complexo de favelas na Zona Norte, tinha como principais bandeiras políticas a defesa dos jovens negros, o fim da truculência policial e o feminismo.

Barroso é parcial nas decisões, afirma Marun

Ministro da Secretaria de Governo diz que está ‘decidido’ a apresentar pedido de impeachment do ministro do Supremo

Carla Araújo / O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, reiterou ontem que está decidido a se licenciar do cargo para apresentar um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, conforme antecipou a Coluna do Estadão. Marun acusou o ministro de abusar de sua autoridade. “Eu estou, sim, decidido a apresentar um processo de impeachment que será julgado pelo Senado”, afirmou.

Marun disse ainda que está tendo auxílio de juristas para elaborar a representação e afirmou que a Constituição prevê que compete ao Senado processar e julgar ministros do Supremo Tribunal Federal em casos de crimes de responsabilidade.

“Eu não estou inventando”, declarou. Para Marun, Barroso está “abusando de sua autoridade e sendo parcial nas suas decisões”. O ministro leu artigos da legislação relativa ao impeachment. “Eu entendo que os dois pesos e as duas medidas adotados pelo senhor ministro Barroso revelam que suas preferências político-partidárias começam a interferir no teor de suas decisões e isso é incompatível e constitui crime de responsabilidade”, afirmou, em referência aos indultos natalinos da presidente cassada Dilma Rousseff e do presidente Michel Temer. Na segunda-feira, Barroso alterou o indulto natalino editado por Temer, estabelecendo novas regras e excluindo do benefício crimes de corrupção.

Reunião. Segundo Marun, a ideia é apresentar o pedido na próxima reunião do Congresso, que ainda não tem data marcada. Ele disse que ainda não conversou com o presidente sobre o assunto e que não trabalha “com a hipótese” de Temer pedir para ele desistir da iniciativa. “Eu assumo pessoalmente a responsabilidade dessa decisão.” Marun rechaçou a possibilidade de outro parlamentar apresentar o pedido no seu lugar e disse que não perderia esse “momento histórico”.

Fernando Pessoa: A estrada

A estrada, como uma senhora,
Só dá passagem legalmente.
Escrevo ao sabor quente da hora
Baldadamente.

Não saber bem o que se diz
É um pouco sol e um pouco alma.
Ah, quem me dera ser feliz
Teria isto, mais a calma.

Bom campo, estrada com cadastro,
Legislação entre erva nata.
Vou atar a lama com um nastro
Só para ver quem ma desata.