domingo, 1 de abril de 2018

* Luiz Werneck Vianna: O moderno e o novo espírito do tempo

- O Estado de S.Paulo

As ruas, criticadas pela ausência, vêm se fazer presentes por seus próprios motivos

Ao mestre Paulo Niemeyer, a quem de deve este artigo

Mudanças de época podem ser vividas como processos dolorosos, quando a sociedade tarda a trazer ao plano da consciência as novas circunstâncias que silenciosamente, com o império da força dos fatos, passaram a reger o seu mundo da vida. Especialmente quando elas afetam experiências outrora bem-sucedidas, consagradas pela tradição, como no ciclo da modernização que vai de Vargas a Lula, passando pelo governo de JK e pelo regime militar.

Interpretações equívocas dos processos em curso conduziram a que o governo Dilma Rousseff, em vez de procurar alternativas à crise que se agravava no seu mandato presidencial – salvo no brevíssimo recurso ao ministro Joaquim Levy, que seguia outra cartilha econômica –, levasse à radicalização do seu modelo de origem, com o que o exauriu.

O impeachment levou com ele, não importa sua motivação jurídico-política, a tradição da modernização por cima, pela mão do Estado. E tal processo de profundas repercussões no imaginário social brasileiro, levado a efeito sem a unção da vontade popular, embora contasse com apoio congressual, estressou a política brasileira de modo tal que alguns mais afoitos chegaram a cogitar de que estaríamos na iminência de uma guerra civil com os “exércitos do MST e dos sem-teto” (MTST).

O abandono do paradigma terceiro-mundista, segunda pele da nossa cultura política, pelo novo governo, de inclinação claramente liberal, desequilibrou os antagonismos a que estávamos afeitos, como sustentava Gilberto Freyre, no sentido da sua radicalização.

Contudo, sem as ruas e os quartéis, os amigos do fim do mundo ficaram devendo às suas ruminações. A rigor, por fora do alcance de nossas percepções, algo de muito profundo já havia mudado. A Carta de 88 tinha se tornado o mapa de navegação da maioria da sociedade organizada, em especial do Judiciário e da corporação militar – que, aferrada a ela, se manteve serena como guardiã da ordem em meio à balbúrdia –, garantindo a fixação do calendário eleitoral. Com isso trouxe à luz uma multidão de candidatos a presidente, aguando as perspectivas de conflitos generalizados, deixando para trás os tempos de cólera desatados pelo impeachment.

As festas carnavalescas, comemoradas como se não houvesse amanhã, principalmente entre os jovens, testemunharam a virada no espírito do tempo.

* Fernando Henrique Cardoso: Civilização ou barbárie

- O Estado de S.Paulo

Se outubro o País se deixar levar pelo ódio, o que será de nós como ‘comunidade nacional’?

Passei as duas últimas semanas em Lisboa e Londres. Vi pela mídia a indignação provocada pelo assassinato de Marielle Franco, vereadora que denunciava abusos contra os direitos humanos no Rio de Janeiro.

Dizer que se tratou de mais um assassinato é não entender o recado que quiseram dar os que a mataram. A intervenção militar na Segurança Pública do Rio não foi devidamente preparada e não soluciona todos os males, mas é vista como uma ameaça real pela banda podre das forças policiais, pelas milícias e pelas organizações criminosas. Os autores do crime quiseram deixar claro que o poder ilegal está disposto a tudo para preservar seus domínios. É sinal de uma escalada.

Na Colômbia, entre as décadas de 70 e 90, o crime organizado foi de ousadia em ousadia até assassinar um candidato a presidente da República e explodir um avião de passageiros. No México há mais de dez anos se vive uma guerra que não poupa jornalistas, políticos, policiais, militares e cidadãos comuns. Ano passado, o país teve a maior taxa de homicídios já registrada.

O assassinato de Marielle é um alerta. Deve-nos fazer lembrar que está em jogo a possibilidade ou não de avançar na construção de uma sociedade decente no Brasil. Nos últimos 30 anos muita coisa mudou para melhor. Menos os índices de violência. E isso se deve em larga medida à expansão do crime organizado. A escalada da violência põe em risco a própria democracia.

Bolívar Lamounier: Graúdos e miseráveis

- Revista IstoÉ

O STF deve assumir o ônus do que possa advir das ruas se os cidadãos decidirem cobrar justiça de verdade

Em cada dois brasileiros que conheçam a Constituição de 1988, um dirá que ela trouxe mais avanços que retrocessos, o outro dirá o contrário. Não entrarei na controvérsia, porque mudo de opinião de um dia para o outro, dependendo do aspecto que esteja considerando.

Numa questão crucial, porém, não tenho dúvida de que ela trouxe um retrocesso, ou pelo menos não promoveu o avanço que teria de ser promovido. Refiro-me à estrutura do Judiciário. O Brasil é o único dos 194 países da ONU que não admite a prisão de um condenado a partir da condenação em segunda instância.

E como temos quatro instâncias recursais — acima dos TRFs (tribunais regionais federais) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) há STF (Supremo Tribunal Federal) —, fácil perceber que um sentenciado bem provido de meios pecuniários pode estender o processo indefinidamente, até atingir a prescrição da pena. Os malefícios inerentes a tal configuração são imensos, e tornam-se infinitamente mais graves quando os integrantes do STF tendem-se a se comportar de maneira claramente facciosa, como passou a acontecer em decorrência das vagas abertas no período Lula/Dilma. Hoje, não há como negar que a maioria decide segundo os interesses dos dois governos petistas, que lhes proporcionaram a suprema honraria da nomeação para a Egrégia Corte.

Marco Antonio Villa: Até onde vai a crise?

- Revista IstoÉ

A Lava Jato não assustou os políticos. Eles continuam enxergando na coisa pública a grande chance de enriquecer sem trabalhar

Como esperado, a crise política se aprofunda. E nada indica que será solucionada quando das próximas eleições. Pelo contrário, poderá ser agravada ainda mais, dependendo do resultado da eleição presidencial e do Congresso Nacional. A crise é estrutural e qualquer eleição realizada dentro dos parâmetros atuais somente postergará a agonia. Essa República não consegue se autoreformar. Está petrificada e não apresenta fissuras.

O grande desafio dos democratas é conseguir construir na sociedade civil um amplo arco de alianças no campo reformista. Esse trabalho de convencimento não é simples e nem imediato. Tendo em vista o Estado carcomido pela corrupção e pelos interesses antirepublicanos, e que se sustenta numa maléfica composição entre frações das elites política, empresarial e jurídicas, é improvável — para não dizer, impossível — que qualquer mudança ocorra à curto prazo.

A sangria vai permanecer até a exaustão dessa estrutura. Evidentemente que o custo político, social e econômico será alto, muito alto.

Cacá Diegues: A última espada

- O Globo

A verdadeira paz não se dará nunca na obrigação de sermos iguais, mas sim no direito de sermos diferentes e sabermos conviver com essa diferença

Vou repetir o que escrevi aqui, domingo passado: quem matou Marielle Franco estava tentando matar o amor. A mais sofisticada e completa forma de amor contemporâneo que ela cultivava — os direitos humanos, uma experiência de amor por todos. Esse era o objetivo dos que eliminaram Marielle, punindo-a e nos avisando do que são capazes se insistirmos no mesmo rumo.

Com as eleições de outubro, tentaremos pôr o Brasil em ordem. Não a ordem fascista, nem a ordem liberal só na economia, como eles querem nos impor para melhor nos explorar. Durante a campanha, seremos afogados em palavras que, na maior parte das vezes, não querem dizer nada. Suportaremos essa avalanche de nadas, em nome de uma inflexão democrática que nos coloque novamente no rumo do crescimento com liberdade, alegria e justiça.

Vamos defender a liberdade de todos em tudo. Não podem ser livres apenas os que ganham dinheiro ou mandam no país. A liberdade é um direito de todos, seu único limite é o direito de cada um. Devemos ser livres diante das ideias e da criação, da natureza e do comportamento, sempre sem prejuízo de ninguém. Para exercermos a liberdade em sua plenitude, é preciso que tenhamos todos as mesmas oportunidades. É sobretudo para isso que deve existir o Estado.

Os homens nascem iguais mas não se desenvolvem do mesmo modo; é impossível que isso aconteça, não é de nossa natureza. Mas é democrático que todos tenham as mesmas oportunidades; só assim há de se impor a diferença de cada um. Para que isso aconteça com justiça, começamos na educação, a base democrática de onde florescem as oportunidades para todos.

Bruno Boghossian: Flá-flu da toga

- Folha de S. Paulo

Supremo emite sinais trocados e segue um caminho acidentado

A folga da Páscoa poupou o STF de um novo bate-boca em plenário, mas a última semana aprofundou as divergências no tribunal. Instados a estabelecer normas para a aplicação da lei, os ministros têm respondido, cada vez mais, com soluções exóticas e decisões contraditórias, ampliando as incertezas sobre os rumos da corte.

Na quarta-feira (28), Dias Toffoli decidiu, por conta própria, mandar para o regime domiciliar a figura política mais emblemática afrequentar a cadeia nos últimos anos. O ministro revisou uma decisão do colega Edson Fachin e determinou que Paulo Maluf cumprisse pena em casa.

No dia seguinte, Luís Roberto Barroso foi severo: driblou a proibição a conduções coercitivas imposta por Gilmar Mendes e decretou a prisão temporária de 13 alvos da Operação Skala para que eles fossem obrigados a prestar depoimento. Foi uma medida “excepcional e invasiva”, como escreveu o próprio Barroso, e uma cotovelada em seu arquirrival.

No momento mais crítico do esforço de combate à corrupção no país, o Supremo emite sinais trocados e segue um caminho acidentado. Com frequência, ministros parecem tomar decisões atípicas simplesmente para enfrentar colegas, sustar despachos e impor seus entendimentos.

Samuel Pessôa: Prisão em segunda instância

- Folha de S. Paulo

Definir cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado é perder luta contra a corrupção

No direito penal americano, o réu é preso na primeira instância. No julgamento, o juiz instrui os jurados de que o réu deve ser considerado culpado mesmo se eles não estiverem 100% convictos da culpa. Basta que a dúvida seja mais fraca do que uma dúvida razoável.

Ou seja, o direito americano considera explicitamente no seu ordenamento a possibilidade do erro jurídico. É possível condenar uma pessoa inocente. Mesmo que os jurados não estejam certos da culpa, se o conjunto probatório for muito consistente —isto é, se, em razão do conjunto probatório, a probabilidade de a pessoa ser inocente for extremamente baixa, segundo o juízo dos jurados—, o sistema jurídico americano instrui os jurados a considerar a pessoa culpada.

Qualquer pessoa que tenha feito um curso introdutório de estatística sabe que existe um teorema que estabelece que, se um sistema jurídico for construído de sorte a ser impossível condenar um inocente, também será impossível condenar um culpado. Qualquer sistema jurídico estabelece, a partir de toda processualística, uma ponderação entre um erro, condenar o inocente, e outro erro, inocentar um culpado.

Se for um processo civil, isto é, entre cidadãos e que não pode redundar em pena de privação de liberdade, mas somente em compensações financeiras, o requerimento de certeza é ainda menor. Decide-se a responsabilidade civil de um cidadão para com outro de acordo com a preponderância da evidência. Quem contar a melhor história ganha o caso.

É por esse motivo que, no direito americano, é possível uma pessoa ser condenada no processo civil e absolvida no processo penal, como foi o caso do jogador de futebol americano O. J. Simpson.

Merval Pereira: O impacto da corrupção

- O Globo

O que explica o paradoxo de a corrupção ser a maior preocupação hoje do brasileiro, e o ex-presidente Lula ser o candidato preferido desse mesmo eleitor? Estudos do cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas do Rio, baseados em pesquisa de opinião experimental realizada em parceria com os professores Lucia Barros, da USP e Rafael Goldzmidt, da FGV, mostram como funciona a mente do eleitor, influenciada por questões de ideologia e também por cálculos de custo/benefício.

Claro que a falta de informação acerca do envolvimento do candidato em corrupção é um fator importante nessa decisão, mas o gasto em políticas públicas (bens públicos) modera o impacto negativo de corrupção na probabilidade de reeleição, especialmente em países pobres.

Mesmo eleitores informados podem votar em governantes supostamente corruptos se eles esperam receber benefícios materiais que outros partidos ou candidatos não podem garantir.

Eleitores são mais propensos a escolher candidatos desonestos quando eles compartilham da mesma ideologia. Esse efeito é mais forte quando ideologias econômica e social são congruentes. Quando eleitores são informados de que políticos são corruptos, eles são menos propensos a percebê-los como tal quando compartilham da mesma ideologia.

A forma como corrupção é percebida afeta a escolha do eleitor. Quando eleitores percebem que seu candidato é corrupto, são motivados a buscar outras razões para continuar o apoiando. Esse processo leva a um cálculo cognitivo enviesado que favorece a decisão que os eleitores já haviam tomado.

Míriam Leitão: O mandato infeliz

- O Globo

O período de quatro anos de governo, iniciado em 2015, será infeliz até o final. Este será um ano com um presidente definhando ou sob ataque aberto, seja ele candidato ou não. Durante esses quatro anos, uma presidente caiu, houve a pior recessão da história recente, o mais alto desemprego, um presidente foi alvo de denúncias, e o pior dos legados: o Brasil aprofundou sua divisão.

Nada salva o período administrado pela dupla eleita para 2015-2018. Na quinta-feira, renovaram-se as nuvens que sempre pairaram sobre o governo Temer. As prisões decretadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, atingem o círculo próximo do presidente da República. São prisões provisórias, e elas podem não ser renovadas, mas já serviram para enfraquecer o presidente nesta reta final. Ele ensaiava uma candidatura e agora fica a dúvida sobre se a manterá. Se for apresentada uma terceira denúncia, o presidente não terá, felizmente, capacidade de usar os recursos políticos e fiscais dos quais abusou para arquivar as duas primeiras. Um pato manco, investigado, com sigilo bancário quebrado e cercado de suspeitas terá que reunir votos para se proteger em uma Câmara esvaziada.

Nessa era da incerteza, a economia tentará, a duras penas, atravessar mais uma etapa da sua lenta e difícil recuperação da enorme recessão que a atingiu no fim de 2014. Os empresários que tentarem descortinar o futuro econômico do país, para fazer seus planos de investimento, verão apenas o espesso nevoeiro de uma campanha eleitoral de xingamentos e acusações. Tomara que haja espaço e tempo para alguma discussão séria sobre os muitos desafios que o Brasil tem que vencer para entrar na terceira década do século XXI.

Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli

- O Estado de S.Paulo

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.

O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!

O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.

Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.

Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...

Vera Magalhães: Dia da Marmota

- O Estado de S.Paulo

STF é maior fonte de incerteza num País que não consegue acordar das repetições de suas mazelas

O Brasil parece viver, sem perspectiva de acordar, uma versão nada engraçada do Dia da Marmota vivido por Bill Murray no filme “O Feitiço do Tempo”. Quando se pensava que avanços no combate à corrupção, algum crescimento econômico e a perspectiva de eleições logo ali seriam a fórmula mágica para fazer o País acordar da repetição infindável de suas mazelas, eis que um conjunto de acontecimentos faz com que abramos os olhos de volta praticamente à estaca zero.

Há quatro anos, a Lava Jato desnudou o maior e mais abrangente esquema de corrupção da história do País, capitaneado por PT, MDB e seus sócios minoritários, com tal força e amplitude que, de quebra, estourou também esquemas passados e paralelos de PSDB e adjacências. O STF, então, deu em 2016 uma contribuição decisiva para esse enredo, ao decidir que o cumprimento da pena de prisão deve se dar após a condenação em segunda instância. Agora, o retrocesso se avizinha com a grande probabilidade de a mesma Corte, dois anos depois, rever a jurisprudência.

Quando parecia que Michel Temer tinha conseguido, à custa de doses cavalares de fisiologia e um trânsito político melhor que o de Dilma Rousseff, adiar seu encontro com a Justiça para depois de concluir seu mandato, eis que estamos de volta a 2017, com um presidente da República prestes a enfrentar mais uma denúncia do Ministério Público por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A terceira no intervalo de menos de um ano.

Num País que insiste em reviver seus pesadelos, a economia, que dava sinais de reação depois de anos de desvario dilmista, já vê seus agentes pisarem no freio e as projeções de crescimento ou recuperação do emprego recuarem.

O Brasil é um país que se acostumou a viver num stop and go em que mais para do que anda, em todas as esferas.

Ruy Fabiano: O calvário institucional do País

- Blog do Noblat | Veja

O dramático é a circunstância de a mais alta Corte de Justiça do país não ser a solução, mas a causa da crise.

“Não se conhece, no mundo civilizado, um país que exija o trânsito em julgado”, proclamava, há 17 meses, o ministro Gilmar Mendes, na ocasião em que, pela terceira vez, o STF firmava jurisprudência favorável à prisão em segundo grau.

Hoje, Gilmar pensa (ou pelo menos sustenta) o contrário, rebaixando o Brasil à condição, segundo critério que então evocou, de país não civilizado. O tema será objeto de novo exame pelo STF.

Um fato novo o impôs. Não é de ordem jurídica, doutrinária ou moral, mas político-partidária. Tem nome e CPF: chama-se Lula.

As consequências, jurídicas e políticas (para não falar morais), serão gravíssimas. Com base na prisão em segunda instância, grande parte da clientela do Petrolão está presa. E não só ela, mas uma vasta falange de assassinos, estupradores, pedófilos e criminosos de todos os tipos e matizes. Terão de ser soltos, se Lula não for preso.

Condenado em segunda instância, por unanimidade, pelo TRF-4, com prisão decretada, Lula já estaria preso, não fosse uma liminar verbal impetrada por seu advogado, da tribuna do STF.

Fato inédito. Nem precisou ajuizar coisa alguma, papéis, protocolos – nada. Aproveitou a interrupção do julgamento, que acabara de ser adiado por duas semanas – embora convocado em caráter de urgência -, para, da tribuna, propor, e ver aceita, a suspensão da prisão. Tudo muito simples, muito sumário.

Ricardo Noblat: Prisão de amigos foi recado para Temer

- Blog do Noblat | Veja

Aproxime-se para lá...

Nem só de aflições vivem os amigos do presidente Michel Temer, embora alguns deles não vivam de outra coisa há muitos meses desde que se meteram a fazer o que a lei proíbe.

Geddel, Henrique Eduardo, Eduardo Cunha e Rocha Loures, por exemplo, mofam em celas ou não podem sair de casa. Em compensação, o coronel Lima, o advogado José Yunes e outros foram presos e soltos vapt-vupt.

O coronel Lima , o faz tudo de Temer há 40 anos, entrou e saiu sem sequer ser ouvido. Simplesmente recusou-se a falar. Há mais de um ano que foge de prestar depoimento.

Fica a suspeita de que as prisões eram dispensáveis ou que sua revogação foi apressada. Mas cabe também outra leitura: foram feitas para servir de recado a Temer. Do tipo: temos munição de sobra para incinerá-lo.

Se entender o recado, Temer recolherá os flaps, esquecerá o projeto de ser candidato e se conformará em tomar cafezinho frio até seu último dia no Palácio do Planalto.

Limites ao Poder Judiciário: Editorial | O Estado de S. Paulo

A Constituição atribui ao Congresso a prerrogativa de sustar os atos normativos do presidente da República “que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”, conforme o artigo 49, inciso V. Essa prerrogativa visa a impedir que o chefe do Executivo invada competência exclusiva do Legislativo. Contudo, a Constituição não dá poderes ao Congresso caso o Judiciário se arvore em legislador, ainda que o texto constitucional, no artigo 103, parágrafo 2.º, proíba o Supremo Tribunal Federal (STF) de legislar.

É como se, para o constituinte, o Judiciário fosse infalível, sendo dispensado, portanto, de sofrer qualquer forma de controle efetivo por parte dos demais Poderes. Seria a reedição do antigo Poder Moderador, que não tem limites por não ter de responder a ninguém por seus atos. Com um Poder assim, tão acima dos demais, não é de admirar que muitas vezes suas reuniões se confundam com assembleias do Olimpo e que suas decisões frequentemente contribuam para criar ou agravar crises. Afinal, só respeita quem quer a vedação de legislar – e ultimamente é grande o número de juízes da Corte que se orgulham de violar a Constituição.

Ademais, havendo questionamento sobre alguma decisão regulamentar de autoridade judicial, cabe ao próprio Judiciário julgar sua legalidade. É o caso, por exemplo, da infame extensão do auxílio-moradia a todos os magistrados, decidida pelo Conselho Nacional de Justiça em 2014 a partir de liminar do ministro do STF Luiz Fux. O contribuinte, sobre cujos ombros recai a conta dessa benemerência, não tem como impedir que o pagamento seja feito porque o Legislativo não tem poder para reformar as decisões normativas do Judiciário. Apenas o Supremo poderia fazê-lo, mas não o faz.

Refazenda: Editorial | Folha de S. Paulo

Desempenho de Meirelles se deveu a agenda clara e apoio do Planalto; seu substituto precisa do mesmo

No governo de um presidente em fim de mandato, cuja sobrevivência política mais uma vez se encontra sob ameaça, inexiste a possibilidade de uma reforma ministerial concorrer para a melhora da administração pública.

Nos próximos dias serão substituídos nomes do primeiro escalão que pretendem disputar cargos eletivos. Poucos terão deixado alguma marca meritória; quase nada se espera dos novos titulares das pastas além de preservar o apoio partidário a Michel Temer (MDB).

Nesse panorama, a única troca de guarda relevante para o país que existe fora de Brasília deve ocorrer na Fazenda.

O ministro que sai, Henrique Meirelles, realizou um trabalho competente ao longo de quase dois anos no posto —sua única excentricidade foi ambicionar uma candidatura presidencial.

Em quase todo governo, o comando da política econômica é cercado de atenção especial, dado que qualquer sinal de inépcia nessa seara provoca danos imediatos e de difícil reversão.
Sob Temer, o protagonismo da pasta se mostrou ainda mais evidente. Reparar os estragos produzidos pela gestão de Dilma Rousseff (PT), afinal, era na prática a razão de ser do governo que se seguiu ao impeachment.

Situação precária: Editorial | O Globo

Os Correios já foram sinônimo de eficiência, mas, com o passar do tempo e de governos, a empresa não manteve o padrão e, principalmente, não conseguiu enfrentar com êxito a revolução tecnológica de que resultou a internet. As mudanças abalaram parte importante de seus negócios, com o advento do e-mail, imbatível substituto das cartas, mas, em contrapartida, criariam o e-commerce e um enorme fluxo de mercadorias. Em vão, para a estatal.

Como é da visão de mundo de certa esquerda, estatais precisam ser preservadas a qualquer custo, por se tratarem de “patrimônio do povo”. Assim, tudo que ameace monopólios estatais precisa ser combatido.

É um engano. Está provado pela própria Petrobras, virtualmente quebrada quando ficou sob o jugo lulopetista, que a saqueou, pela corrupção, e a forçou seguir um modelo nacional-populista tecnicamente inconsistente. Revertido o monopólio que no governo Dilma tentou-se instituir na operação no pré-sal, e finalizada uma política nacional-populista na compra de equipamento para projetos de exploração nesta área, a empresa renasceu.

Se a revolução tecnológica digital esmagou os “velhos” Correios, ao criar o negócio do ecommerce também instituiu um dinâmico segmento de entrega de mercadorias. Mas os Correios não conseguiram aproveitar, por padecerem dos males decorrentes do aparelhamento de que tem sido vítima. A partir de 2003, já no primeiro governo Lula e devido ao seu projeto de conseguir apoio parlamentar por meio do troca-troca do fisiologismo, os Correios foram transacionados neste balcão de ofertas e procuras.

'Quem apedreja hoje pode virar o apedrejado amanhã', diz sociólogo

Violência na política mostra que democracia não superou autoritarismo, afirma Adorno

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O sociólogo Sérgio Adorno diz que a onda de violência na política —simbolizada pela morte da vereadora Marielle Franco e pelos tiros na caravana do ex-presidente Lula— indica que a democracia brasileira precisa completar um ciclo de consolidação.

Para o professor, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, o país tem que se distanciar do autoritarismo para que o diálogo substitua o poder conquistado por intermédio da força.

Adorno afirma que a polarização fermenta o radicalismo, que deve ser combatido, sob pena de sair do controle. “O apedrejador de hoje pode ser o apedrejado de amanhã”, diz ele, estudioso de direitos humanos e conflitos sociais.

• Folha - Há uma escalada de violência no meio político?
Sérgio Adorno - Não é recente esse fenômeno dos assassinatos de políticos e também de jornalistas mortos porque seu trabalho ameaça políticos poderosos. Mas até então era mais comum em cidades pequenas e médias, sem tanta repercussão na mídia. De qualquer forma, é preocupante. Está geralmente ligado à polarização e à radicalização.

• Por que a violência ocorre?
Primeiramente, nada justifica a violência. Numa sociedade democrática, existem mecanismos institucionais de enfrentamento dos conflitos, como os partidos, os espaços parlamentares, a mídia.
O limite do confronto é provocar dano à integridade física do seu opositor. No Brasil, não estabelecemos esse limite. Os conflitos vão se tornando cada vez mais graves e passionais, levando à ideia de que problemas só são resolvidos com a supressão do opositor, transformado em inimigo.
Isso faz parte de uma sociedade democrática que ainda lida mal com seus conflitos. Qualquer um pode ter posições políticas divergentes das do candidato Lula da Silva, mas isso não justifica agressão à integridade física de quem quer que seja, tanto dele quanto de seus apoiadores.

• O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) afirmou inicialmente que o PT colheu o que plantou.
Achei que foi uma afirmação de cálculo político. Ele sabe que cresce se tirar uma fatia do eleitorado do [Jair] Bolsonaro, e para isso ele [Alckmin] precisa se colocar numa posição de crítico da esquerda. Eu entendo que é uma estratégia política, ainda que ele possa até acreditar nisso.

• A polarização que vivemos é um combustível?
Sim. Ela constrói um mundo de polaridades não negociáveis: certo e errado, justo e injusto, acerto e erro, verdade e mentira. A sociedade democrática é justamente aquela que lida com as diferenças. A polarização é um mal e é incompatível com a vida social.

Temos que enfrentar isso, porque a situação sempre pode se inverter. O apedrejador de hoje pode ser o apedrejado de amanhã. Perde-se o controle. A vida democrática precisa de previsibilidade de comportamentos. Se você vai para um debate sabendo que vai matar ou morrer, não é debate, é confronto de forças.

'Abertura é a mãe de todas as reformas', diz Bacha

Entrevista com Edmar Bacha, economista e escritor

Para Bacha, crescimento virá com comércio exterior, e gasto público tem de ser revisto para atender aos mais pobres

Renata Agostini | O Estado de S.Paulo

Um dos formuladores do Plano Real, o economista Edmar Bacha defende que o próximo presidente anuncie um amplo programa de integração do País ao mundo, que precipite medidas para reduzir o custo Brasil e aumentar a produtividade. Além de acordos comerciais, o programa incluiria menos restrições à atuação de bancos estrangeiros, reforma no sistema tributário e concessões de infraestrutura. “Para nos abrirmos ao comércio exterior, teremos de nos preparar do ponto de vista tributário, educacional, de infraestrutura. Será o grande indutor do crescimento”, disse ao Estado.

Bacha defendeu mudanças nas regras do funcionalismo, com o fim da estabilidade ou possibilidade de corte nos salários, e restrições ao uso do SUS pelos mais ricos. Ele indicou entusiasmo com a candidatura de Geraldo Alckmin pelo PSDB, seu partido, classificou o PT como o grande adversário da sigla e disse que o discurso de Jair Bolsonaro (PSL) não inspira confiança. “O passado dele o condena”, afirmou.

• Quais medidas devem ser prioridade para o novo governo?
A ideia mãe deve ser a abertura da economia ao comércio exterior. Esse será o grande indutor do crescimento e das demais reformas que o País necessita. Para se abrir ao comércio exterior, teremos de estar preparados do ponto de vista tributário, educacional, de infraestrutura. Precisamos pensar em medidas que induzam ou forcem a adoção de outras. Ao expor nossas empresas à concorrência internacional e forçá-las a serem eficientes para sobreviver, criaremos foco no custo Brasil. A abertura é a mãe de todas as reformas.

• Como promover a abertura?
Há medidas que podem vir agora, como acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e entrada do Brasil na OCDE. Minha proposta é que o presidente eleito anuncie um amplo programa de integração do Brasil ao mundo com base nos pilares: redução do custo Brasil – com foco na reforma tributária e nas concessões da infraestrutura –, acordos comerciais e redução da proteção propiciada por medidas protecionistas, como requisitos de conteúdo nacional e impedimentos da atuação de bancos estrangeiros no País, compensada por taxa de câmbio competitiva. O objetivo é assegurar que exportação e importação cresçam fortemente e em paralelo, propiciando aumento da produtividade.

• A postura protecionista de Donald Trump atrapalha?
Tudo indica que os movimentos se dirigem primordialmente à China. Tanto assim que Argentina, Brasil, Canadá, Japão, México, União Europeia obtiveram isenção temporária das tarifas de alumínio e aço. A Coreia do Sul obteve isenção permanente. A China reagiu com precaução, indicando não se tratar de guerra comercial, mas de movimentos táticos entre as duas maiores potências mundiais. Nada disso afeta o projeto de abertura do Brasil.

Entrevista: A cabeça de Marcelo Calero

A visibilidade alcançada com as acusações contra o governo Temer faz com que seja alçado ao posto de principal candidato do PPS, no Rio, a uma vaga na Câmara dos Deputados

Por Paulo Capelli | O Dia

RIO - Ex-ministro da Cultura do presidente Michel Temer (MDB), Marcelo Calero não chegou a completar seis meses na esplanada. Em novembro de 2016, pediu demissão. Acusou o então secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, de pressioná-lo a produzir um parecer técnico para obter vantagens pessoais. O episódio culminou com o pedido de demissão de Geddel. "Só a minha família e eu sabemos o que passamos ao enfrentar aquela quadrilha", diz Calero, diplomata licenciado do Itamaraty. A visibilidade alcançada com as acusações contra o governo Temer faz com que seja alçado ao posto de principal candidato do PPS, no Rio, a uma vaga na Câmara dos Deputados.

• O DIA: Desde 2010, quando se candidatou a deputado federal pelo PSDB, o senhor não concorria a nenhum cargo eletivo. O que o trouxe de volta à política?
Marcelo Calero (PPS): Eu me deparei com o que há de pior na política brasileira, sabe? No meu caso, tinha nome e sobrenome. Aliás, muitos nomes e muitos sobrenomes. São pessoas que me revelaram de maneira nua e crua, na minha frente, o que significa a política brasileira na atualidade...

• (Interrompo) Quando diz nome e sobrenome, o senhor se refere ao presidente Michel Temer?
Michel Temer, Geddel Vieira Lima e todos os envolvidos naquele episódio. É só pegar o meu depoimento à Polícia Federal. Estão todos lá.

• Então foi a decepção pela qual o senhor passou, quando ministro de Temer, que o motivou a voltar ao front político?
Isso. Em uma situação como essa, você tem dois caminhos. Ou você esquece e tenta viver a sua vida para se recuperar do trauma porque foi um trauma para mim e para a minha família, só a gente sabe o que passou ao enfrentar essa quadrilha ou então você parte para cima e entende que tem que ser um agente dessa mudança. É uma convocação que a gente tem que fazer para todo mundo. A política tem que estar no nosso cotidiano.

• O senhor sofreu ameaças durante o embate com Temer? De que forma elas ocorreram?
Isso está sob investigação do Supremo Tribunal Federal. Prefiro não falar sobre o assunto.

• O senhor já disputou eleição pelo PSDB, foi secretário de Cultura do ex-prefeito Eduardo Paes (MDB) e angariou a simpatia da esquerda ao fazer denúncias contra o governo Temer. Agora, está no PPS, que nos últimos tempos tem se aliado a partidos de direita e de centro. Qual o campo político do Marcelo Calero?

Acho que um dos grandes desafios na renovação política é sair desses rótulos: esquerda e direita. Acho que o que a sociedade quer, mais que tudo, é um compromisso inegociável com a ética e a prevalência do interesse público.

• Mas cores políticas existem. O PPS tem caminhado com partidos de direita...
Eu acho que o PPS se posiciona como um partido de centro. E se eu tivesse que me colocar em algum desses espectros, eu diria que sou uma pessoa de centro porque penso no estado eficiente, na necessidade urgente de combatermos a desigualdade social.

Pauta conservadora impede deslocamento de DEM ao centro

Debate sobre costumes ainda pauta legenda de Rodrigo Maia, pré-candidato ao Planalto

Daniel Carvalho, Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Contra o aborto, o casamento gay e a descriminalização das drogas. Apesar de propagandear um discurso de renovação e um deslocamento em direção ao centro, a cúpula do DEM persiste em posições conservadoras no debate sobre costumes.

O partido, que há 11 anos resolveu se despir do nome PFL, agora percebeu que pode abocanhar uma parcela do eleitorado de centro —principalmente diante da crise do PSDB, antes o grande receptor desse tipo de voto.

A estratégia é atenuar o verniz tradicionalista que carimba a sigla desde o fim da ditadura e duelar com a pré-candidatura do tucano Geraldo Alckmin na tentativa de ganhar musculatura política na eleição presidencial.

Dirigentes da sigla, no entanto, admitem que o discurso sobre costumes pouco mudará e que o foco da sigla deve se centrar na implementação de políticas públicas consideradas progressistas.

Os exemplos que serão mais citados são as cotas para o concurso público em Salvador, do prefeito de Salvador e presidente do DEM, ACM Neto, e a resolução que permite transexuais e travestis usarem o nome social nas escolas, chancelada pelo ministro Mendonça Filho (Educação).

Pré-candidato à Presidência pela legenda, Rodrigo Maia fala em “fim de um ciclo da velha política” e se diz contrário a três principais temas quando se fala de costumes.

À Folha Maia afirmou que a legislação sobre aborto é satisfatória e se posicionou contra a descriminalização das drogas e o casamento gay. Para ele, a expressão casamento cria um “conflito desnecessário com os cristãos”.“A união civil resolve o problema.”

A ala mais conservadora do DEM no Congresso, formada por integrantes da bancada evangélica, diz que não está disposta a ceder nesses temas e verbaliza, inclusive, que o discurso de movimento ao centro é apenas pró-forma.

“É só um discurso político para pegar voto de centro. O Brasil é cada vez mais à direita por causa dos escândalos da esquerda. Fui contra a ida para o centro”, diz o deputado Sóstenes Cavalcante (RJ).

Doze anos depois, Alckmin tem mais problemas do que em 2006

Desempenho pior em pesquisas e Lava-Jato desafiam candidatura tucana

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO — Saudade é um sentimento que os políticos não podem se dar ao luxo de ter. Mas um olhar para o passado deve fazer o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, desde quarta-feira passada o pré-candidato oficial do PSDB à Presidência, cair na nostalgia e sentir falta de sua primeira campanha presidencial, em 2006. Em março daquele ano, Alckmin tivera de vencer uma disputa interna tensa com o colega José Serra e enfrentaria um presidente Luiz Inácio Lula da Silva difícil de bater. Mas que nada. Comparado com o cenário atual, o de 2006 era menos áspero para Alckmin.

A lista das adversidades do tucano nesta pré-campanha é bem maior do que naquela — e começa em casa. Daqui 12 dias, Alckmin deixará o cargo com a mais baixa popularidade que já experimentou. Sua aprovação está em apenas 28%. Em abril de 2006, esse índice estava em 66%.

A receptividade da candidatura dele pelo eleitorado de São Paulo é vital para a sobrevivência na disputa. Político que mais tempo terá ficado à frente do governo de São Paulo —13 anos —, Alckmin conta com os dividendos dessa hegemonia para abrir uma boa vantagem de votos no estado em relação aos adversários e chegar ao segundo turno. É aí que uma segunda dificuldade, que também não existia em 2006, se apresenta. Alckmin está perdendo a eleição em seu próprio estado.

Quatro anos atrás, ele foi reeleito no primeiro turno vencendo em 644 dos 645 municípios paulistas, mas hoje perde para o deputado Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas. Em 2006, nesse período, Alckmin ocupava disparado o topo das sondagens, com 41% das intenções de voto.

Ameaçadora, a situação é monitorada por prefeitos aliados do pré-candidato com pesquisas feitas nas regiões metropolitanas do estado.

Controle do PSDB e mais aliados dão fôlego

Alckmin tem bons palanques em São Paulo e Minas Gerais

Silvia Amorim | O Globo

SÃO PAULO - Comando do PSDB, palanques garantidos em São Paulo e Minas Gerais e uma coligação mais robusta são algumas das vantagens que o pré-candidato Geraldo Alckmin 2018 terá em comparação ao de 2006. Para aliados, ter o controle do partido no momento em que disputará a mais difícil eleição da sua vida dá a Alckmin uma tranquilidade que ele não teve em sua estreia nacional, 12 anos atrás.

Políticos que participaram da campanha tucana em 2006 lembram do isolamento político do governador no próprio partido. O racha interno é apontado por muitos como fator decisivo para a derrota vexatória para Lula no segundo turno — Alckmin teve menos votos do que no primeiro turno.

— Como ele não tinha apoio de fato das grandes lideranças do PSDB, era uma candidatura solitária. Hoje a situação é infinitamente melhor. Ele controla o partido e sua candidatura tem apoio majoritário — diz um ex-auxiliar.

O engajamento partidário maior também amplia a cobrança por uma vitória. Se perder, Alckmin dificilmente terá espaço dentro do partido para uma nova candidatura presidencial.

— O PSDB naquele ano fingiu que fez mas, na verdade, não fez campanha para o Alckmin. O Aécio (Neves) brincou de apoiá-lo — lembra o secretário nacional do PTB e amigo do tucano, Campos Machado.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) era candidato à reeleição como governador em 2006 e foi acusado de ter ajudado Lula em vez de apoiar Alckmin. Aliados do pré-candidato também se ressentem até hoje da postura pouco engajada do então candidato ao governo de São Paulo, José Serra.

PALANQUES MELHORES
São Paulo e Minas são os dois maiores colégios eleitorais do país. Para este ano, Alckmin tende a ter palanques mais sólidos e confiáveis com o prefeito paulistano, João Doria, e o senador Antonio Anastasia como cabos eleitorais.

Fernando Pessoa: Caminho a teu lado mudo

Caminho a teu lado mudo
Sentes-me, vês-me alheado ...
Perguntas: Sim... Não ... Não sei...
Tenho saudades de tudo...
Até, porque está passado,
Do próprio mal que passei.

Sim, hoje é um dia feliz.
Será, não será, por certo
Num princípio não sei que
Há um sentido que me diz
Que isto — o céu longe e nós perto
É só a sombra do que é ...

E lembro-me em meia-amargura
Do passado, do distante, E tudo me é solidão ...
Que fui nessa morte escura?
Quem sou neste morto instante?
Não perguntes ... Tudo é vão.