sábado, 7 de abril de 2018

Opinião do dia: Sílvio Romero

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Com poucos anos ainda de existência a república do Brasil tem passado por intensas comoções internas, que estão a pedir o estudo e as apreciações dos publicistas e filósofos.

Quais as causas históricas das lutas entre nós pugnadas nesse lapso de tempo?

Quais os seus móveis próximos e quais os remotos?

Qual a lei sociológica que vai presidindo ao desdobramento dos fatos?

A elucidação destes e de outros problemas congêneres seria de inestimável valor para a orientação dos espíritos, o que importa dizer – para a apaziguação geral, que, nas atuais circunstâncias, seria o melhor serviço prestado a este país.
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Sílvio Romero (21/4/1851-18/6/1914) foi um advogado, jornalista, crítico literário, ensaísta, poeta, historiador, filósofo, cientista político, sociólogo, escritor, professor e político brasileiro. “Os novos partidos no Brasil e grupo positivista entre eles” Texto publicado em 1894. Seleção de Antonio Candido, p. 167, Editora Edusp, 1978.

Fernando Gabeira: Embargo do embargo

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- O Globo

Nesse momento em que vejo a vida como um milagre, o fato mais previsível do mundo é alguém condenado pela Justiça ser preso

Gostaria de estar à altura do nível dramático desta semana no Brasil. No entanto, aconteceu algo que me deixou frio e calmo. 

Viajávamos para Serafina Correa (RS) e, na altura de um lugar que se chama Encantado, um carro perdeu a direção, cruzou a estrada e bateu violentamente no nosso. Em meio à fumaça, lembro-me de ter dito apenas: sobrevivemos.

Quando se vê a morte tão de perto e se escapa dela, pelo menos no primeiro momento tudo fica mais simples.

Horas depois conseguimos um novo carro, o outro teve perda total, e voltamos a ouvir os longos votos dos ministros do Supremo sobre o habeas corpus de Lula. Sinceramente, talvez influenciado pela alegria de sobreviver, não via o fim de tudo se o STF derrubasse a prisão em segunda instância.

O velho mecanismo de corrupção seria de novo azeitado e, para nos impressionar, de vez em quando prenderiam um ancião e criariam um vaivém de cadeiras de rodas no presídio. Como somos sentimentais, aceitaríamos que os anciões fossem libertados logo para cumprir prisão domiciliar.

O único problema dessa opção: a Justiça no Brasil deixaria de funcionar em nome do belo princípio de presunção da inocência. As vítimas dos crimes continuariam desemparadas.

Merval Pereira: Beirando a irresponsabilidade

- O Globo

Nas análises dos especialistas em mediação de conflitos da Polícia Federal, o PT usou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC como um bunker para proteger o ex-presidente Lula, e militantes como barreiras humanas para impedir uma ação policial sem incidentes graves.

Na verdade, há a avaliação de que, ao se recusar a apresentar-se em Curitiba às 17h de ontem, e dizer num primeiro momento que Lula não se entregaria, a estratégia do PT beirou a irresponsabilidade, buscando uma ação violenta, possivelmente um conflito grave que pudesse ser utilizado como base para uma acusação de ação desproporcional do Estado repressor.

Um cadáver produzido por um conflito de tal gravidade seria o detonador de uma crise institucional dificilmente superável. Essa estratégia de teor insurgente foi esvaziada pela atitude tolerante da Polícia Federal, que tinha o mandado para operacionalizar a prisão vencido o prazo concedido.

Para conseguir tal objetivo, a Polícia Federal e o próprio juiz Sérgio Moro, que autorizou o início do cumprimento da pena, correram o risco de passar à sociedade uma imagem de fraqueza diante do ex-presidente condenado, para evitar uma tragédia que talvez fosse ansiada por uma militância mais radical, que acabou ganhando aparentemente a queda de braço. Moro chegou a pensar em decretar a prisão preventiva de Lula, o que impediria o ex-presidente de se beneficiar caso o STF mude a jurisprudência, proibindo a prisão em segunda instância. Dependendo do desenrolar da situação hoje, não está descartada a possibilidade.

Aparentemente porque, na verdade, o que acontecia nos bastidores era uma frenética negociação entre emissários do PT e da Polícia Federal, o que descaracteriza a possibilidade de confronto e estabelece a aceitação, por parte dos representantes legais de Lula, das regras do jogo democrático. Ao mesmo tempo, os advogados do expresidente usavam os instrumentos de nosso sistema judicial para tentar recursos nos tribunais superiores, o que também confirma que, embora denunciem aos quatro ventos ilegalidades, cumprem as regras democráticas na defesa do condenado.

Míriam Leitão: O dia mais longo

- O Globo

O ex-presidente Lula fez ontem um último e desesperado gesto para demonstrar força. Deixou passar o prazo e cercou-se de militantes, enquanto nos bastidores negociava com a PF. Cada minuto corria contra os dois lados. Para a Justiça, porque estava sendo desrespeitada, e para ele, porque enfrentou riscos de piorar sua situação. Mas duas coisas estão certas sobre Lula: ficou inelegível e vai para a prisão.

O juiz Sergio Moro decidiu aguardar a negociação, mas nas suas mãos estava a possibilidade de decretar a prisão preventiva por descumprimento de ordem judicial. O primeiro efeito disso seria Lula não ser mais alcançável por benefício, nem por uma hipotética mudança de entendimento do Supremo sobre execução da pena. Outro seria perder o que havia conseguido, como a cela especial. Moro preferiu esperar uma saída negociada pela PF. Tecnicamente, Lula evitou o pior, porque seus advogados procuraram a Polícia Federal antes do prazo final e assim conseguiu-se evitar a caracterização de foragido.

Contudo, um ministro do STF me disse que Moro tem que tomar “decisões drásticas” para não desmoralizar a Justiça, caso o ex-presidente continue desrespeitando a ordem. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, que desde a manhã fizera o seu planejamento estratégico para a prisão, sabia que ir ao Sindicato dos Metalúrgicos seria cair numa armadilha e colocar terceiros em risco, por isso preferia negociar.

Miguel Reale Júnior*: Confiança e Justiça penal

- O Estado de S.Paulo

Um Direito Penal sem aplicação urgente conduz à anomia, à certeza da impunidade

As ruas vestiram-se novamente de verde e amarelo no dia 3 passado. Foi um grito da cidadania em legítima defesa, clamando à nossa Suprema Corte para não consagrar privilégios ao ex-presidente Lula, deixando a sociedade órfã, ao se garantir a impunidade por via do prolongamento indeterminado de processos, contrariando o estatuído em diversos ordenamentos de países democráticos. Mas como evoluiu essa questão da execução da pena, seja ela de que natureza for – prisão, serviços à comunidade ou multa?

Sob a égide do Código de Processo Penal de 1941, decretava-se a prisão preventiva de forma peremptória pelos crimes mais graves, além de se exigir o recolhimento à prisão para poder apelar. Também era imposta a prisão ao réu de crime de homicídio cuja autoria e materialidade fossem reconhecidas pelo juiz ao enviar o processo para julgamento pelo júri.

João Domingos: Jogo perigoso

- O Estado de S.Paulo

A posição de enfrentamento adotada pelo PT tem sido danosa para tudo e para todos

A posição de enfrentamento que o PT adotou em relação ao Ministério Público, à Justiça e aos meios de comunicação desde o escândalo do mensalão, com maior radicalização a partir do início do processo de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, tem sido danosa para tudo e para todos. Por um lado, prejudica o próprio PT, haja vista a surra que o partido levou na eleição municipal de 2016. Por outro, faz surgir, como reação a esse clima de beligerância, algo impensado até pouco tempo, como o apoio à volta dos militares ao poder ou o crescimento de uma candidatura que se propõe a ser a antítese de Lula, esta representada pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).

Pior de tudo é que a polarização que se vê nas ruas tem atingido, de forma indireta, as instituições garantidoras do Estado Democrático de Direito, com divisão clara e ataques pessoais, como os verificados no dia a dia do Supremo Tribunal Federal (STF), além de esgarçar o tecido social. A polarização, ao contrário do que se diz por aí, não surgiu somente por causa das disputas eleitorais entre PT e PSDB. Ela surgiu principalmente depois dos discursos carregados de ódio do “nós contra eles”, em que o “nós” era vendido como aqueles que, no petismo, defendiam os pobres e oprimidos, e o “eles” os contrários à luta pela igualdade social.

A posição de enfrentamento constante, apregoada pelo próprio Lula, quando ameaçou chamar o “exército do Stédile”, ao se referir ao MST, movimento que orbita em torno do PT, ou quando disse que não cumpriria a decisão judicial se essa fosse por sua prisão, e o foi, pode até dar uma sensação de onipotência em determinado momento. Como no dia em que, num comício dentro do Palácio do Planalto, Vagner Freitas, da CUT, prometeu pegar em armas para defender o mandato de Dilma Rousseff. Ou na noite de quinta para ontem, quando a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo foi tomada por militantes que para lá se dirigiram em solidariedade a Lula, levando o ex-ministro Gilberto Carvalho a dizer que a multidão impediria a prisão do ex-presidente. Mas todo mundo sabe que o tempo passa e os planos de desobediência precisam ser desfeitos, mesmo que José Rainha, desaparecido como anda, ameace com uma guerra civil.

Hélio Schwartsman: Lula estragou a biografia

- Folha de S. Paulo

Ex-presidente se meteu em relacionamentos eticamente inaceitáveis com empreiteiras

É triste ver Luiz Inácio Lula da Silva prestes a ser preso.

Sua biografia era uma daquelas de contos de fadas. Garoto pobre do Nordeste chega a São Paulo num pau de arara. Devido às dificuldades econômicas da família, estuda pouco, mas torna-se metalúrgico, sindicalista e líder político de esquerda. É perseguido pela ditadura e demonizado pela elite. Perde sucessivos pleitos presidenciais, até que finalmente triunfa. Sob sua gestão, o país cresce como não se via havia décadas e a desigualdade cai. A consagração vem no Brasil e no exterior.

Leitores poderão apontar pequenos exageros e omissões na narrativa, mas ela é essencialmente correta. Conta ao mesmo tempo uma história de autossuperação, que exalta virtudes do indivíduo, e de mobilidade social, que consagra o sistema democrático. O problema é que, em algum momento, Lula fraquejou.

No mínimo, ele se meteu em relacionamentos eticamente inaceitáveis com empreiteiras. Mesmo aceitando a narrativa lulista, é forçoso concluir que construtoras reformaram de graça o sítio que amigos lhe emprestavam para passar os fins de semana e remodelaram, ao gosto da família do petista, um apartamento na praia para o caso de ele desejar comprá-lo.

Demétrio Magnoli: O dia da prisão de Lula

- Folha de S. Paulo

O suicídio de Vargas eternizou o varguismo. A prisão de Lula emoldura o lulismo para a posteridade

As duas afirmações seguintes não são idênticas: 1) Pobre do país que envia à prisão o candidato presidencial favorito; 2) Pobre do país cujo candidato presidencial favorito é enviado à prisão. A primeira concentra uma narrativa filopetista na qual a vontade popular é fraudada pelo Estado. A segunda, uma narrativa antipetista, na qual a ordem legal protege a nação do populismo.

Ambas, porém, concordam no qualificativo empregado como lamento: numa versão ou na outra, a prisão de Lula revela a dimensão da crise nacional brasileira.

Já se falou demais sobre a "história de vida" de Lula. Conta-se que, para preservar um simbolismo político valioso, FHC dissuadiu os tucanos de apresentarem um pedido de impeachment após as confissões de Duda Mendonça, em 2005, auge do escândalo do mensalão, quando um Lula alquebrado segurava-se nas cordas. O romance épico do retirante nordestino famélico que conquistou o Planalto seria, segundo o sociólogo tucano, um mito político insubstituível: a coroa de louros de nossa jovem democracia. O que fazer com isso, no dia da prisão de Lula?

O Lula descrito por Lula nunca foi menos que a metáfora de forças sociais irresistíveis. Nas assembleias da Vila Euclides, em 1980, ele disse que corporificava a classe trabalhadora. Nos dias de glória do Palácio, desde 2003, e depois, sob o assédio dos tribunais, passou a dizer que corporifica o próprio povo brasileiro. A derrota de Lula equivaleria, então, à derrota da nação.

Você tem o direito de divergir dessa narrativa arrogante, de evidentes raízes autoritárias. Mas, tirando os cínicos incuráveis, ninguém discordará de que a democracia brasileira perde algo muito relevante: a oportunidade de julgar, nas urnas, o legado dos governos de Lula e Dilma. O lulismo condenado pelos juízes escapa ao tribunal da cidadania. Isso tem consequências.

Rodrigo Vizeu: Lula deve ser o primeiro ex-presidente preso após ser alvo condenação penal

- Folha de S. Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva, 72, é a primeira pessoa a ocupar a cadeira de presidente da República a ser presa após ser condenado na esfera penal.

Na história republicana, só tiveram a cadeia como destino mandatários ou ex-mandatários suspeitos ou acusados de crimes políticos, em meio a crises e golpes.

O próprio Lula tem outra prisão, em 1980, em seu histórico, mas que não conta no critério porque 1) embora popular líder sindical, ele ainda estava a muitos anos de ter em sua biografia a faixa presidencial; e 2) o encarceramento ocorreu sob a ditadura militar, quando inexistia no país Estado de direito –o jovem sindicalista foi tirado de casa sob acusação de “incitação à desordem”, chegou a ser condenado na Justiça Militar e o processo acabou anulado. Um juízo político, portanto.

O caso que mais se aproxima do caso da atual situação Lula, com algum tipo de tramitação na esfera judicial, ocorreu há quase 96 anos.

Em julho de 1922, foi preso o marechal Hermes da Fonseca, que chefiara o Poder Executivo federal de 1910 a 1914 –cerca de sete anos e meio após deixar a cadeira presidencial, intervalo semelhante ao do petista.

Então presidente do Clube Militar, Hermes teve a prisão decretada pelo próprio presidente Epitácio Pessoa, após contestar a repressão do governo contra grupos insatisfeitos com a eleição de Artur Bernardes para o Palácio do Catete.

Após sofrer um infarto, o ex-presidente foi liberado, voltando a ser preso dias depois, com a revolta no Forte de Copacabana. Com o tenentismo em seu pé, Epitácio decretou estado de sítio.

Hermes seria libertado após um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em seu favor em janeiro de 1923. Doente, morreria em setembro daquele ano.

Ricardo Noblat: Meu personagem inesquecível

- Blog do Noblat | Veja

Que magnífica biografia, a de Lula. De preso político a político preso

Lula virou, mexeu, mas não saiu do lugar. Sérgio Moro, o mais exímio enxadrista da sua geração de juízes, aplicou-lhe um xeque e 40 horas depois, Lula continua em xeque. Ganhou tempo para pensar se o xeque o deixou sem saída ou se há alguma. Não parece haver.

Na prática, Lula está preso desde que se refugiou na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo na noite da última quinta-feira. Com a diferença de que ali sua cela é mais ampla do que será a de Curitiba. E visitas são permitidas a qualquer hora.

Ter que dormir numa cama improvisada, sem frigobar por perto, sem a tv de 50 polegadas e de alta definição a qual estava acostumado, sem poder levantar de madrugada e desfilar nu pela casa, enfim sem o conforto de estar em um lugar que é seu, é um tremendo incômodo.

E ter que ouvir o ex-senador Eduardo Suplicy a dissertar sobre as vantagens do programa de renda mínima? E a ter que ouvir amiúde a vozinha irritante da senadora Gleisy Hoffman, presidente do PT? E à algaravia infernal de conselheiros, admiradores e até desconhecidos?

Dora Kramer: Para a frente é que se anda

- Revista Veja

Importante para o país não é o destino de Lula, mas a eleição de outubro

O barulho provocado nos meios de comunicação, no mundo político e no universo jurídico pelo julgamento do habeas-corpus preventivo para Luiz Inácio da Silva não teve a mesma estridência na sociedade em geral. Houve interesse, e grande, em acompanhar o assunto. Isso é uma coisa. Outra coisa é o grau de engajamento do cidadão dito comum na causa. Seja a favor, seja contra Lula. Percebe-se a olho nu que a maioria se mantém distante do comprometimento algo histérico da militância de parte a parte.

Nada contra militantes e/ou as respectivas motivações. Por óbvio, tampouco me passa pela cabeça a imposição de qualquer reparo a manifestações. Ao contrário: o protesto e a desavença ruidosos são inerentes a regimes em que vigora a liberdade. Melhor o alvoroço explícito que o silêncio da concordância implícita na força terrorista do autoritarismo. A controvérsia é do jogo democrático, que inclui o respeito ao valor do contraditório e a submissão à decisão da maioria quando tomada sob a égide de regras claras.

Sobre isso na sessão do Supremo Tribunal Federal que examinou o habeas-corpus de Lula falou com precisão a ministra Rosa Weber em seu voto pautado pela coerência, sustentado na observância do coletivo em detrimento de posições pessoais. O mesmo tipo de harmonia mental e profissional não esteve presente na argumentação do ministro Gilmar Mendes, que mudou de posição, mas não foi coerente na explicação.

Ruy Fabiano: A crise em nova fase

- Blog do Noblat | Veja

O PT não perdeu a capacidade de agir no tapetão.

A prisão de Lula não encerra a crise; coloca-a em novo (e mais complexo) patamar. A bagunça que promoveu, país afora, confirmou que o número dos que o seguem, embora barulhentos e violentos, é cada vez menor. O PT, definitivamente, perdeu povo.

Mas não perdeu a capacidade de agir no tapetão. O partido ainda deposita suas esperanças no STF. É lá que estão as duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) que tratam da prisão em segundo grau. O relator, ministro Marco Aurélio, contrário a essas prisões, vai levar o tema ao plenário na quarta-feira.

Se a maioria – e ela já parece estabelecida – entender que as prisões só devem ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que equivale a quatro instâncias de apelação, Lula não ficará nem uma semana na cadeia.

Nem ele, nem a clientela enjaulada pela Lava Jato. Entre outros, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Antonio Palocci, João Vaccari. De quebra, o recurso às delações premiadas, vital para o desbaratamento dos crimes de colarinho branco, perde sua razão.

Com a exigência do trânsito em julgado, reabre-se larga avenida para recursos e apelações, que podem levar anos e nem se consumar, provocando a prescrição da pena. Basta dispor de bons advogados, que jamais faltaram aos ladrões engravatados, e tudo voltará a ser como sempre, no generoso país da impunidade.

A força da Lava Jato: Editorial | O Estado de S. Paulo

A ordem de prisão contra o ex-presidente Lula da Silva elevou a Lava Jato a um novo patamar. Ao investigar, processar, julgar, condenar e mandar para a cadeia um homem tão poderoso e influente como o chefão petista, a operação exibe um vigor que certamente deixará preocupados muitos dos que ainda têm contas a acertar com a Justiça em razão de envolvimento na rapinagem do Estado. Ao mesmo tempo, a Lava Jato atinge em cheio o coração do maior esquema de corrupção da história do Brasil, pois foi sob o governo de Lula da Silva que o PT e seus associados – ou, mais apropriadamente, cúmplices – estruturaram o assalto à Petrobrás e a outras estatais, transformando todos os contratos públicos em potencial fonte de recursos para os partidos e para seus abonados caciques.

Recorde-se que o processo que resultou na condenação de Lula pode ser considerado marginal quando se levam em conta os bilhões de reais desviados no monumental escândalo da Petrobrás. O petista foi condenado pelo juiz federal Sérgio Moro por ter ocultado a propriedade de uma cobertura triplex num condomínio no Guarujá, recebida como propina paga pela OAS – uma das empreiteiras aquinhoadas com contratos no esquema do petrolão.

Pode-se dizer que o apartamento foi apenas um mimo em agradecimento ao franqueamento da Petrobrás à pilhagem. Mas, a exemplo do que aconteceu com Al Capone, o célebre gângster americano que foi preso não em razão de suas inúmeras atividades criminosas, mas sim por sonegação de impostos, o caso do triplex, que rendeu a ordem de prisão contra Lula, está muito longe de resumir o papel do ex-presidente no petrolão.

Não se pode perder de vista que tanto o esquema de corrupção no Congresso apelidado de mensalão como o que abriu os cofres da Petrobrás aos ladravazes associados ao governo petista faziam parte de um plano muito bem articulado de manutenção do lulopetismo no poder.

A frágil defesa do fim da prisão na segunda instância: Editorial | O Globo

A longa sessão do STF de julgamento do habeas corpus de Lula serviu para expor a falta de base sólida dos que defendem a mudança da jurisprudência

As onze horas da sessão do Supremo, do início da tarde de quarta-feira ao começo da madrugada de quinta, foram uma aula multidisciplinar. Houve a lição de coerência, por meio da ministra Rosa Weber, vencida em 2016 na questão do início de cumprimento da sentença na condenação em segundo grau, mas que vota como estabeleceu o colegiado, em nome da segurança jurídica, um exemplo para outros ministros. E assim, a ministra negou o HC a Lula, apesar da pressão deselegante dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, exercida também sobre a presidente da Corte, Cármem Lúcia.

As onze horas do julgamento serviram, ainda, para expor manobras coordenadas entre Gilmar Mendes, Lewandowski e Marco Aurélio Mello, a fim de transformar a sessão, convocada para tratar do caso específico de Lula, em plenária de alteração da jurisprudência da segunda instância. Não deu certo.

As onze horas também foram usadas para uma aula de Luís Roberto Barroso sobre os males da extinção, pelo STF, em 2009, da norma da execução de pena a partir da condenação em segunda instância, como vigorou desde outubro de 1941, com a promulgação do novo Código de Processo Penal, até 2009, quando o então ministro Eros Grau, ao relatar um pedido de habeas corpus, propôs a mudança e teve êxito. Hoje se arrepende.

A sessão do HC de Lula serviu também para expor a fragilidade da argumentação em favor da volta da jurisprudência instituída em 2009, depois de 68 anos de aplicação da norma do início da execução da pena na segunda instância, e revogada em 2016.

Cumpra-se a lei: Editorial | Folha de S. Paulo

Como em outros processos, prisão de Lula se inscreve na plena normalidade republicana

Em meio às previsíveis manifestações de seus partidários mais inconformados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preferiu não cumprir o prazo que lhe foi concedido pelo juiz Sergio Moro para apresentar-se à sede da Polícia Federal em Curitiba.

Sem constituir desobediência a ordem judicial, sua atitude reflete um cálculo político que corresponde mais, nesta altura, à expectativa da militância petista do que ao efeito que possa ter no conjunto da opinião pública.

Ainda que sejam intensas e díspares as emoções que o fato suscita, a prisão de Lula segue um protocolo republicano que transcende as significações ideológicas e as paixões partidárias de que se tenta revesti-lo, com doses negligenciáveis de provocação.

Não se sustenta, é óbvio, a versão lulista de que tudo se reduz a uma perseguição política contra um líder de origem operária.

Também foram atingidos por decisões judiciais e ordens de prisão, nestes anos de Lava Jato, figuras como Paulo Maluf, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Marcelo Odebrecht, Valdemar Costa Neto ou Geddel Vieira Lima, a quem não se podem atribuir compromissos históricos com a luta sindical ou a defesa dos excluídos.

Estrebucho diante da lei: Editorial | O Estado de S. Paulo

A reação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) à ordem de prisão do sr. Lula da Silva evidencia uma vez mais quem está do lado da lei – do lado do Estado Democrático de Direito – e quem está do lado da baderna. Até ontem, a Polícia Federal havia confirmado a interdição de 18 trechos de rodovias federais em 11 Estados por bloqueios dos militantes do MST. Segundo um dos coordenadores do movimento, Alexandre Conceição, a ideia é bloquear 50 estradas em 24 Estados. Foi ele quem anunciou recentemente que haveria “porrada, guerra e luta” em defesa do demiurgo de Garanhuns.

João Pedro Stédile, o baderneiro-mor do MST, também saiu a campo para conclamar seus militantes a protestarem contra o que ele chamou de “golpe do Poder Judiciário”. Segundo Stédile, “Lula não cometeu nenhum crime, mas eles querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral”. Para ele, “o único juiz verdadeiro do Lula deve ser o povo”.

A contradição do discurso é evidente. O MST protesta contra o golpe que estaria em curso no País, isto é, afirma que “os interesses do capital internacional, somados aos interesses do capital nacional”, estão desrespeitando as leis e as instituições, mas ele mesmo não tem nenhum pudor em proclamar que Lula está acima da lei e das instituições, que só o povo poderia julgá-lo.

O motivo para a imunidade lulista é claro. “Lula é maior que o PT, que a esquerda. Ele é a síntese da classe trabalhadora”, disse João Pedro Stédile, para arrematar que “prender Lula é prender o povo”.

Lula se entrincheira em sindicato e não cumpre prazo dado por Moro

STJ nega novo pedido de habeas corpus, e defesa entra com recurso no STF

Petista deve se entregar hoje de manhã

O ex-presidente Lula usou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que o projetou na política nos anos 70, como trincheira para tentar evitar a prisão. Ele ignorou o prazo concedido pelo juiz Sergio Moro para que se apresentasse voluntariamente até as 17h. Cercado por aliados e advogados, Lula não falou aos manifestantes reunidos em frente ao prédio: concentrou-se na estratégia de negociação com a Polícia Federal das condições para ser preso. A defesa ingressou com pedido de habeas corpus, negado pelo STJ. À noite, um recurso foi encaminhado ao STF. Lula participará da missa pelo aniversário da ex-primeira-dama Marisa Letícia, às 9h30m de hoje, e deve se entregar à PF depois disso. Ex-presidente não cumpre prazo dado pelo juiz Sergio Moro, mas deve se entregar hoje à Polícia Federal

Cleide Carvalho, Thiago Herdy e Sergio Roxo | O Globo

SÃO PAULO - Ao não cumprir o prazo dado pelo juiz Sergio Moro de se entregar até às 17h de ontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, berço de sua carreira política, numa espécie de bunker de resistência contra a operação Lava-Jato. Ao permanecer no local por mais de 24 horas, cercado de aliados, simpatizantes, advogados, familiares e políticos, Lula se empolgou com a mobilização e terminou o dia discutindo alternativas sobre como e quando deveria começar a cumprir sua pena de 12 anos e um mês de prisão.

LULA PODE SE ENTREGAR HOJE
Até o fechamento desta edição, as negociações entre a banca de advogados do petista e os delegados da Polícia Federal caminhavam para que o ex-presidente se entregasse hoje — após uma missa pelo aniversário de dona Marisa Letícia, que faria 68 anos hoje, a ser rezada no próprio sindicato. Embora não seja praxe prisões ocorrerem no fim de semana, a não ser em casos de flagrante, o caso do ex-presidente tem sido tratado de forma excepcional.

Lula quis transformar o ato da prisão num marco político, se valendo de um velho recurso que já havia utilizado nos anos 1970, quando presidia o sindicato: o de se refugiar na sede da entidade. Foram várias noites passadas na entidade, naquela época para evitar uma detenção pelo aparelho de repressão da ditadura militar.

MST vandaliza prédio de Cármen Lúcia

Militantes do MST e do Levante Popular da Juventude jogaram tinta na fachada do edifício da presidente do STF em Belo Horizonte e picharam “Lula livre” na calçada. Associações de imprensa repudiaram agressões a jornalistas que cobriam atos pró-Lula.

Apartamento de Cármen Lúcia é atacado

Manifestantes do MST jogaram tinta vermelha na fachada de prédio em Belo Horizonte

Mateus Coutinho | O Globo

-BRASÍLIA- O prédio onde fica o apartamento da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, em Belo Horizonte, foi atacado ontem à tarde por manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e do Levante Popular da Juventude. Os manifestantes jogaram tinta vermelha na fachada do edifício e escreveram “Lula Livre” na calçada e “Carmem (sic) golpista” no portão de acesso ao prédio. No final da noite, segundo a TV Globo, dois suspeitos de participar do ataque foram detidos.

Os dois movimentos compartilharam registros do protesto em suas páginas nas redes sociais.
Não havia ninguém no apartamento no momento do protesto, já que Cármen Lúcia está em Brasília, segundo sua assessoria de imprensa. A Polícia Militar de Minas Gerais informou, por meio de sua assessoria, que foi lavrado um Boletim de Ocorrência sobre o ocorrido e estão sendo apurados os responsáveis.

Foram avistados três ônibus nos arredores do prédio, localizado na região centro-sul da capital mineira. Os manifestantes surpreenderam os moradores da vizinhança. A ministra é professora da PUC-Minas e mantém o apartamento para quando precisa ir a Belo Horizonte.

O ataque ocorreu no mesmo dia determinado pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se entregasse à Polícia Federal. Na quintafeira, o STF rejeitou um habeas corpus preventivo pedido pela defesa do petista. A presidente do STF foi a última a votar e desempatou o julgamento ao decidir contra o pedido para que o ex-presidente permanecesse em liberdade até serem esgotados todos os recursos no processo do Tríplex do Guarujá.

Associações de imprensa repudiam ataques a jornalistas

- O Globo 

Equipes foram hostilizadas enquanto cobriam manifestações pró-Lula

Associações de imprensa emitiram ontem uma nota conjunta de repúdio às agressões sofridas por jornalistas que faziam a cobertura de manifestações pró-Lula, após a decretação da prisão do ex-presidente pelo juiz Sergio Moro. Equipes do “Correio Braziliense”, do SBT e de “O Estado de S.Paulo”, e um fotógrafo da Reuters foram agredidos em momentos diferentes da mesma noite.

Em Brasília, cerca de 30 manifestantes avançaram sobre um carro do “Correio Braziliense”, em frente à sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e quebraram um dos vidros. Uma repórter, uma fotógrafa e o motorista estavam no veículo. Ninguém ficou ferido. A equipe do jornal registrou ocorrência.

Ainda na capital federal, um manifestante ameaçou e cercou uma equipe do SBT, composta por um cinegrafista e uma produtora. Um fotógrafo da Reuters também foi hostilizado e teve de deixar o local e interromper a cobertura do protesto convocado pela CUT em defesa de Lula.

Em São Bernardo do Campo, o fotógrafo Nilton Fukuda, da Agência Estado, foi atingido com ovos ao registrar manifestações em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, para onde o ex-presidente se dirigiu no início da noite da última quinta-feira.

Sindicato em São Bernardo do Campo reúne poucos e atordoados manifestantes

Organizações que assumiram a linha de frente da defesa de Lula tiveram presença tímida

Ricardo Balthazar| Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E SÃO BERNARDO DO CAMPO - Quando chegou à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, na manhã desta sexta-feira (6) para expressar solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-deputado petista Expedito Soares olhou para o helicóptero nos céus, praguejou contra a Rede Globo e lembrou-se do fim da ditadura militar (1964-1985).

“Os helicópteros dos militares que vigiavam nossas assembleias passavam uma vez e iam embora, enquanto esse aí veio para ficar o dia inteiro”, disse Soares, integrante da diretoria que assumiu o sindicato com Lula em 1978 e o primeiro deputado estadual eleito pelo PT em São Bernardo do Campo, em 1982.

Aos 66 anos, Soares ganha a vida como advogado e está longe da política. Afastou-se do PT decepcionado com o escândalo do mensalão, que marcou o primeiro mandato de Lula. Mas fez questão de ir ao sindicato nesta sexta para estar ao lado do antigo companheiro.

“O PT cometeu muitos erros, mas também houve acertos”, disse. “Não posso concordar com a perseguição política que Lula e o PT sofrem hoje.”

Ao chegar ao sindicato, arriscou um palpite: “Vão ter que mandar a polícia bater no povo para entrar e levar Lula”. Não foi preciso.

A multidão que se formou em frente ao sindicato ao longo do dia mal conseguiu reunir gente suficiente para preencher o quarteirão em frente e na lateral do prédio. Com a decisão de Lula de permanecer no local para negociar as condições de sua apresentação às autoridades, não houve confronto.

Organizações que assumiram a linha de frente da defesa de Lula, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), tiveram presença tímida. Liderado pelo presidenciável Guilherme Boulos (PSOL), o grupo participou da vigília em São Bernardo do Campo com uma barraca na calçada do sindicato e duas dezenas de militantes.

Carlos Drummond de Andrade: Ainda que mal

Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.