sexta-feira, 27 de abril de 2018

Opinião do dia: José de Souza Martins

É significativo que nenhum dos dois fale em democracia nem defina que compromisso têm eles com a concepção de um verdadeiro regime democrático. Se a ambos somarmos boa parte dos candidatos de menor expressão, igualmente autoritários, na direita e na esquerda, a partir das pesquisas de opção eleitoral, teremos que pelo menos 50% dos votos são de inspiração autoritária e antidemocrática. Esse número pode chegar a 60% dos votos ou mais.

Nesse sentido, tudo fica dependendo de que surja um candidato aglutinador, com uma indiscutível bandeira democrática, que consiga convencer o eleitorado da importância da democracia, da liberdade de pensamento e de divergência, e do direito à diferença. Se isso não acontecer, no curto tempo que nos resta, o Brasil estará entrando no beco sem saída de uma democracia de papel.
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José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Política do Brasil Lúmpen e Místico” (Contexto). ‘Adeus à democracia?’, Valor Econômico, 27/4/2018.

Roberto Freire: As chances do centro democrático

- Diário do Poder

As pesquisas publicadas na imprensa são deturpadas pelas chamadas, que visam, obviamente, vender jornal.

“Fulano tem 20% das intenções de voto”, é comum algo do gênero.

Na verdade, as intenções de voto são divulgadas sobre o montante dos que votaram, não da totalidade dos pesquisados.

10 entre 10 pesquisas seriamente realizadas apontam o fato de que cerca de 65% do eleitorado não têm candidato.

Mesmo entre o percentual reduzido (entre 30% e 35%) dos que foram levados a declarar voto (uma pequena parte dos pesquisados apresentou espontaneamente seus candidatos), seria uma estupidez inferir que esse quadro representa o que acontecerá no dia 7 de outubro vindouro.

Não estamos nem no pré-jogo, para usar uma linguagem futebolista.

No máximo, os elencos estão em montagem.

O pré-jogo começará quando a campanha for para as ruas, na segunda metade de agosto. O jogo, somente nas duas, três semanas prévias ao pleito, quando a população começar a conversar, entre si, pela definição do que fará na urna eletrônica.

Teremos dezenas de milhares de candidatos a vereador (isso mesmo, eles já começam a se mexer em 2018 com o olhar em 2020), deputados-estaduais, deputados-federais, senadores, governadores e a Presidência da República em marcha, na mídia eletrônica, nas redes sociais e nos logradouros dos mais de 5.500 municípios brasileiros.

Contam tempo de televisão, alianças, capilaridade, propostas, debates, corpo a corpo, recursos financeiros, aliás, como sempre.

Eliane Cantanhêde: Ataques em série

- O Estado de S.Paulo

Intenção é favorecer Lula e esvaziar Moro, ou favorecer todos e esvaziar a Lava Jato?

A Lava Jato enfrenta três ataques frontais: a pressão para revogar a prisão após condenação em segunda instância, a autorização do Supremo para o senador cassado Demóstenes Torres ser candidato em outubro e, agora, a retirada de trechos das delações da Odebrecht da mesa do juiz Sérgio Moro. Aí tem!

São três frentes e três ministros da Segunda Turma do Supremo, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, com um aliado atuante na Primeira Turma, Marco Aurélio Mello, que decidiu matar no peito a prisão em segunda instância.

A nova jogada, envolvendo os trechos sobre o ex-presidente Lula nas delações da Odebrecht, gerou perplexidade e uma única certeza até no próprio Supremo: há uma trama não apenas para favorecer Lula e esvaziar Moro, mas para favorecer os demais peixes graúdos fisgados e esvaziar a própria Lava Jato. Só por isso, Gilmar, Lewandowski e Toffoli teriam mudado o voto dado em outubro de 2017.

A partir dessa certeza, acumulam-se dúvidas sobre qual a amplitude da decisão e quais serão os próximos passos. Um ministro do Supremo chegou a encomendar parecer de auxiliares para tentar desvendar o mistério e não ser surpreendido mais adiante.

Até agora, há esforço para tentar minimizar a decisão da Segunda Turma, alegando que foi uma “mera formalidade” e que Moro continua com os inquéritos do sítio de Atibaia e do Instituto Lula, podendo até pedir o compartilhamento de provas (como as delações da Odebrecht), se julgar necessário.

Merval Pereira: A hora de Palocci

- O Globo

A delação premiada do ex-ministro de Lula e Dilma Antonio Palocci parece ser uma bomba de efeito seletivo, e por isso os procuradores de Curitiba não a aceitaram. Mas a Polícia Federal considerou que a seleção — que, por exemplo, evita acusações a pessoas com foro privilegiado — não invalidava as outras denúncias, e agora caberá ao juiz Sergio Moro decidir se homologa ou não o depoimento.

Um dos principais focos dos procuradores eram as contas que o PT teria escondido em paraísos fiscais, e não está claro se Palocci conseguiu provar a sua existência. Emílio Odebrecht e seu filho Marcelo declararam a Moro que era Palocci quem manejava a conta “amigo”, que se referia ao ex-presidente Lula. E que muitas vezes Palocci fazia saques em nome do presidente.

A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é o que de pior poderia acontecer na perspectiva de quem espera que as investigações sobre corrupção no Brasil levem a uma mudança no cenário político nacional.

Mas é tudo o que esperam os que desejam “estancar a sangria”, um desentendimento sobre procedimentos e interpretações que permita desacreditar as delações premiadas e, em decorrência, impossibilite utilizá-las como base para investigações mais aprofundadas.

Na visão da Polícia Federal, por exemplo, acusados de obstrução da Justiça, os políticos são liberados, pois as conversas são vistas apenas como desejos e intenções de políticos dentro de suas atividades parlamentares e similares, nada havendo de criminoso nelas. Os procuradores de Curitiba têm outro entendimento do assunto.

Hélio Schwartsman: STF, a hipótese alucinógena

- Folha de S. Paulo

Corte promove reviravoltas intempestivas e inexplicáveis em sua própria jurisprudência

Alguém deveria investigar a água servida no STF (Supremo Tribunal Federal). Desconfio que ela possa estar contaminada por substâncias alucinógenas, tal a frequência com que ministros tomam decisões destrambelhadas.

Desta feita, a Segunda Turma determinou que trechos da delação da Odebrecht referentes aos casos do sítio em Atibaia e ao Instituto Lulasejam retirados da Justiça Federal do Paraná e enviados para a de São Paulo. Como a acusação não mostrou um vínculo claro entre os benefícios recebidos por Lula e corrupção na Petrobras, Curitiba não seria o foro adequado para esses processos.

É difícil entender o alcance da decisão do STF. Ao determinar o envio de “trechos” da delação para São Paulo, o Supremo está afirmando que eles não poderão mais ser utilizados nos processos sob os cuidados de Sergio Moro? Isso abre portas para tirar essas ações de Curitiba? Pega a condenação pelo tríplex?

Bruno Boghossian: O delator e o 'Amigo'

- Folha de S. Paulo

Lava Jato quer detalhes sobre ligação entre Petrobras e favores ao ex-presidente

Uma delação de Antonio Palocci pode preencher a lacuna que foi aberta quando o Supremo retirou de Sergio Moro trechos da delaçãoda Odebrecht que citam Lula. A Lava Jato quer que o ex-ministro explique se os contratos da empreiteira com a Petrobras ajudaram a bancar favores para o ex-presidente.

O principal ponto de interrogação que poderá ser esclarecido por Palocci é o abastecimento da conta batizada de “Amigo”. Segundo Marcelo Odebrecht, o ex-ministro operava a propina que passava por ali para pagar despesas de Lula.

Palocci já disse que a empreiteira desviava para o PT parte do dinheiro que ganhava com a Petrobras, mas ainda não deixou claro como esses recursos da estatal teriam beneficiado o ex-presidente.

A origem e o caminho do dinheiro estão no centro das discussões sobre a competência de Moro para julgar Lula. O petista é acusado de ter recebido da Odebrecht uma reforma em um sítio que frequentava em Atibaia, um apartamento em São Bernardo do Campo e o imóvel onde funcionaria seu instituto.

Para os petistas, a Segunda Turma do STF abriu uma brecha para retirar esses processos das mãos de Moro ao determinar que só devem ficar em Curitiba informações que citem desvios da Petrobras.

Os advogados de Lula afirmam também que há espaço para anular a condenação do ex-presidente pelo tríplex de Guarujá, pois não veem relação do caso com a estatal. Sob esse argumento, Moro não poderia ter proferido a sentença.

César Felício: Alianças começam mal

- Valor Econômico

Costura entre MDB e PSDB contraria manual da política

Depois do florescer das cem flores, é chegada a hora do grande salto para a frente. O cenário da eleição presidencial atingiu nos dias seguintes à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o ponto máximo de fragmentação, com 21 pré-candidatos presidenciais declarados. A última semana foi assinalada pelo refluxo desta maré, com as primeiras nucleações em torno da centro-esquerda e da centro-direita.

Em xeque está a dupla natural de Pindamonhangaba. As candidaturas de Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT) dependem de alianças para se tornarem competitivas. As conquistas do MDB pelo primeiro e do PT pelo segundo mudariam as suas pretensões de patamar, em um cenário onde não há uma aliança sequer firmada por nenhum dos concorrentes.

Tanto em um caso como em outro, contudo, há vários obstáculos a serem removidos para uma união. Nas duas situações, as articulações começam contrariando regras elementares dos manuais da política.

No caso de Ciro, a aproximação entre o pedetista e o PT começou mal, mas evolui. Não é boa política querer escolher o vice entre os integrantes de um partido cujo líder máximo, tirado compulsoriamente da disputa, a lidera. Os seguidos elogios e encontros de Ciro com Fernando Haddad tendem a aumentar a resistência à parceria dentro do petismo. Mas a alternativa Ciro já é discutida em eventos organizados em defesa de Lula, como relatou a repórter Cristiane Agostine. Em um ato que teve o vereador Eduardo Suplicy, candidato ao Senado, como mestre de cerimônias, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira foi chamado a falar para a plateia sobre esta aproximação. Seu apelo à negociação foi calado pela plateia, mas de toda maneira a hipótese da não candidatura entrou em cena em um encontro de apoiadores do ex-presidente.

Fernando Abrucio: Eleição sob o signo da incerteza

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

A principal característica da eleição presidencial de 2018 é a existência de incógnitas em todos os lados do espectro político. Essa incerteza diz respeito a três perguntas ainda sem resposta. Primeira: quem será efetivamente candidato? Segunda: quais serão as alianças eleitorais nos planos federal e estadual? E a terceira questão, talvez a mais importante, é a seguinte: quais serão os programas de governo que serão apresentados para tirar o Brasil da crise?

Claro que havia dúvidas nas eleições anteriores, mas o que marca a atual disputa é tanto o tamanho das indefinições como um calendário mais longo para sua resolução. A amplitude das incógnitas espalha-se por vários partidos e pelos planos federal e estadual. Muitas respostas poderão ser dadas no limite final das convenções, que é 5 de agosto. Isso num cenário em que a campanha será bem curta, com 45 dias. Desse modo, os eleitores terão pouquíssimo tempo para fazer uma escolha tão importante e difícil.

O pleito de 2018 tem sido regularmente comparado ao de 1989. Sem dúvida alguma a primeira eleição presidencial direta foi a mais complexa de 1988 para cá. Tal conclusão deriva do grau de fragmentação de candidaturas (22 no total), da fragilidade do então presidente e dos dois maiores partidos de então (PMDB e PFL), bem como da disputa final ter envolvido uma batalha de "outsiders" frente à ordem vigente. Além disso, vários nomes despontaram com chances de ir ao segundo turno no decorrer da campanha, o que realça o grau de competitividade daquela eleição.

Ainda não é possível fazer um balanço do que veremos nesse ano - só se tivéssemos alguma máquina do tempo, seja a do H.G. Wells, seja a do "De Volta Para o Futuro". Mas há três aspectos que diferenciam 2018 de 1989, tornando a disputa atual mais complexa sob esses parâmetros. O primeiro ponto é a combinação da eleição nacional com os pleitos estadual e congressual. Essa dinâmica já ocorreu seis vezes, de 1994 a 2014. Porém, tal combinação agora se tornou mais incerta por conta de uma equação que junta três elementos. Um: o polo nacional governante está fraco e, portanto, não consegue ter o papel de mediador entre as eleições. Dois: houve uma multiplicação de candidatos a presidente com resultados distintos entre as regiões, com Ciro e Lula liderando no Nordeste, Álvaro Dias no Sul, Marina no Norte, Bolsonaro no Centro-Oeste, o provável crescimento de Alckimin em São Paulo, e tudo isso embanana a dinâmica das alianças.

José de Souza Martins: Adeus à democracia?

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Aqui se fala muito em classes sociais e em luta de classes. Mas o mundo atual já não é o mundo em que as classes sociais nasceram e, enquanto tais, tiveram eficácia histórica, que foi o dos países que se industrializaram nos séculos XVIII e XIX. Submergem elas na extensa trama de mediações que vieram para o primeiro plano na vida cotidiana da sociedade contemporânea. É o dos fatores e motivos das demandas coletivas: gênero, idade, religião, categorias falsamente raciais, variadas expressões das novas identidades e da diferenciação social supérflua. As necessidades sociais que movem a história atual do Brasil não são, propriamente, as que Lefebvre e Heller definem como radicais. A história atual é uma história de cumplicidades na reiteração do mesmo.

Apesar de um imaginário centrado no pressuposto frágil de que as classes sociais são ainda ativas, têm elas uma eficácia quase que meramente explicativa, cuja compreensão depende de recursos sociológicos distantes da teoria das classes sociais. Nas condutas coletivas de hoje, é difícil reconhecê-las como protagonistas de propósitos e de demandas. Não obstante, existem. Substancialmente, expressam a desigualdade econômica, de um lado, e a coexistência social baseada na igualdade jurídica dos cidadãos, de outro. No desequilíbrio dessa contradição é que a política instaura o equilíbrio que se chama democracia, a concertação de superação da diversidade tensa.

Mas, entre nós, os dilemas de agora ainda refletem a forma retardatária e anômala como a estrutura de classes sociais chegou até nós e aqui se difundiu quando ainda não tinha cabimento. Na demora cultural e social dessa anomalia, em consequência, democracia não tem sido aqui o respeito de conviver com o outro e com a diferença que ele representa. Aqui é o desrespeito de aniquilar o outro, na hegemonia destrutiva e antidemocrática do mando. É o espetáculo do momento.

Reinaldo Azevedo: A minha democracia e a deles

- Folha de S. Paulo

Não resisti ao demiurgo de macacão para me render a demiurgos de toga

Lula, um corintiano, foi condenado sem provas na primeira instância, submetido a processo de exceção no TRF-4, e Cármen Lúcia manipula a pauta do STF com receio de que o cumprimento das regras, não a exceção, o beneficie.

A Segunda Turma do STF cumpre o princípio constitucional do juiz natural e os artigos 54 a 58 do Código de Processo Civil, de que o topete de Luiz Fux se orgulha, quando tira de Sergio Moro o que não diz respeito à Petrobras. É a síntese dos desmandos em curso contra os guelfos. Também os há contra gibelinos, palmeirenses, carnívoros, veganos... O salvacionismo fascistoide é onívoro.

Não resisti à teoria do demiurgo do macacão para me render à do demiurgo de toga. Meu papo é a democracia liberal. Constituição boa nasce morta e não é assaltada por justiceiros e heróis da própria covardia.

“Um juiz que manda alguém para a prisão em razão de uma interpretação que ele nem acredita ser melhor, mas apenas diferente, de interpretações rivais deveria ir ele próprio para a cadeia”. É Ronald Dworkin em “Justice for Hedgehogs” (Justiça para Ouriços).

O autor foi muito citado por Rosa Weber no voto em que ela admitia que a prisão de Lula feria a Constituição, mas, disse, em nome da colegialidade, recusava o habeas corpus, que é o instrumento que se usa quando, em desacordo com a tal Constituição, a liberdade de alguém está ameaçada... Esqueceram de fazer essa colinha para a intrépida.

Escrevi o primeiro texto neste espaço no dia 25 de outubro de 2013. Chamava-se “Os 178 beagles”. Referia-me aos idiotas que invadiram um laboratório porque estavam com pena dos cachorrinhos.

Dora Kramer: Pensar antes de teclar

-Revista VEJA

O bom-senso é o melhor antídoto aos engodos na política

Da constatação (sem contestação) de que o jogo eleitoral foi pesado em 2014 devido à difusão de mentiras, notadamente em direção à candidata da Rede, Marina Silva, especialistas no tema da moda, as fake news, afirmam que os brasileiros não viram nada até agora.

Segundo eles, o jogo eleitoral será ainda mais sujo em 2018 em decorrência da disseminação no ambiente dos debates políticos de grupos de origem não identificável cuja função é atacar adversários com a propagação de falsos fatos e informações distorcidas.

Há quatro anos, a campanha da então presidente Dilma Rousseff investiu na tentativa de reeleição muitos milhões, vários deles para o marqueteiro João Santana e por meios ilícitos. Uma das funções de Santana era criar uma personagem, no caso e à época uma imagem (falsa) de rainha eternamente vencedora a despeito de todas as adversidades.

De acordo com ele, os adversários seriam “anões” a ser engolidos pela incrível e gigante Dilma, que naquela versão superaria e venceria a todos.

Essa era a história contada numa ocasião diferente. Numa outra, relatada já na fase final da campanha mas ainda antes do primeiro turno, os eleitores eram convidados a acreditar em comunicações falsas. Gente tratada como boboca e que até fazia jus ao tratamento, pois via verdade naquelas cenas nas quais se tirava a comida do prato dos “pobres” para dar o equivalente em dinheiro aos “ricos”, ali representados pelos bancos.

Luiz Carlos Azedo: Efeito Palocci

- Correio Braziliense

O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia

Quanto mais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reza, mais assombração lhe aparece. Tudo indica que seu ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que também foi chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, realmente fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Os termos da delação são desconhecidos, mas deverão cair no colo do juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. O acordo é o primeiro do gênero no âmbito da Lava-Jato e, de certa forma, atropela a força-tarefa do Ministério Público Federal, que havia recusado conceder o benefício a Palocci. Em tese, caberá a Moro homologar o acordo.

Palocci havia sinalizado a intenção de fazer delação premiada ao prestar depoimento sobre o funcionamento do esquema de propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos “em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, de caixa um, caixa dois”. Na ocasião, assumiu que era o “Italiano” das planilhas da empresa e que havia se reunido com Lula para tratar da obstrução à Lava-Jato. O acordo de delação premiada do ex-ministro da Fazenda com a Polícia Federal pegou de surpresa o Ministério Público, mas não surpreendeu a cúpula do PT, que sabia de sua intenção de assim sair da cadeia, desde quanto ele a revelou ao ex-ministro José Dirceu, quando ainda estavam juntos na cadeia. Condenado a 12 anos e 2 meses de prisão em regime fechado, Palocci está na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, mas não tem contato com Lula. Sua decisão tem a ver com o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF), por 7 votos a 4, no dia 12 de abril, ter rejeitado o habeas corpus que sua defesa havia impetrado.

Palocci foi uma peça-chave na eleição de Dilma Rousseff em 2010, sendo o grande responsável pela arrecadação de recursos para a campanha junto ao empresariado. Seu desempenho garantiu-lhe o cargo de ministro da Casa Civil, uma espécie de volta por cima depois de ter sido defenestrado do Ministério da Fazenda no governo Lula, por causa da quebra de sigilo bancário de um caseiro, suspeito de vazar informações para a imprensa. O ex-ministro foi ejetado da Casa Civil por causa de um novo escândalo: a compra de um apartamento nos Jardins, área nobre de São Paulo, por R$ 7 milhões em valores da época, em dinheiro vivo.

Depoimentos já feitos por Palocci comprometem Lula

Delação deve ser homologada pelo juiz Moro em até duas semanas

Ex-ministro narrou participação da ex-presidente Dilma Rousseff em negócios que levaram prejuízo à Petrobras, e relatou entrega de dinheiro vivo ao ex-presidente Lula

Os fatos abordados pelo ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci na delação premiada firmada com a Polícia Federal reconstituem o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff se envolveram com negócios que deram prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões à empresa, segundo estimativa da PF. Palocci detalhou entregas de dinheiro vivo a Lula. A defesa do petista negou as acusações. Em nota, Dilma afirmou que Palocci “mente para sair da cadeia”. O juiz Sergio Moro deve homologar a delação em até duas semanas

Lula, Dilma e PT no alvo

Em delação, Palocci narra esquema de arrecadação do partido e cita os dois ex-presidentes

Jailton de Carvalho e Robson Bonin | O Globo

-BRASÍLIA- O acordo de delação premiada assinado pelo ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal, revelado ontem pelo GLOBO, é uma reunião de fatos que envolvem, em grande parte, o esquema de arrecadação do PT com empreiteiras citadas na Lava-Jato e a atuação dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff nos crimes apurados pela operação. Por se tratar de uma colaboração negociada na primeira instância, os temas abordados pelo ex-ministro dizem respeito a fatos investigados — ou passíveis de investigação — pela 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sergio Moro, que terá o papel de homologar o acordo.

Palocci está preso em Curitiba desde setembro de 2016. Ele foi condenado por Moro a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Nas últimas semanas, além de fixar as bases dos benefícios concedidos ao ex-ministro — ainda sob sigilo —, os investigadores concluíram a fase de depoimentos. O acordo estaria na fase de homologação por Moro, o que deve acontecer em até duas semanas.

O GLOBO apurou ontem que boa parte das histórias abordadas por Palocci — que ainda poderão ser detalhadas no curso das investigações — reconstitui o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como Lula e Dilma se envolveram nas tratativas que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões aos cofres da estatal, segundo estimativa da própria PF. Durante o processo de delação, Palocci também poderá apresentar anexos suplementares com novos casos considerados relevantes pelos investigadores.

PT abandona lema 'eleição sem Lula é fraude' e adota a assinatura 'Lula livre'

Para petistas, é incoerente questionar legitimidade do pleito enquanto partido lança candidatos estaduais

Catia Seabra | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O PT aposentou o lema "eleição sem Lula é fraude" após a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no dia 7. Nas notas oficiais do partido, o bordão —que sublinhava os documentos petistas— deu lugar à assinatura "Lula inocente/Lula livre/Lula presidente".

Definida durante reunião da cúpula petista, a troca é indício de que o PT não pretende boicotar as eleições caso Lula seja mesmo impedido de concorrer à Presidência.

A hipótese de boicote é defendida por uma ala petista. Mas, segundo dirigentes, o lançamento de um nome alternativo, o chamado plano B, contaria hoje com o apoio de 90% do partido.

A nova assinatura foi inaugurada no dia 23, na resolução do Diretório Nacional do PT. Embora o texto reafirme a decisão de registrar a candidatura de Lula em agosto, a expressão "fraude" não consta do documento.

"A principal tarefa do Partido dos Trabalhadores, neste momento, é defender a inocência de Lula, lutar por sua liberdade e fazer valer o direito do povo brasileiro de votar no seu maior líder", diz o documento.

No dia 15 de março, após condenação de Lula em segunda instância, o lema expresso em uma nota ainda era "Eleições sem Lula é fraude". Mas no dia 10 de abril, o comando partidário já havia sinalizado para sua substituição ao determinar que os "comitês populares em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato" deveriam se transformar, até 13 de abril, em "comitês Lula Livre".

O avanço global do populismo e o que esperar no Brasil

Assim como em outros países, o Brasil tem visto o crescimento de uma onda populista conservadora

Malu A. C. Gatto e Rafael H. M. Pereira | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Desde 2016, o populismo tem ganhado espaço em eleições e referendos em diferentes países. Partidos ou candidatos populistas podem ser de direita ou esquerda, mas têm em comum postura antissistema e apelo eleitoral motivado pela insatisfação com elites políticas tradicionais. Aqui no Brasil, também corremos o sério risco de eleger um populista nas próximas eleições.

Para alguns pesquisadores, o aumento das desigualdades econômicas e regionais está entre as principais causas do sucesso eleitoral do populismo ao redor do mundo.

Em livro a ser lançado este ano, os cientistas políticos Pippa Norris (Universidade de Harvard) e Ronald Inglehart (Universidade de Michigan) examinam a crescente popularidade global de partidos populistas.

Eles reconhecem que líderes populistas atraem segmentos da população que se veem como "esquecidos" por governantes e afirmam que a queda relativa na qualidade de vida e segurança econômica é um dos fatores determinantes ao apoio populista.

Em análise das recentes votações em vários países, o economista Andrés Rodríguez-Pose (London School of Economics) observa que regiões em declínio econômico são mais propícias a votarem a favor de candidatos populistas ou causas nacionalistas.

Avança articulação para uma candidatura unificada de 'centro'

Por Andrea Jubé, Vandson Lima, Fernando Taquari e Ricardo Mendonça | Valor Econômico

BRASÍLIA E SÃO PAULO - A busca por uma chapa presidencial que aglutine as forças do chamado "centro", a fim de afastar o risco de polarização das eleições entre a direita e a esquerda, reaproximou o MDB do presidente Michel Temer do PSDB do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin. O empenho dos envolvidos nas articulações é reunir em uma única chapa, encabeçada pelo PSDB, e com o MDB na vaga de vice, as demais pré-candidaturas do DEM, Podemos e PRB, além de PP, PR, PSD e PTB.

As conversas para a consolidação dessa aliança evoluem em sucessivas reuniões em São Paulo, mas essa equação não se resolve no curto prazo. O DEM sustenta a candidatura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), que fará um périplo pelo Nordeste neste fim de semana, enquanto o senador Alvaro Dias (Podemos) avança com uma base eleitoral sólida na Região Sul.

O empresário Flávio Rocha, pré-candidato do PRB, é apontado como um "outsider da política", e ainda nascido no Nordeste, que poderia confrontar, nessa condição, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB), que despontou nas pesquisas de intenção de voto, causando alarde nas forças partidárias que se dizem de centro.

Temer, que lançou a pré-candidatura à reeleição para evitar o isolamento político, tem trabalhado para impulsionar a postulação do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, considerado um nome do MDB que ainda não foi contaminado pelas denúncias de corrupção.

Nas conversas pela formação da aliança com o PSDB, o nome de Meirelles aparece como possível vice de Geraldo Alckmin. Mas aliados de Meirelles reafirmam que ele não cogita essa hipótese, porque entrou na corrida eleitoral para disputar a Presidência da República encabeçando a chapa.

Nesse cenário ainda nebuloso, Temer tem como interlocutores preferenciais do PSDB o ex-prefeito de São Paulo João Doria, com quem se reuniu nas últimas sextas-feiras na capital paulista, e o senador Aécio Neves (MG), que perdeu força no partido diante do bombardeio de acusações de que é alvo.

Temer ainda está ressentido com Alckmin, que não mobilizou a bancada do PSDB para apoiá-lo na votação das denúncias contra ele na Câmara, nem para votar favoravelmente à reforma da Previdência.

Alckmin lança movimento para unir centro

Ideia é unificar sociedade civil em uma 'frente' que represente um projeto unificado para o centro

Renan Truffi, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O pré-candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, anunciou nesta quinta-feira, 26, que vai lançar um o "movimento centro democrático". A ideia é unir movimentos da sociedade civil, como trabalhadores, empresários e empreendedores, em uma espécie de frente que represente um projeto único para o centro.

A proposta foi apresentada em meio às negociações entre PSDB e MDB para uma chapa que una Alckmin e o pré-candidato do MDB à Presidência, Henrique Meirelles. Alckmin negou que esteja conversando com os emedebista para uma eventual composição de Meirelles como vice. Ele afirmou, no entanto, que está aberto ao diálogo.

"Não tive nenhum contato nem com o presidente Temer, nem com ninguém. E estamos abertos ao diálogo, mas não teve nada disso (negociação de chapa com MDB e Meirelles). Seria até uma indelicadeza com o MDB, que tem pré-candidato. Agora, diálogo, conversar, é sempre positivo", disse.

"Vamos lançar o movimento centro democrático, que não é PSDB, é trazer a sociedade civil para um projeto em torno do Brasil", complementou. A proposta está sendo discutida pela cúpula da campanha tucana. Num primeiro momento, a estratégia será agregar líderes de setores estratégicos e de movimentos populares.

A reportagem do Estadão/Broadcast apurou, por exemplo, que, entre os trabalhadores, a ideia é buscar apoio da União Geral dos Trabalhadores (UGT). Na área do agronegócio, as conversas seriam com a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Com essas entidades, Alckmin quer construir um projeto único de governo, identificado com as propostas de centro. "Centro democrático é você trazer lideranças de vários setores, trabalhadores, empresários, área da cultura, fazer um movimento para unir o Brasil em torno de um projeto para desafios que o próximo presidente vai ter", explicou após se reunir com líderes do agronegócio na sede da CNA, em Brasília.

Posterior a isso, garantem interlocutores tucanos, o movimento "centro democrático" teria como objetivo agregar num segundo momento outros partidos e candidaturas de centro para fortalecer as chances do movimento chegar ao segundo turno das eleições presidenciais.

"O que o Brasil não pode é essa coisa de nós contra eles, o radicalismo não vai fazer com que a gente avance, precisamos pregar a união nacional", defendeu Alckmin. Além de Alckmin, a CNA recebeu nesta quinta o pré-candidato do PRB à Presidência, Flávio Rocha.

Haddad vê Barbosa candidato, e Ciro tem dúvidas; ministro busca apoio no PSB

Painel | Folha de S. Paulo

Bate escanteio e cabeceia O futuro de Joaquim Barbosa monopoliza atenções não só dos partidos de centro, assustados com sua pontuação nas pesquisas, mas também de expoentes da esquerda. Fernando Haddad (PT) tem dito que dá o lançamento do ex-presidente do Supremo como líquido e certo. Ciro Gomes, candidato ao Planalto pelo PDT, ainda tem dúvidas. Ambos, em conversas privadas, reconhecem que o nome tem potencial para bagunçar o cenário e colher votos, inclusive, entre eleitores afeitos a Lula.

Começo, meio e… Se for mesmo candidato à Presidência pelo PSB, Barbosa defenderá o fim da reeleição.

Vem comigo? Aliados do quase candidato estiveram em Pernambuco, na quarta (25), para conversar com o governador Paulo Câmara e integrantes do PSB no estado. Tema: a chance de o diretório estadual, um dos mais importantes para o partido, apoiar o pleito do ex-presidente do STF.

Vai na frente Os dirigentes do PSB pernambucano responderam que não há resistência ao lançamento de Barbosa, mas que ele precisa se aproximar da sigla. Câmara pretende convidá-lo para uma série de discussões sobre temas caros ao estado.

Nem vem Pessoas próximas a Dilma Rousseff afirmam que a hipótese de ela disputar o governo de Minas não existe. Amiga de Fernando Pimentel desde os tempos da juventude, a petista tem dito que a ideia é absurda.

Leite derramado A tentativa de pôr um fim nas especulações sobre o papel da ex-presidente na eleição mineira ocorre no momento em que Pimentel é alvo de forte ofensiva.

Leite derramado 2 Além dos já conhecidos problemas de caixa do estado, o anúncio de que Dilma poderia disputar o Senado irritou aliados do governador e acabou dando fôlego à articulação que culminou com a abertura de seu processo de impeachment.

Vai ou racha? A cúpula do PSDB local vê na ofensiva contra o governador de Minas a chance de desgastar ao máximo o maior adversário de Antonio Anastasia na disputa local. Já ala do MDB acredita que Pimentel pode cessar a guerra política se convencer Dilma a nem sequer entrar na disputa pelo Senado.

Pescador de ilusões Secretário-geral do PSDB, Marcus Pestana (MG) arremata nesta sexta (27) com o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) manifesto intitulado “Por um polo democrático e reformista”.

À mineira A ideia é atrair líderes do centro para, a partir de debate programático, tecer as bases de uma aliança eleitoral. Pestana articula em nome de Geraldo Alckmin.

A colaboração que Palocci pode dar: Editorial | O Globo

Acordo de delação do ex-ministro com a PF, caso homologado, aumentará o trabalho dos advogados de Lula, já assoberbados

Para além das desavenças entre a Polícia Federal e o Ministério Público em torno das delações premiadas — assunto pacificado pelo Supremo com a decisão de que a Polícia também pode fechar acordos deste tipo —, a PF tem condições de ajudar bastante no rastreamento da corrupção sistêmica verificada nos governos Lula e Dilma, ou em qualquer outro, ao acertar a colaboração do ex-ministro Antonio Palocci. Porém, ainda na dependência da homologação pela Justiça.

Preso em Curitiba, já condenado pelo juiz Sergio Moro a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — crimes-padrão cometidos por petistas e outros beneficiários do assalto à Petrobras, por exemplo —, Palocci é parte do triunvirato que chegou ao poder em janeiro de 2003: ele, Lula e José Dirceu. O ex-presidente, preso, e este, prestes a retornar à prisão. Bastante simbólico.

Legado a ser preservado: Editorial | O Estado de S. Paulo

Vez ou outra se notícia que uma das prioridades do presidente Michel Temer na construção das alianças partidárias é assegurar que o candidato a ser apoiado pelo Palácio do Planalto nas próximas eleições se comprometa com a defesa do que o governo federal realizou desde maio de 2016, quando Dilma Rousseff foi afastada do cargo por força do processo de impeachment. Na campanha eleitoral de 2018, Michel Temer estaria preocupado com a defesa do seu legado.

Todo governante tem o direito de buscar valorizar aquilo que considera terem sido suas principais realizações durante o mandato. Trata-se de uma necessidade que, muitas vezes, supera o cálculo político-eleitoral. O que está em jogo é a defesa do seu nome, da sua honra, da sua história.

No caso do atual governo, no entanto, a defesa do que foi feito desde maio de 2016 vai muito além de uma questão de ordem pessoal do presidente Michel Temer. A posição de cada candidato sobre as conquistas e os objetivos do atual governo será fundamental para que o eleitor possa escolher conscientemente em quem depositará o seu voto nas eleições do segundo semestre.

A regra da incerteza: Editorial | Folha de S. Paulo

Supremo dá novo exemplo de como seus embates internos podem tumultuar processos

Causa estranheza a recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tomada por por 3 votos a 2, de retirar dos documentos a cargo do juiz Sergio Moro, de Curitiba, trechos da delação premiada da Odebrecht referentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Moro examina supostos favores concedidos ao líder petista nos casos do sítio de Atibaia e da compra de terreno para o instituto que leva seu nome. Pela argumentação vencedora no colegiado do STF, não haveria provas do vínculo entre esses benefícios e a corrupção na Petrobras —esta, sim, o foco do processo em curso no Paraná.

Com isso, o conteúdo dos depoimentos se encaminha para a Justiça Federal de São Paulo. Enquanto não for publicado o acórdão com os termos dessa decisão, permanece obscuro o seu impacto.

Segundo Moro, o caso de Atibaia não depende da delação para prosseguir —sendo consensual, aliás, que nenhuma delação, por si só, tem o valor de prova definitiva.

Note-se que as investigações sobre o sítio iniciaram-se antes dos testemunhos da Odebrecht; viera do ministro Edson Fachin, minoritário na Segunda Turma, a anuência para que seu conteúdo fosse remetido a Curitiba. É este ponto, apenas, que se vê revertido agora.

Por outro lado, a defesa de Lula já adianta sua disposição de requerer o completo encaminhamento dos dois processos à Justiça paulista.

Um incômodo ponto de interrogação sobre a Lava-Jato: Editorial | Valor Econômico

Guardião da Constituição, o Supremo Tribunal Federal tornou-se uma caixa de surpresas. A última delas foi a decisão de sua Segunda Turma de determinar que os relatos dos delatores da Odebrecht em dois casos que envolvem o ex-presidente Lula - o do Instituto Lula e do sítio de Atibaia - sejam enviados à Justiça paulista, por não terem relação com o assalto à Petrobras.

A decisão é confusa e tumultuadora, mesmo porque não foi até o fim em suas premissas e não retirou os processos do juiz Sergio Moro. Há muitas opiniões sobre as consequências desse ato. Discute-se a possibilidade de anulação da sentença aplicada ao ex-presidente Lula no julgamento do tríplex do Guarujá e, com isso, a de sua candidatura à Presidência, e até mesmo a troca de jurisdição de dezenas de acusados da Lava-Jato. Ou então se trata apenas de um chamado ao respeito dos estritos procedimentos legais, sem mais efeitos que o da protelação do julgamento dos casos. Há bons argumentos para todos os enredos.

Três ministros votaram a favor da mudança: Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Eles voltaram atrás em decisões anteriores próprias, nas quais ratificaram a existência de "conexão subjetiva" dos casos envolvendo Lula com a roubalheira na Petrobras e, assim, por mantê-los sem restrições nas mãos do juiz Moro. Os argumentos de Dias Toffoli, o próximo presidente do STF, porém, abriram em tese uma avenida para que os resultados das investigações feitas até agora, e não as em que Lula é réu, sejam colocados em questão. "Ainda que o Ministério Público possa considerar que pagamentos teriam origem em fraudes na Petrobras, não há demonstração desse liame nos autos", disse, sobre os processos, já quase em fase de conclusão.

Vinicius Torres Freire: A boca de jacaré dos bancos e Dilma

- Folha de S. Paulo

Diferença entre juros e custos bancários, o spread, ainda está em nível de crise

Os juros bancários baixaram de leve durante o ano passado, acompanhando a diminuição da taxa de calotes, grosso modo. A partir de janeiro deste 2018, algumas taxas e o spread passam a subir. A inadimplência continuou a cair, no entanto.

Em um gráfico, a divergência entre a linha do spread em alta e a da inadimplência em queda parece a boca do jacaré aberta. O motivo do novo bote dos bancos está para se explicar, mas a dentada deve ter ajudado a esfriar os ânimos na economia.

Spread é a diferença entre as taxas de juros que os bancos cobram e total de seus custos (juros que pagam para levantar dinheiro, calotes, impostos etc.) e lucros. Em tese, tudo mais constante, os spreads deveriam ser menores com a queda na inadimplência, o que provocaria baixa adicional de juros. Não tem sido o caso. Ao contrário.

Em seu balanço do crédito de março, o Banco Central passou apresentar à parte as taxas de juros e spread para linhas de crédito rotativo e não rotativo (rotativo: cheque especial e dívidas roladas no cartão de crédito, por exemplo).

De mais notável, o spread deu um pulo expressivo em janeiro, tanto faz se no crédito rotativo ou não.

No rotativo, as taxas de juros são uma aberração galáctica em parte porque a inadimplência é altíssima e porque se trata de uma linha de crédito sempre à disposição do tomador e sem garantias. É nessas linhas que os bancos faturam horrores, no entanto.

Míriam Leitão: Volatilidade prevista

- O Globo

Estava escrito nas estrelas que este ano seria o da volatilidade cambial, por ser ano eleitoral, e estarem em disputa projetos políticos diferentes entre si, mas todos mal formulados. Além disso, houve um alinhamento de planetas provocado pelo fator Trump. Ele adota medidas econômicas e faz ameaças políticas que podem levar à alta dos juros nos EUA. Isso afeta a cotação do dólar, que ontem caiu, após subir por cinco pregões.

Não é surpresa, portanto, esse período de variações do dólar, e a volta ao patamar mais elevado desde 2016. Se essa vai ser a eleição com a maior taxa de incerteza que o país já teve desde a redemocratização, seria estranho se não houvesse volatilidade. Mas há um detalhe importante: a incerteza é maior, mas as condições concretas do Brasil, na área cambial, são melhores do que em qualquer outro tempo de estresse político.

O Banco Central tem os instrumentos para evitar exageros de cotação. Por definição, no câmbio de livre flutuação, o BC não tem que defender um valor específico para a moeda, mas ele pode atuar para evitar excessos que desorganizem. Nunca antes houve tantas reservas cambiais, US$ 380 bilhões, e isso é meio caminho andado. O outro meio caminho também temos: o Banco Central, desde a chegada de Ilan Goldfajn, reduziu muito a exposição ao dólar futuro, resgatando os contratos de swaps. Pode agora voltar a oferecê-los. O déficit em transações correntes, que estava em 4,5% do PIB em meados de 2015, está agora em 0,38% do PIB, ou seja, praticamente em equilíbrio. Ontem saíram dados mostrando superávit em março e o BC avisou que haverá novo resultado positivo em abril. A balança comercial tem gerado saldos recordes. E a inflação, há nove meses abaixo do piso da meta, tem espaço suficiente para acomodar qualquer choque provocado por alta do dólar.

Claudia Safatle: Joaquim Barbosa e o capitalismo de mercado

- Valor Econômico

Barbosa sabe que faltam regras claras e previsíveis no país

O Brasil é um país injusto e desigual, onde predomina o capitalismo de "compadrio". É preciso um capitalismo "de verdade" no país. O capital tem que aceitar risco e não ficar simplesmente "agarrado ao Estado" e dependente de dinheiro barato do BNDES. Ao Estado é imperativa a ação para reduzir as desigualdades e para proteger os desamparados. Em geral, nas áreas onde o Estado promete muito, acaba havendo "ineficiência e corrupção".

Essa é uma síntese do que pensa o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, segundo o relato de quem convive com ele e de pessoas com as quais ele tem conversado recentemente. Se for candidato e vencer as eleições à Presidência da República, pela história de vida e por ter sido implacável no julgamento do "mensalão", do qual foi relator no STF, ele terá condições de reunificar o país, hoje profundamente dividido entre uma esquerda envelhecida e uma direita extremada emergente, conforme definição de um dos interlocutores do ex-ministro.

Barbosa filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que ainda não o consagrou como pré-candidato à sucessão presidencial. Ele próprio só deverá decidir se entra na disputa, segundo outro interlocutor, se as próximas pesquisas eleitorais indicarem um crescimento substantivo em relação ao último Ibope feito em São Paulo, que lhe atribuiu 9% das intenções de voto, percentual igual ao da última pesquisa Datafolha.

Na área econômica, Barbosa esteve com o ex-ministro Delfim Netto e com o economista Eduardo Giannetti. Ele gostaria de ter uma conversa, também, com o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, encontro que deverá ser marcado por um amigo comum.

Delfim está convencido de que ele governaria com os olhos na Constituição e resgataria o artigo 173, que inicia o capítulo da Ordem Econômica e Financeira da Carta de 1988, e que anda esquecido nos últimos anos. O artigo restringe a participação do Estado na exploração da atividade econômica a casos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em lei.

Marx: ontem, hoje e amanhã

O objetivo de Marx ao formular sua teoria, em 'O Capital', era apresentar as características essenciais do capitalismo, e não apenas do capitalismo inglês do século XIX

Nos 200 anos de seu nascimento, pensador ainda está vivo no debate sobre relações sociais

Cyro Andrade | Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

SÃO PAULO - Marx pode inspirar. Ou amedrontar. Ou apenas irritar. Depende da posição ideológica de quem o observe. Mas também vai influir o grau de conhecimento que se tenha de sua obra, enorme, não apenas pelas complexidades de leitura, mas porque permanece envolta, em boa parte, na obscuridade das coisas guardadas e não publicadas. Some-se a isso sua incansável disposição para rever o que escrevia, e tem-se um importante traço definidor do Marx sem dúvida respeitável, seja qual for o olhar que lhe seja dirigido, por seu inaudito esforço para compreender o mundo que, nada despretensiosamente, pretendeu transformar: ele também se questionava.

Nos 200 anos do nascimento de Karl Marx, a serem completados neste 5 de maio, crentes e descrentes da durabilidade teórico-política da obra de Marx não se furtam, ou não escapam, a uma indagação intrigante: até que ponto poderiam ter ido suas lucubrações revisionistas? Ou, no mínimo: como compreender essa particularidade de identidade intelectual para se ter noção pelo menos aproximada do espírito norteador de seu trabalho e entender, enfim, por que ele permanece inspirador, amedrontador, irritante?

Sai século, entra século, ele continua sendo instigante. Estuda-se Marx com interminável interesse, mesmo se feita a ressalva de que na universidade, particularmente, parece haver uma certa tendência a enquadrá-lo em categorias departamentalizadas. Há quem imagine que Marx era economista, por exemplo. Outros veem nele o filósofo. Ou um bom fornecedor de referências para análises sociológicas, inclusive no campo da psicologia social. Mais adequado, recomendam vários autores, é dizer que Marx fez uma crítica da economia política, e terminou fundando uma teoria social da ordem burguesa. Não por outra razão, o título de seu trabalho maior não é, apenas, "O Capital". É "O Capital - Crítica da Economia Política", do qual concluiu a primeira redação em 1865. Anos antes, porém, em 1859, publicou "Para a Crítica da Economia Política", uma espécie de introdução ao tema.

O que ele pretendia com suas pesquisas, desde antes? Em carta de 5 de março de 1852 a Joseph Weydemeyer, Marx diz que "nenhum crédito me é devido pela descoberta da existência de classes na sociedade moderna ou a luta entre elas". E adiante: "Muito tempo antes de mim, historiadores burgueses descreveram o desenvolvimento histórico dessa luta de classes e economistas burgueses, a anatomia econômica de classes. O que fiz de novo foi provar: que a existência de classes está ligada às particulares fases históricas do desenvolvimento da produção; que a luta de classes necessariamente leva à ditadura do proletariado; que essa ditadura, em si mesma, constitui apenas a transição para a abolição de todas classes e para uma sociedade sem classes" (citado nos "Arquivos Marx/Engels").

Isso ele dizia 166 anos atrás. Mas, como afirmou um dia, em 1907, o filósofo e historiador italiano Benedetto Croce, Marx já estaria, no princípio do século passado, "definitivamente morto para a humanidade"?

Depois de Croce, os anúncios fúnebres repetiram-se sem cessar, mas, como observa Hugo da Gama Cerqueira, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, "o defunto teimou em levantar-se e mostrar-se absolutamente vivo e atual, uma referência incontornável para quem quer compreender o nosso tempo". É o que ocorreu recentemente, lembra Cerqueira, após a crise econômica de 2008, quando se passou a falar em um "retorno a Marx". Até mesmo a insuspeita revista "Time" reconheceu que estava ocorrendo uma "vingança de Marx" sobre seus adversários.

Carlos Drummond de Andrade: As sem razões do amor

As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.