terça-feira, 29 de maio de 2018

O que mais eles querem?

Apesar de já terem conseguido até mais do que inicialmente haviam pedido, motoristas continuavam bloqueando estradas no País

- O Estado de S. Paulo.

A paralisação dos caminhoneiros escapou ao controle das associações da categoria e chegou ao 8.º dia ontem, mesmo após o governo ter aceitado praticamente tudo o que o movimento pediu. Diante de um quadro de ausência de lideranças e de exigências claras por parte dos manifestantes, o País passou a questionar: o que querem os caminhoneiros que insistem em manter a população refém de suas vontades?

Entre as possíveis respostas está a do presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, para quem o movimento ganhou caráter político. “Tem um grupo muito forte de intervencionistas fazendo greve. Estão prendendo caminhões e tentando derrubar o governo”, disse. Segundo a Abcam, pelo menos 250 mil grevistas permaneceram fiéis ao movimento, ontem. No grupo, que tem as redes sociais como aliadas, estão motoristas autônomos adeptos do “quanto pior, melhor” e divididos entre os que pedem intervenção militar no País (eleitores de Jair Bolsonaro), os que trabalham pela deposição de Michel Temer e os que pedem a liberdade do ex-presidente Lula, condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro. O Planalto diz ter indícios de que possa haver “infiltrados” na greve.

Para o presidente da União Nacional dos Caminhoneiros, José Araújo Silva, a situação está “sem controle”. Até ontem, os grevistas haviam conseguido diesel mais barato, reajuste mensal, isenção de pedágio para eixo suspenso e valor mínimo para frete. Agora, querem a redução no preço de todos os combustíveis.

O que os caminhoneiros queriam, o governo deu. Diesel mais barato, reajuste mensal, isenção de pedágio para eixo suspenso, tabela de valor mínimo para frete. Na verdade, os motoristas conseguiram até um pouco mais do que inicialmente pediam. Mesmo assim, a paralisação não dá sinais de terminar. Grupos permanecem bloqueando estradas em todo o País.

De acordo com a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), cerca de 250 mil caminhões permaneciam ontem parados nas estradas, o equivalente a 30% dos que vinham participando do movimento. E a negociação com esses motoristas tem se mostrado praticamente impossível.

Esses caminhoneiros não seguem lideranças tradicionais. Têm pedidos difusos, que incluem a saída do presidente Michel Temer e a intervenção militar no Brasil. Querem que não só o diesel, mas agora também a gasolina, baixe de preço. Acreditam piamente em mensagens que recebem no WhatsApp – como a informação falsa de que, após sete dias e seis horas de paralisação, os militares tomariam o poder. Por isso, nenhum acordo fechado com o governo surte efeito. “Virou uma situação sem controle”, diz o presidente da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), José Araújo da Silva, conhecido como China. Fontes do governo federal informam que foram identificados pelo menos três grupos políticos “infiltrados” nas paralisações.

Com o desabastecimento colocando o País em um quadro cada vez mais caótico, a indignação da população tem aumentado. Uma pesquisa da empresa Torabit, especializada em medição de comentários nas redes sociais, mostrou que o apoio explícito dos internautas à greve caiu vertiginosamente. Na sexta-feira, 53,5% dos posts em redes sociais e blogs eram favoráveis à paralisação. Ontem, essa porcentagem havia caído para 34,5%.

Movimento agora abraça pauta política

Além de queda no preço de outros combustíveis, grevistas também reivindicam saída do presidente Temer e pregam ‘intervenção militar’

Pablo Pereira, Renan Cacioli | O Estado de S. Paulo.

As medidas anunciadas pelo governo federal para atender às demandas dos caminhoneiros em greve no País não aliviaram a tensão em pontos de bloqueio na Região Metropolitana de São Paulo. Nos bloqueios no ABC e na saída para o Sul do País, na Rodovia Régis Bitencourt, os motoristas diziam que o movimento ganhou ontem força política, defendiam “intervenção militar” e afirmavam que o governo federal terá de cortar em 25% os preços de todos os combustíveis na bomba, além de eliminar o PIS/Cofins.

No início da noite, o clima era de revolta em pontos da Rodovia Anchieta, no ABC, e na área de Embu das Artes, na ligação do Rodoanel com a Régis Bitencourt. “Desde a noite de sábado, já sabíamos que esse acordo não ia atender a gente”, afirmou o caminhoneiro Alexandre Alencar, do Embu, que tem dois caminhões no protesto. “Isso não resolve nada. Ele tem de cortar 25% em todos os combustíveis na bomba”, afirmou Alencar, diante da barraca de alimentação dos motoristas paralisados na rodovia. Na Régis desde quarta-feira, o motorista José Jari, de São João do Sul (SC), disse que os caminhoneiros vão resistir.

Anchieta. Na Rodovia Anchieta, em São Bernardo do Campo, também não havia o menor sinal de fim da greve dos caminhoneiros que ocupavam o acostamento e parte do canteiro central na altura dos km 23 ao 25, sentido litoral. “Só vamos sair daqui quando o Temer sair de lá”, avisa Alexandre Alves, de 36 anos, que trabalha com um caminhão de abastecimento de combustível e tem auxiliado na triagem dos alimentos doados por comerciantes locais.

“Não sei se você está sabendo, mas hoje, à meia-noite, os militares vão tomar conta de tudo”, dizia ele, enquanto conversa com a reportagem de dentro da van onde estão estocados os mantimentos.

Caminhoneiros que tentam voltar ao trabalho são hostilizados

Empresas de transporte, grevistas e distribuidoras de combustível relataram ao ‘Estado’ pressão para manter mobilização

Cátia Luz, Fernando Scheller, Mônica Scaramuzzo, Sandra Carvalho e P.P. | O Estado de S. Paulo.

No oitavo dia de paralisação – e um dia após o governo ceder e garantir uma queda de R$ 0,46 no preço do diesel por 60 dias –, o Estado ouviu relatos de empresas de transporte, distribuidoras de combustível e de caminhoneiros afirmando que grevistas que querem voltar ao trabalho estão sendo hostilizados por alguns grupos que querem manter a manifestação.

Uma das maiores empresas de carga do País relatou à reportagem que houve “atitudes impeditivas” de alguns manifestantes, com agressões físicas e depredação de caminhões aos que queriam seguir viagem. Embora a orientação aos funcionários seja a da retomada das entregas, a estratégia só deve ser adotada sem que os colaboradores se exponham a riscos, de acordo com a companhia.

Duas das maiores distribuidoras de combustíveis do País disseram ter sofrido situações semelhantes. As empresas disseram ao Estado que somente cargas destinadas a hospitais e empresas de transporte público estavam sendo liberadas.

As companhias, que têm atuação nacional, afirmaram que o transporte de cargas está perto de ser normalizado nas regiões Norte e Nordeste, embora considerem que a situação continua “crítica” em São Paulo e no Rio.

Mesmo os desbloqueios determinados judicialmente estão sendo cumpridos com dificuldade. Com duas empresas de combustíveis como clientes, o escritório de advocacia paulistano Mattos Filho mobilizou dois sócios, uma equipe de 30 advogados e uma rede de profissionais em todo o País para preparar liminares que exigem a desobstrução de vias e rotas para Fábio Ozi liberar o acesso aos terminais dos clientes.

Planalto identifica ao menos três movimentos ‘infiltrados’ na greve

Fernando Nakagawa Lu Aiko Otta | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O governo apura se três movimentos políticos – “Intervenção militar já”, “Fora Temer” e “Lula livre” – se infiltraram na paralisação dos caminhoneiros. Eles estariam alimentando os focos que ainda querem manter os bloqueios, mesmo após ter boa parte de suas reivindicações atendidas ou ao menos encaminhadas. Essa é uma leitura feita nas reuniões do gabinete de crise montado pelo Palácio do Planalto na semana passada.

Os caminhoneiros falam abertamente do problema. “Para esses que têm posição extremista, esse ou qualquer outro acordo não iria funcionar porque a intenção não é resolver problemas, mas criar o caos e a instabilidade”, disse o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Ijuí, no Rio Grande do Sul, Carlos Alberto Litti. Para o líder gaúcho, o grupo mais resistente ao acordo é movido “por um tema político e não econômico”.

“A pauta política existe, mas não vamos nos envolver. Tudo o que os autônomos precisam para voltar a ganhar dinheiro está aqui”, disse o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, ao exibir o acordo firmado na noite de domingo. Segundo líderes dos caminhoneiros informaram ao Planalto em reunião ontem, os infiltrados somariam algo como 10% a 15% do movimento. A informação foi recebida com irritação pelas autoridades federais, principalmente por envolver o “Fora Temer”.

‘É um movimento contra a corrupção e contra os políticos’, diz Gabeira sobre paralisação

Para jornalista e ex-deputado federal, greve dos caminhoneiros abre chance de união dos brasileiros por retomada de ‘sentimento de Nação’

Marcelo Godoy | O Estado de S.Paulo

O jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira classifica o movimento dos caminhoneiros como uma “revolta difusa” contra “o que chamam de roubalheira” e “contra os políticos”. “Mas não tem uma visão do que colocar no lugar.” Para Gabeira, o movimento abre a chance de os brasileiros se unirem em torno da ideia de uma cultura, a retomada de um “sentimento de Nação”, sacudindo o “País de fantasia” na qual se encerraram políticos e elite burocrática. Em entrevista ao Estado, o jornalista aprofunda sua análise sobre o momento do País. Leia os principais trechos.

• Em seu artigo A falta que um governo faz, em O Globo, o sr. diz que a retomada de um sentimento de Nação pode sacudir a “ilha da fantasia” de Brasília. Por quê?

Eu acredito que é uma oportunidade, pois é muito difícil ver o País se desmanchando. Ficou claro o processo de ausência de uma ação do governo de antecipação, de informação de negociação no princípio. Depois ficou clara a vulnerabilidade do País. Eles criaram uma situação que tornou difícil até a intervenção das Forças Armadas.

• Por que o sr. acha que apesar dos acordos anunciados pelo governo o movimento não parou?

Não parou porque a imprensa não está vendo o movimento em sua amplitude. A imprensa vê nele um movimento econômico, mas na verdade ele é um movimento econômico e político. Muitos caminhoneiros e grupos que participam desse movimento esperavam uma mudança do próprio governo. Desejam uma mudança do governo. Existe um conteúdo político que foi esvaziado. Ninguém fala que, além de todas as reivindicações, eles querem um novo governo.

• O que seria esse novo governo? Falou-se muito que alguns pretendem a volta de um regime de força, uma ditadura militar.

Eu acho que eles não têm noção do que seria o novo governo. Aqueles que articulam essa ideia veem na volta dos militares uma alternativa, mas ao mesmo tempo a gente ouve e sente uma revolta difusa contra o que chamam de roubalheira. É ao mesmo tempo um movimento contra a corrupção e contra os políticos, mas não tem uma visão do que colocar no lugar.

• Existiria um certo moralismo autoritário difuso no movimento?

Existe uma visão potencialmente autoritária que coincide com uma noção apressada e falsa de que o processo democrático fracassou. Não que eu não dê razão a quem acha que o sistema partidário e político está na ruína, mas eu não acho que o sistema democrático fracassou.

• O sr. acha que esse movimento pode evoluir como em 2013 para uma rejeição à política?

Até o momento quase todo apoio que ele recebeu foi difuso e mais ou menos voltado à condenação dos políticos. Há uma parte de gente que não está ligada ao preço do diesel e às condições de trabalho dos caminhoneiros que acha que vale a pena (protestar) porque o governo não presta. Essa é uma atitude comum e se manifesta na entrega de alimentos e material de infraestrutura para os caminhoneiros. E há o apoio dos motoristas de aplicativos, de táxis e de vans escolares que encaminharam uma espécie de apoio econômico e esperam se beneficiar com essas conquistas.

• Quando o sr. diz que o preço da gasolina não precisava ser tão alto, aborda a questão sobre a quem o Estado serve. O sr. considera que as pessoas também estão questionando isso?

Eu acho que sim, embora não o façam de uma forma articulada, elas questionam os gastos e a roubalheira da política, mas, simultaneamente, o que reivindicam representará o aumento de gastos do Estado. A melhor maneira de tratar o assunto, além de ter um serviço de inteligência, coisa que andou longe nesse caso, é ter uma visão de como diminuir o preço por meio da redução de impostos. Houve uma ideia brilhante que surgiu que é ter uma espécie de gatilho que, aumentando o preço do petróleo, diminua o imposto para garantir o equilíbrio. Isso devia ser feito antes pelo governo.

• Por que o sr. acha que a política não conseguiu vislumbrar essa crise que se avizinhava?

Primeiro porque os políticos criaram um universo distante do mundo real e frequentam muito pouco esse mundo real. Depois, mesmo se frequentassem, o objetivo deles está voltado para as suas respectivas eleições ou, no caso de um grupo pequeno, entre os quais incluo o presidente da República, à sobrevivência em relação à Lava Jato. Esse conjunto de preocupações com os interesses eleitorais e sobre como escapar da polícia dificulta muito ter uma visão da realidade brasileira.

Presidenciáveis ajustam discurso na paralisação

Movimento dos caminhoneiros pauta debate eleitoral e mesmo pré-candidatos alinhados ao ideário liberal defendem alguma intervenção na política de preços da Petrobrás

- O Estado de S.Paulo

A crise de desabastecimento causada pela greve dos caminhoneiros trouxe para o debate eleitoral um tema antes mais circunscrito aos ambientes de discussão da macroeconomia. Mesmo pré-candidatos à Presidência identificados com o ideário liberal precisaram modular o discurso e defenderam algum tipo de intervenção do governo sobre a política de preços da Petrobrás, diante da gravidade dos reflexos da paralisação do País. Há algum consenso sobre o peso dos impostos, mas pouca unidade sobre como mudar essa estrutura.

Fora do governo desde abril, o ex-ministro Henrique Meirelles defendeu nesta segunda-feira, 28, a criação de um fundo financeiro para amortizar a oscilação abrupta das cotações do petróleo no mercado internacional. “Criaríamos tributos flexíveis, de acordo com a variação dos preços do petróleo. Assim, a Petrobrás poderia manter a sua política de preços corretamente e manteria a sua saúde financeira”, afirmou ao Estadão/Broadcast o pré-candidato do MDB e fiador do governo Temer na área econômica.

Linha parecida foi seguida pelo ex-governador Geraldo Alckmin, presidenciável do PSDB. Ele defendeu modular a incidência dos atuais impostos em função de câmbio e preços do petróleo. “Quando atingir o pico do petróleo, cai o PIS/Cofins. Quando volta a cair, restabelece o imposto e não prejudica tanto a questão fiscal”, disse.

O tucano também atacou a possibilidade de a Petrobrás reajustar seus preços diariamente. Para ele, o ideal é que isso fosse feito apenas duas vezes por mês, para dar “previsibilidade”. “O que não pode é ter 11 reajustes em 15 dias.” Em fevereiro, em encontro com empresários do setor de construção, Alckmin chegou a dizer que “tudo” poderia ser privatizado na Petrobrás, caso fosse estabelecido um “bom” marco regulatório.

Boicote continua apesar de acordo; governo fala em infiltração política

Temer tenta reagir a cerco e diz que há infiltrados entre os caminhoneiros

Polícia Rodoviária irá retirar 'infiltrados políticos' de bloqueios rodoviários, afirma ministro

Gustavo Uribe, Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Municiado por informações de inteligência, o Palácio do Planalto decidiu explorar a existência de infiltrados no movimento dos caminhoneiros. Segundo o governo, a persistência da paralisação se deve à presença de grupos políticos interessados em desgastar Michel Temer.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, informou nesta segunda-feira (28) que a Polícia Rodoviária Federal irá retirar o que chamou de 'infiltrados políticos' de pontos de paralisação de caminhoneiros pelo país.

Segundo ele, o órgão policial tem feito um mapeamento das pessoas que participam dos bloqueios em rodovias e, "quando for o caso", irá separar os militantes políticos do restante dos caminhoneiros grevistas.

"A Polícia Rodoviária Federal conhece as estradas onde trabalha e sabe das infiltrações políticas que aconteceram. Ela está mapeando e não quer cometer nenhuma injustiça", disse. "Ela tem feito algumas ações de retirada de pessoas quando for o caso", acrescentou.

De acordo com o ministro, o serviço de inteligência do governo federal tem atuado também para a identificação de infiltrados políticos que, segundo ele, têm atuado para que a crise de desabastecimento não seja encerrada.

Movimentos de direita comandam narrativa da paralisação dos caminhoneiros

Grupos anticorrupção se apropriam de bordões da esquerda para defender seus interesses

Ana Luiza Albuquerque | Folha de S. Paulo

CURITIBA - "A imprensa fez um acordo na última sexta para acabar com a paralisação dos caminhoneiros. Mas nós, do jornalismo independente, estamos convocando o Brasil para ir às ruas e gritar 'Fora, Temer'."

Este tipo de discurso pode parecer antigo para o leitor, que já deve tê-lo ouvido, com pequenas alterações, da boca de petistas e de membros da mídia alternativa de esquerda. No entanto, no Brasil pré-eleitoral de maio de 2018, é a direita quem se apropria das palavras de ordem.

O grito saiu do alto de um carro de som do movimento Acampamento Lava Jato, neste domingo (27), no centro de Curitiba (PR). "Quem diria, hein... Até os coxinhas. Fora, Temer!", prosseguiu um dos líderes. Ao seu lado, um caminhoneiro identificado como "Dedeco" também marcou presença no ato, cujo objetivo foi apoiar a paralisação da categoria e pedir "a saída dos corruptos".

Naquele dia, parte do grupo concentrou-se em frente à Universidade Federal do Paraná, na praça Santos Andrade, reduto de protestos progressistas e de esquerda. Caminharam até a praça Osório, a cerca de 1,5 km, sob buzinaço e gritos de intervenção militar.

Enquanto isso, a esquerda, com dificuldade de capitalizar sobre o protesto dos caminhoneiros, divide opiniões nas redes sociais. Alguns atribuem o movimento unicamente aos "patrões", negando se tratar de uma iniciativa de trabalhadores; outros defendem a necessidade de disputar com a direita a narrativa das manifestações.

O filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação de Dilma Rousseff (PT), diz acreditar que a segunda alternativa não poderia ter funcionado. "A rigor, não tinha como. São movimentos inesperados, que já surgiram com a pauta fácil da intervenção militar", afirma à Folha.

Janine alerta para um problema "gigantesco" da falta de cultura política. Segundo ele, os brasileiros têm pouca noção dos conceitos de esquerda, direita e globalização, o que reduz o pensamento apenas à ótica do combate à corrupção.

"A sociedade não consegue acompanhar uma discussão nesse sentido. A solução fácil, que é denunciar o banditismo, é a que se adota. Hoje, o banditismo é do [Michel] Temer. Há três anos, era da Dilma e do PT. A pauta muito vinculada à corrupção acaba sendo ruim para o país. A gente fica com muita dificuldade de pensar o que pode ser feito."

Cresce chance de Temer não terminar mandato, dizem membros do Congresso e STF

Segundo eles, crise com caminhoneiros atingiu área econômica, que ainda dava credibilidade à gestão

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Aliados de Michel Temer no Congresso Nacional e ministros do Supremo Tribunal Federal afirmam que o governo atingiu um nível extremo de enfraquecimento político, não descartando, em caso de piora na situação, o risco de a gestão não conseguir se sustentar nos sete meses que lhe restam.

A avaliação ouvida pela Folha é a de que a crise com os caminhoneirosatingiu um dos últimos resquícios de credibilidade da administração, a área econômica.

Temer completou no último dia 12 dois anos de governo como o presidente, na média, mais impopular desde pelo menos a gestão de José Sarney (1985-1990).

Mas vinha batendo na tecla de que em sua administração a inflação foi reduzida e o país saiu da recessão, embora em ritmo mais lento do que o esperado.

Com a crise da greve dos caminhoneiros, o país passa por uma grave situação de desabastecimento, cenário não detectado pelo governo apesar de alertas nessa direção.

Emparedado, o Palácio do Planalto foi obrigado a ceder em vários pontos, em uma demonstração do enfraquecimento político que vive, mas mesmo assim não conseguiu até esta segunda-feira (28), oitavo dia da crise, encerrar a paralisação.

"Não é o caminhoneiro, é o brasileiro que não admite a Presidência do Temer. O PT insistiu na Dilma. Deu no deu", afirmou em nota o líder da bancada do aliado DEM, o senador Ronaldo Caiado (GO).

"A greve dos caminhoneiros detonou a popularidade do Temer e do governo, a população está revoltada. O governo tinha ainda certa credibilidade na equipe econômica. Era um alicerce importante", afirma o deputado Rogério Rosso (DF), do também aliado PSD.

Greve continua, e governo já prepara nova alta de impostos

Conta para atender às reivindicações de caminhoneiros é de R$ 13,5 bi

Apesar de dois acordos, movimento mantém 494 pontos de aglomeração

Mesmo após o fechamento do segundo acordo com o governo, a greve dos caminhoneiros completou oito dias ainda causando desabastecimento e graves transtornos. Ontem à noite havia 494 pontos de aglomeração nas rodovias do país. As suspeitas de locaute persistem, e a PF já abriu 48 inquéritos. A conta para atender aos pleitos dos grevistas deve ser de ao menos R$ 13,5 bilhões. A equipe econômica informou que será preciso elevar impostos, cortar despesas e reduzir incentivos. No Rio, com escolas e repartições públicas fechadas e transportes com frotas reduzidas, a segunda-feira teve clima de feriado. De forma tímida, os postos de combustíveis começaram a ser reabastecidos, com longas filas de espera. Hoje as escolas da rede municipal voltam às aulas. Hospitais continuam com cirurgias apenas de emergência.

Planalto terá de elevar impostos para bancar redução do diesel

Conta é de R$ 13,5 bi. Reoneração da folha, diz ministro, não cobre os custos

Bárbara Nascimento, Eliane Oliveira | O Globo

-BRASÍLIA- Para atender às principais exigências dos caminhoneiros, a equipe econômica informou que terá de cortar despesas, elevar impostos e reduzir incentivos. A conta será de pelo menos R$ 13,5 bilhões. Esse é o valor necessário para subsidiar os preços do diesel até o fim deste ano. Para o futuro, o governo estuda a criação de um mecanismo permanente para acomodar flutuações nos preços sem que o Tesouro tenha de arcar com os custos.

Na negociação com os caminhoneiros, o governo se comprometeu a fazer uma redução de R$ 0,46 no litro do diesel. Desse total, R$ 0,16 virão da redução de impostos — zerar a Cide e diminuir R$ 0,11 no PIS/ Cofins. Outros R$ 0,30 serão acomodados dentro do Orçamento. Para isso, o governo vai editar duas medidas provisórias: uma para criar um programa de subvenção ao diesel e outra para pedir um crédito extraordinário de R$ 9,5 bilhões. 

URGÊNCIA PARA VOTAR PROJETO 
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, explicou ontem que, para poder zerar a Cide e reduzir o PIS/Cofins, o governo precisa aprovar o projeto que reonera a folha de pagamento das empresas. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige que uma redução de tributos seja compensada por outros impostos. A reoneração, porém, não cobre a conta toda. Por isso, será preciso fazer outras elevações ou eliminar incentivos.

— A reoneração é condição necessária, mas não suficiente, para que possamos fazer a redução de R$ 0,16 sobre o diesel. Além da reoneração, outras medidas virão. Quais? Oportunamente, vamos falar — disse Guardia, sem dar detalhes. Mas acrescentou: — O que está dentro? Você pode criar impostos, mas evidentemente existem restrições legais. Majoração de impostos, eliminação de benefícios existentes. O importante é que essas medidas gerem o recurso necessário para fazer essa compensação.

Caminhoneiros resistem

Movimento multiplica exigências, e segunda tentativa de acordo com governo fracassa

- O Globo

-RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA- Após duas tentativas frustradas de acordo do governo com os caminhoneiros, o movimento da categoria chegou ontem ao oitavo dia, sem sinal de fim da paralisação. Em todo o Brasil, os transtornos à população ainda são graves, com filas de mais de cinco horas para abastecer o tanque nas cidades que começaram a receber combustível nos postos. Ainda assim, o país ainda registrava na noite de ontem 494 pontos de aglomeração de manifestantes. Não há garantia de que os termos do acerto serão cumpridos pelos caminhoneiros, mas uma coisa é certa: o governo já avalia aumentar impostos para compensar os benefícios concedidos à categoria.

Enquanto os problemas de abastecimento ainda parecem longe de uma solução, as demandas dos caminhoneiros se multiplicam. Ontem, em reunião com o governador de São Paulo, Márcio França, exigiram que o desconto de R$ 0,46 no preço do diesel leve em conta a cotação do último sábado e que o preço mínimo de frete seja definido para cada categoria. Somente com base nestas novas exigências, eles se comprometeriam a encerrar os bloqueios nas estradas.

A multiplicação de demandas desde o início do movimento e a dificuldade das associações em convencer os caminhoneiros a darem fim à paralisação mostram que os protestos atingiram uma nova escala. As entidades do setor não conseguem desmobilizar a categoria, que se comunica basicamente por WhatsApp.

Ministro diz que há ‘infiltrados’ entre os caminhoneiros

Líder de grevistas afirma que grupo político mantém paralisação para derrubar o governo

Geralda Doca, Manoel Ventura e Karla Gamba | O Globo

Novas demandas, como a queda do presidente Temer e até intervenção militar, prolongam o movimento grevista. O governo acusa a ação de “infiltrados”. -BRASÍLIA - O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que há “infiltrados” na paralisação dos caminhoneiros:

— Temos informações de que alguns ali não são caminhoneiros e se infiltraram no movimento com objetivo político — disse Eliseu.

Por sua vez, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, afirmou que existem “intervencionistas” ameaçando quem quer voltar ao trabalho. Segundo ele, são pessoas ligadas a partidos políticos que querem derrubar o governo:

— Vou fazer uma denúncia bem séria. Não é mais o caminhoneiro que está fazendo greve. Tem um grupo muito forte de intervencionistas nisso aí. Vi isso hoje (ontem) em Brasília. Eles estão prendendo caminhão em tudo que é lugar. São pessoas que querem derrubar o governo. Não tenho nada a ver com essas pessoas, nem nossos caminhoneiros, que estão sendo usados, e nós não vamos permitir isso.

Dirigentes de entidades como União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam) e Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) não concordam. O presidente da Unicam, José Araújo Silva, o China, disse que, embora reconheça que o acordo com o governo tenha sido bom para a categoria, os caminhoneiros com quem tem interlocução reclamam que o preço do diesel ainda não caiu e que, enquanto isso não acontecer, a paralisação vai continuar.

Paralisação segue e afeta mais setores

SÃO PAULO - O agronegócio também parou. Por causa da greve dos caminhoneiros, ontem em seu oitavo dia, a colheita de produtos agrícolas e o processamento de matérias-primas foram paralisados desde o fim de semana, ampliando prejuízos. "Todas as fábricas de farelo e biodiesel do país estão paradas", afirmou André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais, que representa as processadoras de soja.

Quadro semelhante marcou também outro setor responsável por volumes significativos de exportações. Todos os grandes produtores de celulose e papel do país estão enfrentando redução de atividades ou parada total de produção. A Suzano Papel e Celulose interrompeu 100% de suas operações fabris. Entre as grandes fabricantes, a única exceção, por enquanto, é a Veracel.

A siderurgia é mais um setor duramente penalizado com o movimento grevista. Levantamento do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço mostra que mais da metade de seus associados parou de vender nos últimos dias. No setor automotivo, Fiat, Ford e General Motors paralisaram a produção de algumas unidades.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), 92,7% das empresas filiadas tiveram impacto na operação, de falta de matérias-primas e paralisação parcial da produção a dificuldades na exportação.

A ampliação dos setores produtivos ameaçados por desabastecimento faz crescer a preocupação com a já vacilante retomada do crescimento econômico e levou analistas a rever suas projeções também para o desempenho do mercado financeiro. Para gestores, ainda que a forte queda das ações abra espaço para alguma recuperação no curto prazo, a bolsa não deve retomar os recordes do início do ano e sequer o nível do começo de maio. Só no pregão de ontem, o Ibovespa caiu 4,49%, aos 75.356 pontos - menor nível de 2018. O tombo levou a bolsa a devolver todo o ganho acumulado no ano e perder 1,37%. No mês, a queda é de 12,49%. A perda do Ibovespa desde que a greve dos caminhoneiros começou é de 9,3%. As ações da Petrobras caíram mais 14% ontem e a companhia agora é só a quarta mais valiosa

‘Brasil vive em estado de indignação permanente’, diz cientista político

Segundo o cientista político, descontentamento generalizado leva à solidariedade popular com movimento de um grupo específico. Ele considera que pré-candidatos deram ‘show de contradições’ e diz que empresas são ‘viciadas em subsídios’

Rennan Setti | O Globo

Para o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, o Brasil vive em “estado permanente e latente de indignação”, e é isso que explica a sustentação da greve dos caminhoneiros. Segundo o autor de “A Era do Imprevisto”, a organização horizontal dos manifestantes, que ocorre via WhatsApp, é sintoma da falta de representatividade do sistema político e dificulta as negociações com o governo.

• O que explica essa greve?

De um lado, há uma motivação econômica. Saímos de um período de congelamento de preços para um de aumento diário, influenciado pelo câmbio e pela geopolítica. Isso elevou o custo do frete em um momento de crise. Além disso, o sistema de transportes brasileiro é de extrema exploração, com uma parcela grande de autônomos expostos a um leilão brutal e tendo que aceitar um frete quase de subsistência. Quando ele paga um pedágio alto, mesmo andando vazio, e vê o diesel disparar, existe uma indignação legítima. Do outro lado, há um sentimento difuso de inquietação e descontentamento.

• Mas esse movimento também não atende a interesses corporativos?

Das concessões do governo, o frete mínimo é a única que atende aos autônomos. O resto é resultado do lobby das empresas. A empresa brasileira é viciada em subsídio. Eu não pesquisei o suficiente para saber em qual desses núcleos o movimento nasceu, mas sei o suficiente para saber que, sozinhos, os autônomos não conseguiriam fazê-lo durar tanto tempo.

• Por que o governo encontra tanta dificuldade para desmobilizar a greve, mesmo com tantas concessões?

As lideranças verticais estão perdendo a capacidade de controlar movimentos que nascem de forma mais difusa e espontânea. Uma parcela grande deles não é representada por associações, criadas para representar profissionais formais. Agora, o “biscateiro” da carga, que estava desempregado e viu nas facilidade dadas pela Dilma a possibilidade de trabalhar, não é alcançado pelas lideranças. É muito mais fácil para ele se comunicar em rede, por meio do WhatsApp, com outros grevistas do que ligar a televisão e reconhecer o representante que diz negociar em nome dele. O verdadeiro autônomo hoje não faz parte da malha do sistema, mas é alcançável pela rede. É um fenômeno da transição. Em todas as categorias, quando houver esse tipo de problema, o governo não conseguirá lidar com os instrumentos tradicionais.

• Então a organização virtual, em rede, foi fundamental para o surgimento dessa greve?

É um instrumento e será cada vez mais. Diante de um sistema político que não dá voz à sociedade, que só representa a si mesmo, a indignação da população se valerá cada vez mais desses canais. A culpa é do sistema político.

• Do ponto de vista do sistema político, há uma razão estrutural para esta crise?

Em meu próximo livro, “Presidencialismo de coalizão” (que sai em agosto pela Companhia das Letras), trato da questão de fundo, que é a péssima qualidade das políticas de base no Brasil, por conta de uma visão de curto prazo e do “toma lá, dá cá” com o Congresso. Isso produziu políticas de muito má qualidade. Além disso, temos uma concentração absurda no governo federal. Essas questões se refletem em nossa estrutura tributária e fiscal absurdas. O sistema tributário é um Frankenstein. Tudo isso é um incentivo brutal ao clientelismo e impede os estados de buscarem suas próprias iniciativas.

• O que explica o apoio de parcela importante da população ao movimento?

O Brasil apresenta nível quase unânime de indignação e insatisfação, com a política e com o governo. Cada vez que um segmento específico é mais apertado e se revolta, esse descontentamento explode na rede e ganha respaldo dos indignados em geral. O governo, desde a Dilma (Rousseff ), prometeu coisa demais e não cumpriu. (O presidente Michel) Temer chegou prometendo o paraíso. Embora a inflação tenha caído, a melhora econômica não veio. Tem-se, então, uma sociedade em estado permanente e latente de indignação, o que gera uma reação espontânea de solidariedade com o outro. Mas isso é efêmero. Conforme o desabastecimento afeta o conforto, esse elas começam a enxergar um exagero e mudar de argumentação.

• Qual será o impacto da greve nas eleições?

Será como o das manifestações de 2013. Só não sabemos para que lado mudará o quadro eleitoral. Mas está claro que o Brasil tem uma agenda que não dá para resolver. Nenhum dos pré-candidatos demonstrou ter noção da gravidade do problema. Não sei o que esperar das eleições diante de respostas tão esvaziadas. Foi um show de “vaselina” e contradições. Quando você é candidato a presidente, você tem obrigação de vir a público, expor as causas do problema e como enfrentá-lo. Aliás, é a hora de mostrar sua capacidade de articulação e participar da intermediação com os manifestantes, como fez o (Emmanuel) Macron, durante a campanha eleitoral na França, nos protestos na fábrica da Whirlpool.

Situação institucional é grave e preocupa analistas

Por Sergio Lamucci, Thais Carrança e Hugo Passarelli | Valor Econômico

SÃO PAULO - A crise provocada pela greve dos caminhoneiros tem graves implicações políticas, econômicas e institucionais para o país, segundo analistas. A fraqueza do atual governo, empenhado apenas em sobreviver até o fim do mandato, levou a concessões que fragilizam ainda mais as contas públicas num momento fiscal já delicado, abrindo precedentes para outros setores pedirem favores que implicam redução de tributos ou aumento de subsídios. O quadro também tende a favorecer o radicalismo, num ambiente de deterioração política.

O presidente do Insper, Marcos Lisboa, vê com grande preocupação a crise causada pela greve dos caminhoneiros, criticando as concessões feitas pelo governo para tentar encerrar as paralisações. Além da redução de impostos para beneficiar o setor, a atual administração "resgatou inacreditavelmente práticas de cartéis que o Brasil havia superado há muito tempo", diz ele, referindo-se à tabela de preço mínimo para fretes e à garantia aos caminhoneiros autônomos de 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

"Isso é um retrocesso institucional de 20 anos", afirma Lisboa. "Dessa vez o governo realmente conseguiu voltar 20 anos em dois." Para ele, "é a volta do velho regime cartorial de setores privados dos anos 80 que, vamos combinar, não foram de boa memória".

Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Lisboa diz que um "oportunismo sem precedentes" está levando o país à crise. "Não é possível nós sermos tão reféns do oportunismo. Parece que essa virou infelizmente a marca dos grupos organizados no Brasil."

Isso ocorre num cenário de um governo cada vez mais fraco, de acordo com Lisboa. Para ele, a atual administração não apenas "se diminui na política", mas "também tem revelado uma incompetência técnica imensa", ao aceitar acordos como o anunciado no domingo, para tentar encerrar a greve.

Abcam denuncia ameaças para manter a greve

Por Murillo Camarotto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - O governo não faz previsões sobre quando a greve dos caminhoneiros irá acabar. O ministro da Defesa, general Joaquim Luna e Silva, disse ontem que "seria irresponsabilidade dar um prazo. O que posso dizer é que o decreto prevendo a GLO (Garantia da Lei da Ordem) só vai até o dia 4 de junho". O ministério e a Polícia Federal informam que o total de pontos de concentração de manifestantes - não só caminhoneiros - em rodovias federais aumentou ontem para 594.

Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, cerca de 30% dos caminhoneiros ainda estão mobilizados. Ele defendeu o fim da greve e denunciou ameaças a caminhoneiros por militantes políticos e adeptos de uma intervenção militar.

"Quem quer derrubar o governo não vai usar o nome dos caminhoneiros", disse Lopes. Para ele, há condições para que a mobilização termine hoje, desde que cessem as ações para impedir que os caminhoneiros retomem as atividades. "O pessoal quer voltar a trabalhar, mas tem medo". Ele disse que a desmobilização está sendo dificultada no entorno das montadoras do ABC Paulista e das distribuidoras de combustíveis da BR, Shell e Ipiranga na Zona Sul de São Paulo.

Abcam e Planalto apuram infiltração de militantes
O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, disse ontem que a ação de militantes políticos está atrapalhando o fim da greve da categoria. De acordo com ele, pelo menos 30% dos caminhoneiros ainda estavam mobilizados, o que nas suas contas representava algo em torno de 250 mil veículos.

Vinicius Mota: Quem aplaude os métodos dos caminhoneiros não gosta de democracia

Pílulas anticrise ou como evitar que um caminhão atropele o raciocínio

Enfrento abaixo, de modo sucinto, alguns temas que surgiram com a eclosão da grande sabotagem nacional praticada por caminhoneiros e empresários do transporte.

A matriz de transportes dependente de caminhões não favoreceu a crise.
Em qualquer lugar do mundo, o caminhão é o elo mais frequente entre o varejista, que abastece os consumidores, e o seu fornecedor. A gasolina não chega aos postos de trem nem de navio. A batata, o tomate e a carne não viajam de “alimentoduto” até os supermercados. Precisam em geral de veículos de carga que trafegam pelas estradas e pelas ruas. Na França, paraíso ferroviário, greves de caminhoneiros sufocam o abastecimento de combustível e produzem as mesmas imagens de filas nos postos que vimos aqui.

Também não é uma locomotiva que vai buscar o leite nas fazendas ou entregar os insumos para a criação dos frangos nas granjas. São basicamente caminhões em qualquer parte do planeta.

A matriz de transportes brasileira é excessivamente dependente de caminhões nos grandes troncos de escoamento e nas grandes distâncias. Isso cobra um preço em termos de eficiência econômica, mas não torna o consumidor brasileiro mais vulnerável a paralisações.

Na verdade, se essas operações fossem mais concentradas em ferrovias e hidrovias, seria muito mais fácil meia dúzia de sindicatos pararem o Brasil. Trens e navios são poucos e trafegam por poucas vias. Coordenar centenas de milhares de caminhoneiros pelas vias capilarizadas deste país continental é bem mais difícil.

Floresce no Brasil uma espécie de anarquismo de direita.
Há pouca coordenação nessa revolta, que se alimenta do clamor difuso e mal fundamentado pelo restabelecimento de um ideal de ordem e hierarquia. Mas essa restauração só viria pela destruição violenta e súbita de todos os que estão aí exercendo postos de poder.

Não se engane, leitor moderado de centro-esquerda ou centro-direita, este é um movimento da direita autêntica, talvez o maior da história do Brasil urbano e democrático. A leitura apressada do quadro pode levar a atitudes equivocadas como a dos petroleiros, que anunciam uma greve supondo-a favorável ao petismo. Estão apenas colocando azeitona na empada dos brucutus.

Os anarquistas anticapitalistas do passado cultivavam a ideia de que uma greve geral revolucionária, com adesão absoluta, derrubaria o sistema num só golpe. Eis que o seu negativo de direita, no Brasil mal instruído do século 21, aparece aboletado na cabine de um caminhão.

Eliane Cantanhêde: Brincando de golpe

- O Estado de S.Paulo

Tentar derrubar Temer da Presidência é o típico, e inútil, ‘chutar cachorro morto’

Assim como nos aviões, são duas as decisões mais tensas de uma greve: quando e por que começar, quando e por que parar. A greve dos caminhoneiros começou na hora certa, jogou luz nas agruras do setor, criou um caos no País e foi um estrondoso sucesso. Os caminhoneiros, porém, estão perdendo o timing de acabar a greve e capitalizar as vitórias.

As pessoas apoiaram a revolta, mesmo sofrendo diretamente as consequências, porque se identificaram com as dificuldades dos caminhoneiros e, como eles, estão à beira de um ataque de nervos diante de tanta corrupção. Mas é improvável que apoiem agora, simultaneamente, o “Fora Temer”, o “Lula livre” e a “Intervenção militar já”.

É uma salada indigesta. Pepino, abacaxi e pimenta não combinam e, cá para nós, focar o protesto na queda do presidente Michel Temer raia o ridículo, é como “chutar cachorro morto”. Faltando seis meses para o fim do governo? Com Temer já no chão? É muita artilharia para pouco alvo.

O governo cedeu exatamente em tudo que eles pediam: preço do diesel, redução de impostos, previsibilidade nos reajustes, tabela mínima de fretes e mudança nos pedágios federais, estaduais e municipais. Uma brincadeira que vai custar de R$ 9,5 bilhões a R$ 13,5 bilhões ao Tesouro. Leia-se: a você, leitor, leitora. Agora, a munição do governo acabou. Não há o que fazer.

Merval Pereira: Hora dos aproveitadores

- O Globo

As pesquisas já começam a registrar uma queda no apoio da população à assim chamada greve dos caminhoneiros, que teve uma participação clara das grandes transportadoras, e agora parece estar sendo sequestrada por grupos políticos, tanto da direita quanto da esquerda.

O presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, disse que pessoas “que querem derrubar o governo” continuam a greve, não os caminhoneiros, com “ameaças de forma violenta”. A Polícia Federal também está investigando agentes políticos infiltrados entre os grevistas, que já deveriam ter voltado ao trabalho depois que o governo atendeu todas as reivindicações da classe e mais as dos patrões.

A Medida Provisória 832, que cria a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, estabelece a tabela mínima para o frete, que será definida por representantes das cooperativas de transporte de cargas e dos sindicatos de empresas e de transportadores autônomos. Para a fixação dos preços mínimos serão considerados os custos do óleo diesel e dos pedágios.

A MP 831 define que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) contratará transporte rodoviário de cargas, com dispensa do procedimento licitatório, para até 30% da demanda anual de frete da empresa. Essa medida favorece mais as grandes transportadoras do que os caminhoneiros autônomos. Aos pequenos, sobram os carretos sem grandes distâncias. Eles não participam das grandes operações tipo Conab, dizem especialistas, ficando como meros coadjuvantes.

Assim como a desoneração das folhas de pagamento também não beneficiam os autônomos, que não têm empregados. Na verdade, o que teria que aumentar é o frete, dizem os especialistas, pois como a oferta de caminhões está maior, devido aos incentivos concedidos nos governos Lula e Dilma para a compra dos veículos, há uma natural tendência de baixa do valor dos fretes.

Joel Pinheiro da Fonseca: Obrigado, caminhoneiros - Folha de S. Paulo

Num gesto admirável de sacrifício, eles cortaram nosso combustível, nossos remédios e nossos alimentos

Em meio ao lamaçal da vida pública brasileira, há momentos em que mesmo o observador mais cínico tem que dar o braço a torcer. O povo unido por um Brasil melhor; foi o que vimos neste episódio heroico da greve dos caminhoneiros. Fiquei tocado com o patriotismo da classe.

Sofrendo, praticamente todos os brasileiros estão. Mas só os caminhoneiros foram capazes de transformar esse sentimento num movimento maior. Quando chegou a hora da decisão difícil, não titubearam: num gesto admirável de sacrifício, eles cortaram nosso combustível, nossos remédios e nossos alimentos.

Há muito mais em jogo do que o preço do diesel. A revolução é contra a classe política enquanto tal, vista como podre até a alma. A corrupção é o mecanismo que a move. Ela existe, hoje, para se perpetuar no poder e proteger os próprios privilégios, pagos pelo resto da sociedade. Contra ela, vale tudo.

Haverá algo mais belo que o povo nas ruas e nas rodovias, sem lei e sem líderes, dando vazão irrestrita à própria vontade e ameaçando não só as instituições, mas o próprio tecido social? Isso só pode dar coisa boa. É por isso que as lideranças mais responsáveis do Brasil competem para surfar essa onda.

No apoio aos caminhoneiros, Bolsonaro e Boulos falaram com uma só voz. Esquerda e direita deram as mãos. Afinal, a greve é #ForaTemer; e é também pela intervenção militar. O caminhoneiro é o manifestante perfeito para todas as nossas ideologias: para a esquerda, é trabalhador; para a direita, cidadão de bem; para os liberais, empreendedor. Não há idealismo que não saia edificado.

Gaudêncio Torquato: Os cinturões do governo

- Folha de S. Paulo

Caminhoneiros desafiam equilíbrio da gestão Temer

A constatação é de Carlos Matus, cientista social chileno, em seu clássico "Estratégias Políticas": "Não é possível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento econômico, aumento do emprego e justiça social." Esse é o dilema que enfrenta o governo ante a greve de caminhoneiros, que conta com o apoio de empresários e a simpatia da população.

O desafio é equilibrar os três cinturões que balizam uma administração pública: o econômico, o social e o político. Tal equilíbrio é responsável pela fortaleza ou fragilidade das ações governamentais. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado por um afeta o outro.

Tomemos a economia: se produzir resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com a consequente aprovação de projetos do Executivo. Foi o que se viu nos primeiros tempos da gestão Temer.

A linha adotada inicialmente foi bem-sucedida; mas, no que se refere à política de preços dos combustíveis, elogiada nos primeiros momentos e que propiciou loas ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, hoje é alvo das críticas.

Dolarizar o preço da gasolina, aumentando-o ou diminuindo-o de acordo com a oscilação do barril de petróleo no mercado internacional, criou por aqui uma gangorra, com remarcações quase diárias na bomba. O impacto no bolso de caminhoneiros foi jogado no colo de um governo que, ao contrário da administração Dilma, não represou preços. E isso tirou a Petrobras do buraco.

A fatura chegou com uma gigantesca greve que paralisou setores vitais. Agora, as concessões feitas ao setor do diesel motivam outras áreas a fazer exigências.

O horizonte sinaliza nuvens pesadas. Os cofres do Tesouro não suportarão estender benefícios a torto e a direito —uma política que quebraria a coluna vertebral que segura a economia. O afrouxamento do cinturão econômico ameaça desfazer a identidade reformista do governo.

Carlos Andreazza: O jacobinismo liberal de para-choque

- O Globo

Esse motim — postiço e orquestrado — está a serviço, sejamos objetivos, dos que pretendem, para além de derrubar o governo, botar em dúvida até mesmo a realização das eleições

O governo negociou mal. Cedeu mal. Entregou o que não tinha. Cedeu de novo — e pessimamente. Entregou o que não podia. Foi para muito além do limite do Tesouro. O governo — sejamos diretos — entregou-se. Não compreendeu a natureza do movimento criminoso. Não se negocia com quem o quer aterrar. O resultado era óbvio — esperado: enquanto a Petrobras aponta novamente para o buraco e o ajuste fiscal mergulhou na vala, a interdição do país permanecerá, e ganhará novos agentes. Pioramos. Muito. E o pior ainda virá. Não por falta de avisos. Apavorados, chantageados, Michel Temer e seus covardes deram a senha — fizeram o convite: vem que tem. Há subsídios para todo patriota de classe que bloquear estradas.

O povo apoia os rebeldes da própria causa, né? Ou — provoco — apoia qualquer insurreição contra políticos e governos? (O movimento criminoso, aliás, também é contra a atividade política; mas não se viu um só político tratar o troço pelo que é. Bando de frouxos, ou tirando casquinha ou acoelhados.) Não se engane, leitor. O povo entrou de gaiato. Apoia hoje. Será tarde quando não apoiar mais. Para isso servem as massas de manobra. Manobra de quem? A ação bandida que paralisou o Brasil articula interesses de grupos de pressão classistas — inclusive patronais — e de movimentos político-partidários infiltrados e influentes entre os caminhoneiros autônomos, miseráveis instrumentos na disputa eleitoral de poder, pelo controle narrativo da obstrução do país, que opõe bolsonaristas e esquerdistas.

Luiz Carlos Azedo: O fiel da balança

- Correio Braziliense

O DEM pode desestabilizar o governo, que depende do apoio de Maia para aprovar no Congresso o acordo com as lideranças dos caminhoneiros

A cúpula do DEM se reúne hoje na residência oficial do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), para discutir a relação do partido com o governo Michel Temer. A reunião foi convocada pelo presidente da legenda, ACM Neto, prefeito de Salvador. Enquanto a velha guarda avalia que Maia “pisou no tomate” na crise provocada pela greve/locaute dos caminhoneiros, ao esticar a corda com Temer, outra parte da bancada, mais jovem, defende o desembarque do partido do governo, a exemplo do que foi feito pelo PSDB.

Maia é candidato a presidente da República e lidera uma coalizão formada pelo DEM, pelo PP do senador Ciro Nogueira (PI) (legenda que encabeça um bloco com 69 deputados, o maior da Câmara) e pelo Solidariedade, de Paulinho da Força (cuja central sindical apoia os caminhoneiros). O grupo soma 134 parlamentares. O presidente da Câmara, desde o início da greve, critica a condução dada à crise pelo Palácio do Planalto, inclusive a mobilização das Forças Armadas. Um desembarque do DEM, agora, pode desestabilizar o governo, que depende do apoio de Maia para aprovar as medidas provisórias que enviou ao Congresso em razão do acordo com as lideranças dos caminhoneiros.

Bruno Boghossian: Tom de protestos sugere clima de instabilidade até a eleição

- Folha de S. Paulo

Para integrantes do Planalto, agora missão do governo é levar o país até as urnas

O sequestro da paralisação dos caminhoneiros por gritos estridentes a favor da derrubada do governo é a nova faísca da insatisfação generalizada com a política. As tonalidades do movimento sugerem que o país atravessará os próximos cinco meses, até a escolha do novo presidente, sob uma atmosfera volátil.

Na cúpula do Planalto, circula uma avaliação pragmática. Além de lutar pela própria sobrevivência, Michel Temer tem a missão de levar o Brasil até as eleições em um ambiente livre e seguro, diz um ministro.

Integrantes das Forças Armadas e dos aparelhos de inteligência descartam rupturas institucionais, como os insensatos pedidos por uma intervenção militar. Esses agentes acreditam, porém, que a instabilidade deve se estender até a posse de um novo governo e que os protestos podem se repetir em outras corporações e categorias profissionais.

A aparente mutação do movimento dos caminhoneiros alimenta incertezas políticas, mas é também uma consequência delas. Os escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato dizimaram lideranças representativas que poderiam abrir um canal de diálogo com os manifestantes. O vácuo se consolidou.

Embora alguns desajuizados exerçam o direito democrático de clamar pelo golpe militar, a eleição de outubro é a melhor oportunidade para renovar o estoque de mandatários. Os acontecimentos dos últimos oito dias indicam que a disputa se dará em um campo escorregadio.

Míriam Leitão: Bomba retardada

- O Globo

O próximo governo assumirá tendo que cortar R$ 30 bilhões e, além disso, terá que aumentar o diesel ou encontrar nova solução. Toda a complexa engenharia para reduzir menos de meio real no preço do litro do diesel não pode ser mantida no ano que vem porque não há espaço para mais este gasto. E para este ano foi preciso inventar inúmeras saídas fiscais e tributárias.

Quem for eleito herdará um aumento de despesas obrigatórias de R$ 74 bilhões, a maior parte disso Previdência e salário do funcionalismo. O problema é que o espaço para elevação de gastos é de R$ 40 bilhões. Por isso, o novo governo terá que abrir os trabalhos cortando outras despesas no valor em torno de R$ 30 bi. Ao lado disso, receberá a bomba do reajuste do diesel, porque o gasto extra de R$ 9,5 bilhões será suficiente apenas para o subsídio ao diesel este ano.

No oitavo dia de greve do setor de transporte de carga, o governo já havia cedido tudo o que fora pedido, ainda havia paralisação e o país vivia os efeitos da desorganização do abastecimento. A esperança ontem cedo era que o setor de inteligência do governo estivesse certo. Eles detectaram uma melhora no tom das lideranças mais radicais a partir da madrugada e avisaram o governo. Durante o dia, no entanto, a situação se manteve tensa, ainda que com alguns pequenos avanços. No fim do dia, a Polícia Rodoviária Federal admitia haver 594 pontos de bloqueios.

Raymundo Costa: Lula, indulto, pressão e pacificação

- Valor Econômico

Lula pede para Haddad apressar plano de governo

O PT deve indicar o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em convenção a ser marcada para o fim de julho, mas pode deixar vaga a designação do candidato a vice-presidente. A lei permite que a indicação seja feita mais tarde pela Comissão Executiva Nacional do partido, desde que previamente autorizada pelos convencionais.

O tema ganhou corpo depois que os cinco governadores do PT pediram para Lula antecipar a escolha do vice, para que o candidato pudesse se preparar para a eventualidade de o ex-presidente não ser candidato. A decisão final será carimbada por Lula em Curitiba, como o foram todas as outras até agora.

Da prisão no Paraná, Lula ganhou todas as demandas abertas em sua ausência. E a palavra de ordem do caudilho petista é 'Lula candidato' até Lula dizer que não é mais e indicar um nome do PT ou de outro partido, se indicar. À exceção de Camilo Santana (CE), que está com Ciro Gomes, os governadores petistas recuaram da proposta de indicar já ao menos o vice.

Lula não está isolado em Curitiba. Lê, recebe e envia recados e tem mais visitas que as de Gleisi Hoffmann, presidente do PT, feitas em geral nas tardes de quinta-feira, após o encontro do ex-presidente com a família. Quando acorda e olha para o teto, segundo contou a visitantes, não há dia em que deixe de perguntar: "O que é que eu estou fazendo aqui, todo mundo sabe que eu não sou dono daquele tríplex"?

Lula não deixa o PT desencadear o Plano B por dois motivos. Primeiro porque não quer passar a impressão para os militantes de que espera ficar na prisão por um longo período. Depois porque liberar agora o partido pode passar a mensagem errada de que desistiu, o que não é definitivamente o caso. Após um mês de prisão, ele perdeu apenas 0,98% de apoio, segundo as pesquisas de Marcos Coimbra (Vox Populi) feitas por encomenda da CUT, o que demonstraria a correção da estratégia adotada.

*Roberto Romano: Ódios ou Luzes, o Brasil na encruzilhada

- O Estado de S.Paulo

Contra o veneno fanático, tolerância, saber, debate publicável sem covarde anonimato

As Luzes sempre foram proibidas no Brasil. Na colônia, os filhos das famílias ricas conheciam textos filosóficos, políticos e jurídicos em bibliotecas europeias ordenadas por intelectuais que ajudaram a construir o Estado moderno. A Bibliothèque Mazarine surge com Gabriel Naudé, o autor das Considerações Políticas sobre o Golpe de Estado. Richelieu adota a doutrina de Francis Bacon : “Knowledge and power meet in one”. O saber é base da soberania. Naudé amplia a pesquisa e o debate, essenciais na geração de cultura científica, artística, política.

Os governantes da época eram atacados pelos cristãos reformados, livres-pensadores, católicos insatisfeitos. Tais batalhas usavam os libelos que destruíam segredos e prestígio na Corte. Richelieu monta a bem agenciada máquina de contrapropaganda, nela emprega literatos para defender o rei. Aos manifestos dos insatisfeitos responde a rede de jornais e panfletos redigidos nos escritórios acadêmicos, pagos pelo cardeal (E. Thuau, Raison d´État et Pensée Politique à l’Époque de Richelieu). Naudé vai contra os libelos (antepassados das “redes sociais”, onde calúnias circulam à vontade). O melhor para atenuar o afã panfletário, arrazoa o teórico do golpe de Estado, não é vetar, mas permitir. A tolerância reforça a soberania política. Ela prova a serenidade do poder, a sua força. Governo censor e intolerante mostra fragilidade. O debate seguro de múltiplas propostas indica que o mando está seguro. O governo deve responder às críticas sem a força física. O ponto a ser negado nos libelos é o anonimato dos que não assumem responsabilidade pública (Robert Damien, Bihliothèque et État, Naissance d’une Raison Politique dans la France du XVIIIe Siècle).

Quem defende as liberdades no século 18, na Europa e no mundo, parte do seguinte pressuposto: o poder censor e policial define um não poder que confessa sua carência de legitimidade junto ao cidadão, a única política sólida. Um mando enfraquecido na modernidade o encontramos na Igreja, e por tal causa pouca valia trazem os índices de livros proibidos. Não foi o Estado o primeiro a inventar a censura intolerante. Para manter a “soberania espiritual”, ainda presente no Tratado de Latrão com Mussolini, a Igreja reinventa técnicas de censura, anátema, controle policial. A razão de Estado nasce da Sancta Mater. O primeiro autor a usar o conceito foi G. Botero, próximo de Carlos Borromeu, inventor do Liber status animarum. Tal questionário é aplicado nas paróquias e dioceses, que o devolvem à Sé romana. Nas fichas, dados sobre as posses dos crentes, amigos, leituras. Logo vem a ragion di Stato, mas não para fortalecer o governo civil (Roberto Romano, Impostos e razão de Estado, na Revista de Economia Mackenzie). Bellarmino defende a soberania indireta do pontífice. A proposta é recusada em larga escala, a começar por Hobbes. Botero acha a fórmula para atingir o alvo de Bellarmino: a Igreja como instrumentum regni, com partilha do poder (Catteuw, L., Censures et Raisons d´État, une Histoire de la Modernité Politique, XVIe-XVIIe Siècle).

É urgente restabelecer o abastecimento: Editorial | O Globo

Mesmo que sejam necessários ajustes na política de realismo tarifário, é crucial que se preserve a filosofia de concorrência no mercado de combustíveis

O momento da greve de caminhoneiros é de se estabelecer a máxima prioridade para a cadeia de abastecimento voltar a funcionar sem obstáculos. É a única alternativa aceitável depois que o governo concordou com todas as reivindicações do setor, incluindo de empresas que atuam nos bastidores do movimento.

Na entrevista concedida por autoridades no início da tarde de ontem, o ministro Eliseu Padilha se referiu a “infiltrações” entre caminhoneiros. Era previsível que grupos políticos tentassem se aproveitar da crise, para insuflar a radicalização e ampliar os problemas que a população enfrenta, inclusive com risco de vida para pacientes em hospitais e emergências. Uma forma especialmente irresponsável de tentar atingir o governo Temer. Enquadrase neste cenário a ameaça de greve de petroleiros, uma iniciativa de evidente objetivo político-partidário.

Mas não há nada que a Constituição e o arcabouço legal de forma ampla não prevejam. O Estado tem instrumentos legais para gerenciar situações como esta. O ponto-chave é que muito foi concedido, a um custo financeiro estimado em quase R$ 10 bilhões, a ser arcado por toda a sociedade. Deve-se lembrar que a União continua a acumular déficits anuais pesados. Para este ano, sem incluir o custo da dívida, R$ 159 bilhões. Mais esta despesa terá de ser bancada pela sociedade.

Fraqueza perigosa: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo do presidente Michel Temer mostrou-se frágil ao lidar com o protesto dos caminhoneiros que parou o País. Essa fragilidade ficou particularmente evidente com a quase total inação das Forças Armadas, malgrado o fato de que as medidas decretadas por Temer para desobstruir as estradas e garantir o abastecimento das cidades incluíam a autorização expressa para que os militares agissem contra os grevistas. Está claro que ao governo faltou pulso para administrar uma crise dessa dimensão, restando à sociedade a sensação de que o que está sendo feito é insuficiente e que os caminhoneiros – e todos os oportunistas que pegaram carona no movimento – estão a ditar os rumos da crise. O País se aproxima perigosamente da anomia – quando aqueles que deveriam exercer a autoridade política e institucional são desmoralizados, prevalecendo a lei do grito.

Acuado, o governo cedeu em tudo, entregando aos caminhoneiros até mais do que eles haviam exigido. O preço do litro do diesel na bomba será reduzido em R$ 0,46 e o reajuste, depois de 60 dias, será apenas mensal, e não mais diário, como é hoje. Ou seja, haverá subsídio para baixar o preço e para adiar os reajustes futuros, a título de dar, mais do que previsibilidade, certezas quanto ao dispêndio – algo que não é próprio de uma economia de mercado, mas de um regime de controle estatal, a um custo que recai sobre o conjunto da sociedade. Neste caso, esse custo será de cerca de R$ 13 bilhões, valor que terá de ser retirado de previsões orçamentárias já aprovadas e não deixará de ampliar a dívida pública. Ainda está por ser calculado o impacto de outros benefícios, como a suspensão do pedágio para caminhões sem carga.

Cobrar o acordo: Editorial | Folha de S. Paulo

Abusos dos caminhoneiros acabaram premiados por concessões generosas do governo

Está claro que o governo Michel Temer (MDB) ainda não sabe como vai pagar —com o dinheiro dos contribuintes— as promessas feitas para pôr fim à paralisação dos caminhoneiros. Resta descobrir se as autoridades federais têm ao menos ideia de com quem negociam.

De nada adiantaram, afinal, os generosos termos do suposto acordo, anunciado na quinta-feira (24), com o que seriam 8 das 11 entidades envolvidas nas tratativas. O bloqueio criminoso de estradas e o desabastecimento das cidades persistiram, até novo e mais perdulário entendimento, no domingo (27).

Entre um e outro, houve a ameaça de usar força policial e militar para desobstruir as rodovias —o que, como se nota, surtiu efeito modesto, para dizer o de menos.

De novo o país se encontra na expectativa de que chegue ao fim, de modo organizado, uma ofensiva que há muito ultrapassou os limites do razoável. A sociedade não pode continuar refém de uma categoria cuja truculência já foi, infelizmente, premiada.

Assegurou-se uma redução de R$ 0,46 no preço do litro do óleo diesel, a vigorar por 60 dias. Depois, haverá prazo de um mês entre os eventuais reajustes, qualquer que seja a valorização do petróleo no mercado internacional.

Governo faz todas as concessões e greve não acaba: Editorial | Valor Econômico

O governo fez concessões contínuas aos caminhoneiros e empresas de transportes, mas as estradas não foram desobstruídas, o combustível não fluiu e a falta de abastecimento se aprofundou e está à beira do colapso, enquanto que os serviços essenciais se mantêm de forma muito precária. O ministro Eliseu Padilha disse que o Planalto "venceu" na negociação dos caminhoneiros, mas duas ou três novas vitórias como essa serão capazes de colocar o governo abaixo. O presidente Michel Temer, no domingo à noite, chegou a usar o verbo avançar para listar mais cinco reivindicações dos caminhoneiros que haviam sido aceitas, sem que os caminhões tivessem se movido um centímetro de onde estavam - foi um recuo em toda a linha.

Há várias consequências do episódio que deixam inquietações graves sobre o futuro. Por arrogância ou incompetência, o governo foi surpreendido pela extensão e persistência da paralisação, coadjuvada pelas empresas de transportes. Os interlocutores oficiais fizeram uma primeira reunião, colocando na mesa o que já estariam dispostos a oferecer, com contrapartidas fracas - a saber, o movimento era ilegal e o início do diálogo deveria pressupor o fim da greve, que deveria ser desmobilizada, se necessário com os recursos de dissuasão de que dispõe o Estado.

E, por desinformação ou despreparo, após o Planalto afiançar que haveria desconto no diesel e que as empresas do setor não seriam atingidas pela reoneração a caminho da votação, descobriu-se que as entidades que avalizaram as propostas não eram representativas nem garantiram sua aceitação por parte do movimento, que manteve-se tão ou mais forte após a reunião da quinta-feira.

Carlos Pena Filho: Soneto das Definições

Não falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito,
à música das cores e do vento.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.