domingo, 17 de junho de 2018

Luiz Sérgio Henriques*: Futebol e política

- O Estado de S.Paulo

Dia de Brasil e Copa do Mundo na outrora distante Rússia, hoje próxima pelas artes mágicas da revolução digital

Dia de Brasil e Copa do Mundo na outrora distante Rússia, hoje próxima pelas artes mágicas da revolução digital. Por décadas a Meca do comunismo, que viria por meio de outra revolução, a proletária, a Moscou de agora é um dos bastiões de um iliberal capitalismo de compadres, com perturbadores toques mafiosos. Impossível não levar a sério o tema esportivo, entrelaçado à política, uma vez que nós, bem ou mal, infame goleada alemã à parte, continuamos a sentir familiarmente vazio o País nas tardes de domingo, como na bela canção mineira do Milton. Aqui ainda é o país do futebol, o que sucede nas quatro linhas captura magneticamente nossa atenção, mesmo que prodígios como Garrincha e Pelé não possam surgir como numa esteira fabril dos tempos do fordismo.

Outro motivo para despertar a atenção é que o futebol está longe de ser uma paixão banal, como uma perspectiva ultraintelectualista sugere. Parábola do homem comum a roçar os céus – apregoa o verso de outro poeta –, o futebol firmou-se como o esporte de massa por excelência num século que viu a ascensão, as conquistas e as tragédias desse mesmo homem comum reunido em grandes grupos sociais, como as classes, ou em coletividades nacionais, que muitas vezes forneciam as bases de um sentir que ia além de quaisquer fronteiras particulares – incluídas as de classe.

Aos poucos, e um pouco por toda parte, o football perdia sua aura estrangeira e aristocrática, enraizava-se em cada realidade nacional, insinuava-se até no vocabulário, com seus goals e seus backs, offsides e corners. A novidade levava de roldão a oposição de homens excepcionais, como o romancista Lima Barreto, que torcia o nariz para aquele esporte esnobe que lhe parecia chocar-se com sua percepção do que era, ou devia ser, o elemento popular e nacional. Em outras latitudes, cenas igualmente surpreendentes aconteciam. O filósofo Benedetto Croce, por exemplo, considerava inexplicável a paixão futebolística e ainda mais inexplicável o contentamento que uma vitória do Nápoles lhe causava...

Antonio Gramsci – sim, ele mesmo, o tal solerte intelectual que, segundo concepções paranoides, hoje substitui o russo Lenin no bizarro arsenal de fantasmagorias subversivas – não deixou por menos.

Como se sabe, implicava acidamente com sua Itália presa nas malhas de uma política mesquinha e provinciana, que a seu ver agia de modo “transformista”, trazendo socialistas e anarcossindicalistas para as coalizões de governo, não sem antes emasculá-los e deles retirar todo o potencial para mudanças efetivas. Pois um dos ideais gramscianos era o liberalismo anglo-saxão. A Itália – dizia em 1918, depois da revolução bolchevique! – não seria afeita a esportes, mas ao preguiçoso e insalubre baralho. E o futebol, ao contrário, parecia-lhe a melhor expressão de uma sociedade individualista e competitiva, mas submetida a regras e obediente aos árbitros.

Merval Pereira: E se o Brasil for campeão?

- O Globo

Como se vê, até mesmo os algoritmos sabem que o Brasil é franco favorito

Se o Flamengo for campeão brasileiro e a seleção, do mundo, “até o Temer se reelege”. A frase retumbante me foi dita pelo produtor Luiz Carlos Barreto, flamenguista doente, que teme essa mistura de resultados. Não deveria, pois já é consabido que o futebol não dá voto a ninguém, embora os políticos cismem de se aproveitar dele.

O próprio Temer tentou melhorar sua popularidade, que está no chão, fazendo uma gravação para a TV completamente inócua sobre a Copa do Mundo, que começa hoje na Rússia para nós. Já Putin tira proveitos políticos da realização da Copa, que alimenta o sonho dos russos de voltarem a ser protagonistas no cenário mundial.

Para tanto, o ex-KGB nem precisa que sua seleção de futebol vá muito longe; se passarem da fase de grupos já estão no lucro. Para uma autocracia que não passa de um simulacro de democracia representativa, Putin ter sido aplaudido em grande estilo no jogo inaugural da Copa foi um ganho político relevante, confirmação de que sua política de dar dimensão global a eventos que a Rússia protagoniza, pelo menos como organização, traz bons frutos na popularidade.

Não à toa, ele não foi vaiado, diferentemente da então presidente brasileira Dilma Rousseff na Copa de 2014. A favor do Brasil, somos uma democracia consolidada, e ninguém pensou em punir os que vaiaram a presidente; por outro lado, vaiar Putin em público, na Rússia de hoje, é um risco.

Mas ninguém também foi obrigado a aplaudilo e a balançar a bandeira russa com orgulho. A autocracia de Putin não chega ao extremo da ditadura da Coreia do Norte, que obriga seus cidadãos a chorarem em público a morte do ditador da vez, como ocorreu com o pai de Kim Jong-un.

Hélio Schwartsman: O jogo

- Folha de S. Paulo

Como explicar o fato de que a Copa mobiliza parte não desprezível da população mundial?

Dois grupos de 11 adultos supostamente racionais, expondo-se a moderado risco físico e atuando segundo regras caprichosas, concebidas especialmente para tolher-lhes a eficiência, perseguem um objeto esférico com o objetivo anódino de fazê-lo cruzar uma estrutura retangular fincada no chão.

Por essa descrição, não dá para dizer que o futebol, do qual a Copa é o pináculo, seja a atividade mais lógica do mundo. Ainda assim, a competição mobilizará, ao longo dos próximos 30 dias, as atenções de parte não desprezível dos habitantes do planeta e movimentará bilhões de dólares. Como explicar isso?

Somos uma espécie com tara pelo jogo. Outros animais, notadamente mamíferos, também são capazes de correr atrás de bolas e simular confrontos —isto é, de brincar. É a forma que a natureza encontrou para adestrar física e mentalmente bichos com comportamento flexível.

Humanos, porém, temos uma peculiaridade. Conseguimos antecipar em nossas mentes as sensações prazerosas ou dolorosas, o que significa dizer que somos capazes de distinguir ficção de realidade. As implicações não são triviais.

Vera Magalhães: Centro refém do Centrão

- O Estado de S.Paulo

União de forças depende do grupo, mas, vença quem vencer, ele estará de volta em 2019

A tão procurada e até aqui difícil de encontrar união do centro, descrito pelos seus ideólogos como um lugar de convergência de ideais democráticos e de uma agenda reformista para o País, esbarra na força do Centrão, assim com maiúscula e no aumentativo, um conglomerado de partidos com menos propósitos edificantes - mas muito mais força real. Intelectuais podem assinar quantos manifestos quiserem, mas essa união só se dará quando e se o tal Centrão entender que é este o caminho mais adequado para a sua sobrevivência política.

O que hoje se chama de Centrão é um grupo de partidos que se articulou em torno da liderança de Eduardo Cunha. Era integrado por partidos da base de Dilma Rousseff, mas, sob o comando do então todo-poderoso da Câmara, foi decisivo para seu impeachment.

No pós-Dilma e pós-Cunha, quem herdou a chave foi Rodrigo Maia, que contou com o Centrão para de eleger duas vezes presidente da Câmara e já tem com ele apalavrada sua terceira condução, caso seja reeleito deputado.

Mas o fenômeno não é novo: já houve outros centrões, a começar do que atuou na Constituinte. Como o vírus da gripe, ele muda de conformação ano a ano, mas segue poderoso e difícil de combater.

Rede nega alianças e acena a mercado

Sem tempo na TV e com pouco dinheiro, Marina Silva descarta chapa com siglas tradicionais, e sua equipe afasta ideias heterodoxas na economia.

As duas faces de Marina

Presidenciável costura apoio de economistas ortodoxos, mas patina nas alianças tradicionais

Dimitrius Dantas e Maria Lima | O Globo

-SÃO PAULO- Sem alianças com outros partidos, uma bancada reduzida que garante somente dez segundos na campanha televisiva e apenas R$ 10 milhões do fundo eleitoral (menos de um quarto do que gastou na eleição de 2014). Poucos candidatos a presidente da República gostariam de ter a estrutura de Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, mas quase todos comemorariam estar em sua situação. Com 15% das intenções de voto, atrás apenas do deputado Jair Bolsonaro (PSL), Marina é hoje a única que se mostra capaz de vencê-lo no segundo turno — de acordo com a última pesquisa do Datafolha, por 42% a 32%.

Cativar eleitores é um objetivo que, em sua equipe de campanha, é perseguido com estratégias diferentes — e, muitas vezes, opostas. Há um grupo mais fiel a Marina, egresso de sua primeira campanha em 2010, formador da Rede, que, como ela, rejeita qualquer ligação com partidos tradicionais e prega uma “nova política”. Diz não se importar com o pouco tempo na televisão ou a falta de dinheiro. E há um grupo focado em demonstrar que Marina tem os pés no chão, especialmente na área econômica, como em 2014.

A dialética entre os “sonháticos” e os “pragmáticos” da campanha ficou mais clara nos últimos dias. Depois que Marina e seus mais próximos rejeitaram com veemência os acenos feitos pelo expresidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, os economistas Eduardo Giannetti da Fonseca e André Lara Resende, colaboradores que andavam meio distantes, apresentaram publicamente diagnósticos e propostas econômicas.

— Isso mostra que a Marina tem na área econômica uma equipe de pessoas com experiência e que não vai fazer nenhuma aventura política na economia — diz Giannetti, que defende propostas de uma economia de mercado com uma política inclusiva “incisiva”.

Para Giannetti, a eleição se apresenta com dois candidatos de extremos, caracterizados pelo caráter belicoso: Bolsonaro e Ciro Gomes (PDT). Ele afirma que a movimentação é uma forma de indicar que Marina irá se apresentar como a candidata da racionalidade.

DIFICULDADE PARA ATRAIR PARTIDOS DE PESO
Ao lado do economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas do mundo em programas focados na população de baixa renda, Giannetti e Lara Resende são os sinais ao mercado e ao público de que Marina irá, sim, abrir espaço a ideias semelhantes às defendidas por PSDB e PT. Enquanto isso, seu grupo mais fiel zela por afastar a possibilidade de isso se concretizar no quesito aliança partidária.

‘O governo padece de uma questão de legitimidade’, diz Alckmin

Tucano afirma que não cogita aliança com o MDB: ‘Estamos procurando o apoio de partidos que não têm candidato’

Entrevista com Geraldo Alckmin

Adriana Ferraz, Emanuel Bonfim e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

O ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência da República, disse em entrevista ao Estado e à Rádio Eldorado que não pretende defender o “legado” do presidente Michel Temer caso seja eleito. Alckmin afirmou também que não vai convidar o emedebista para ocupar cargo no governo nem dar indulto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

• No campo econômico, o sr. prega a continuidade do governo Michel Temer?

Não. Acho que ninguém está discutindo legado, estamos discutindo o futuro. O governo atual tem um grande problema, que é a falta de legitimidade porque não teve voto. Na democracia tem que ter voto. A união entre o cidadão e o governo se dá pelo voto, por isso essa dificuldade enorme.

• Se o sr. for eleito, vai dar indulto ao ex-presidente Lula e um cargo ao Michel Temer, como uma embaixada, por exemplo?

Não e não.

• Aceitaria o apoio do MDB?

Não vou cometer a indelicadeza de levantar uma hipótese sendo que o MDB tem candidato, o dr. Henrique Meirelles. Estamos procurando o apoio de partidos que não têm candidato.

• Mas vê com bons olhos o apoio do MDB com Temer no pacote?

Vocês querem saber se vou defender o legado Temer. Nós vamos olhar para o futuro.

• Foi um erro do PSDB ter participado desse governo e ainda ter um ministro, o chanceler Aloysio Nunes?

Todo mundo critica o presidente Temer. Acho que em muita coisa a crítica é procedente. Mas a gente tem que entender que é um governo de transição. É diferente de um governo eleito. Padece de uma questão de legitimidade.

• Mas foi um erro?

Quando começou o governo do presidente Temer eu fui da tese que devíamos apoiar todas as medidas que o Brasil precisa, mas sem participar de governo e ter ministério. Essa não foi a tese majoritária. O Aloysio ajuda o País, mas não representa o PSDB.

• Vídeos divulgados na semana passada nas redes sociais mostram claques recebendo o sr. em aeroportos. É nova estratégia de campanha, no estilo Bolsonaro?

Fiquei muito feliz. Quem não gosta de carinho, de afeto. Isso aconteceu em Brasília e aqui em São Paulo também. Para mim a campanha começa mesmo depois das convenções, e não é apenas pela lei, mas pelo interesse maior da população.

• Foi espontânea essa mobilização? Ou uma estratégia do partido para parecer que o senhor não está isolado?

A maioria das pessoas que estavam é militante do partido que eu não via há muito tempo e deu para matar a saudade.

• O sr. tem sido alvo de fogo amigo dentro do PSDB? Há relatos que teria se irritado em jantar com aliados em Brasília...

Não tem nenhuma irritação, pelo contrário, temos recebido grande apoio do partido. O que se pode fazer é olhar o copo meio cheio, meio vazio. Dos candidatos mais ao centro, que são dez praticamente, eu tenho a melhor posição. Está todo mundo com 1%, no máximo chega a 4% e eu vou de 7% a 11%. Agora, está muito fragmentado. Precisa diminuir o número de pré-candidatos, o que eu acho que vai acontecer lá no final de julho.

• Qual a prioridade na formação de alianças? Cogita fazer aliança com Marina Silva, por exemplo, como o ex-presidente Fernando Henrique teria sugerido?

Olha, seria indelicado com a Marina especular qualquer aliança na medida em que ela é pré-candidata, já foi candidata a presidente da República e acredito que vá ser candidata. Agora conversar é sempre bom. O presidente Fernando Henrique tem nos ajudado muito, é um homem do diálogo, das pontes.

Divergências no centro após manifesto dificultam união

Cristovam Buarque diz enxergar ‘vazio político’ no horizonte e admite ter dúvidas sobre viabilidade eleitoral de Alckmin

Vera Rosa | O Estado de S. Paulo.

Apresentada em gabinetes do governo e do Congresso Nacional como solução para enfrentar a instabilidade política, a aliança entre partidos de centro nas eleições presidenciais está cada vez mais difícil de sair do papel. Agora, até mesmo idealizadores do chamado manifesto “Por um Polo Democrático e Reformista” começam a divergir sobre o que fazer diante da apatia que tomou conta das précampanhas do bloco, ao mesmo tempo em que líderes do MDB e do DEM também buscam alternativas políticas para se reposicionar na disputa eleitoral deste ano.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), por exemplo, afirma enxergar um “vazio político” no horizonte e admite ter dúvidas sobre a musculatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência, para chegar à segunda rodada da disputa. Um dos formuladores do manifesto, Cristovam propõe que o documento – que foi chancelado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso –, seja substituído pela indicação de um candidato do grupo suprapartidário.

“Não podemos negar o fracasso daquele manifesto, que faz um apelo pela união do centro nas eleições. Então, já que não conseguimos unir ninguém, devemos escolher um nome”, disse Cristovam ao Estado. “Temos de indicar logo alguém que tenha chance de ir para o segundo turno”, acrescentou ele.

Embora o PPS apoie Alckmin na corrida à Presidência, o senador não escondeu a preocupação com a viabilidade eleitoral do tucano. “O Alckmin mesmo está passando essa dúvida. Ele precisa demonstrar logo que tem condições de crescer”, argumentou. Já existem alas do PPS que passaram a pregar, por exemplo, uma aproximação com a pré-candidata da Rede, Marina Silva.

Empresários defendem apoio a Alckmin

Em jantar na casa do dono do grupo Cosan, Temer se comprometeu a buscar a união das forças de centro em torno da candidatura tucana

Sônia Racy, Mônica Scaramuzzo | O Estado de S. Paulo.

Empresários e banqueiros jantaram, sexta-feira, na casa de Rubens Ometto Silveira Mello, dono do grupo Cosan. A reunião foi marcada a pedido do presidente Michel Temer, que levou o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, para falar sobre economia. No cardápio, além de um bem servido bacalhau, também estava um assunto ainda indigesto: as incertezas políticas. O nome de Geraldo Alckmin (PSDB) foi amplamente defendido na mesa para ser o candidato do governo para as eleições deste ano, apurou o Estado.

No petit comité reunido em um condomínio de luxo na Cidade Jardim, estavam grandes banqueiros – Luiz Carlos Trabuco Cappi (Bradesco), Roberto Setúbal (Itaú), Sérgio Rial (Santander), André Esteves (BTG) e José Olympio Pereira (Credit Suisse) –, além pesos pesados da indústria: Pedro Wongtschowski (grupo Ultra), Walter Schalka (Suzano), José Roberto Ermírio de Moraes (Votorantim), Gustavo Junqueira (Sociedade Rural Brasileira), Paulo Malzoni (Shopping West Plaza) e Waldemir Verdi (Rodobens).

Durante o jantar, que começou às 20 horas, Temer começou falando das importantes reformas conduzidas pelo seu governo – Teto dos Gastos e trabalhista –, mas foi cobrado pelos que estavam à sua volta sobre a falta de celeridade de outras também importantes, como a da Previdência e a tributária. Guardia saiu em defesa do “legado Temer” e disse que vai procurar a equipe econômica dos principais pré-candidatos à Presidência da República para falar da turbulência atual, que é a alta volatilidade do câmbio.

Receio. Embora a política não estivesse previsto no prato principal, os convidados cobraram abertamente de Temer o apoio do governo para alavancar a candidatura do ex-governador de São Paulo, que ainda não despontou nas pesquisas para a corrida eleitoral. Temer teria se comprometido ali, segundo pessoas ouvidas pelo Estado, a se empenhar para unir o centrão em torno de um só candidato: Geraldo Alckmin.

DEM resiste a fechar aliança com presidenciável

Ala mais à direita da sigla e críticos do estilo intempestivo de Ciro reagem a articulações feitas por Maia

Daniel Carvalho, Angela Boldrini | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Para levar adiante a aproximação com o PDT de Ciro Gomes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá que vencer forte resistência de seu partido e também de siglas aliadas.

Maia é pré-candidato ao Planalto, mas admite que pode deixar o pleito caso entenda que outro postulante tem mais chances.

A simples divulgação de que teria um encontro com Cid Gomes, irmão de Ciro, incendiou o entorno de Maia. O encontro acabou acontecendo longe das câmeras, tarde da noite, na quarta (13).

"Esse cara não tem nada a ver com nosso partido. É instável e não soma nada ao DEM. Se ele [Maia] não for candidato, meu candidato é Jair Bolsonaro [PSL-RJ]", disse Alberto Fraga (DEM-DF), líder da "bancada da bala".

A resistência a Ciro não se limita à ala mais à direita da legenda. Pesam ainda motivos como opção por outros candidatos ou resistência à verborragia do ex-governador do Ceará.

MDB e DEM vivem momento de incerteza

- O Estado de S. Paulo.

Nas fileiras do MDB, o desânimo com a pré-candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles aumentou nos últimos dias. Reservadamente, parlamentares da sigla dizem que, além de não decolar, Meirelles não está nem mesmo cumprindo a “tarefa” de defender o presidente Michel Temer do tiroteio e de ser um “escudo” de proteção do Planalto. A entrevista que ele deu no dia 11 ao programa Roda Viva, da TV Cultura, foi definida por correligionários como “lamentável”.

O ex-chefe da equipe econômica ainda terá de passar pelo crivo da convenção do MDB, no fim de julho, para se tornar candidato. “Não acredito que Meirelles seja homologado”, afirmou o senador Renan Calheiros (MDB-AL), adversário de Temer. “Na ausência de um nome competitivo, é melhor não ter candidato para chamar de seu e deixar as alianças estaduais liberadas”, disse.

A semana também terminou com interrogações para o DEM. Com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ) a um passo de deixar o páreo para concorrer à reeleição, uma ala do DEM quer apoiar o tucano Geraldo Alckmin, outra defende Ciro Gomes (PDT) e há até mesmo quem pregue aval a Jair Bolsonaro, do PSL. Diante disso, o DEM começou a examinar nomes novos, como o do empresário Josué Alencar (filho do ex-vicepresidente José Alencar), filiado ao PR. Mesmo assim, a balança pende para Alckmin. O receio, porém, é que o tucano continue estagnado nas pesquisas.

“Quem atrapalha o Alckmin, nosso candidato preferido para enfrentar no segundo turno, é o Fernando Henrique Cardoso, que deveria vestir o pijama”, disse o ex-governador do Ceará Cid Gomes (PDT), coordenador da campanha de Ciro. “O Bolsonaro é mais fácil de derrotar, ele vai explodir de rejeição. Mas com o Alckmin teríamos mais condições de diálogo.” Cid jantou com Maia na quarta-feira.

Candidatos a governador do PT podem ficar isolado em 8 Estados

Em SP, RJ, RS, PR, SC e MS, candidatos petistas não fecham alianças; em MT e DF, partido não lançou nomes

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo.

Levantamento feito pelo Estado com dirigentes nacionais e estaduais do PT mostra que o partido pode ficar isolado nas disputas por governos em ao menos oito das 27 unidades da Federação, que somam quase a metade do eleitorado brasileiro.

Luiz Marinho, em São Paulo; Marcia Tiburi, no Rio; Miguel Rossetto, no Rio Grande do Sul; Dr. Rosinha, no Paraná; Décio Lima, em Santa Catarina e Humberto Amaducci, no Mato Grosso do Sul, até agora não conseguiram apoio de nenhuma outra sigla. No Mato Grosso e no Distrito Federal, o PT não definiu nomes até o momento, mas a tendência também é de isolamento.

Juntas, estas unidades federativas representam 70,9 milhões de eleitores ou 49,3% do total de brasileiros aptos a votar no dia 7 de outubro.

Dirigentes petistas dizem que o isolamento é inédito desde a década de 1980, quando o PT ainda era um coadjuvante nas disputas eleitorais e tinha postura restritiva em relação à política de alianças.

Segundo líderes petistas, a situação é um resquício da série de tombos que o partido levou desde as manifestações de junho de 2013, passando pela Operação Lava Jato, o impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff e culminando com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no caso do triplex do Guarujá (SP).

Além disso, o cenário nos Estados onde os petistas estão isolados repete o quadro nacional. Decidido a manter até o fim a candidatura de Lula, mesmo condenado em segunda instância e preso em Curitiba, o PT ainda não conseguiu fechar uma aliança nem sequer para a disputa presidencial. Em 2014, a coligação que reelegeu Dilma tinha nove legendas.

“O debate sobre alianças ainda está em curso e há tempo para aumentar as nossas coligações”, disse o deputado Paulo Teixeira (SP), um dos vice-presidentes do PT e integrante da Comissão Eleitoral do partido. “As possibilidades de apoio é um ativo político. Por isso ninguém quer revelar as conversas que teve”, completou.

Murillo de Aragão: O problema é nosso

Revista IstoÈ

Imaginem se fôssemos vizinhos da China, da Rússia, da Síria ou da Coreia do Norte? Imaginem se fôssemos palco de lutas religiosas entre sunitas e xiitas?

Basta alguns dias fora do Brasil para notar o tamanho dos nossos problemas. Basicamente, bem menores do que parecem e fruto de um imenso desamor pelo País. Em especial, por parte dos políticos e das elites, responsáveis por nosso sucesso meia-boca, pela demora em produzir resultados e por permitir que imensas corporações se apoderarem do Brasil. Traficantes e milícias controlam as favelas. Burocratas controlam a administração pública. Políticos controlam as verbas. Jornalistas controlam narrativas enviesadas. A universidade foi capturada por corporativistas de uma esquerda arcaica.

A cidadania sofre e nem sabe direito por quê. Sabe apenas que está ruim e, se pudesse, se mandava daqui. No final das contas, Thomas Hobbes está certo. O homem é o lobo do homem e o que o homem quer é paz e sossego para obter e desfrutar os ornamentos da vida. No Brasil não há nem paz nem sossego. Salvo se você pagar taxas extras de segurança. Os riscos vão desde os riscos físicos até os jurídicos e burocráticos – o velho conhecido “risco Brasil”. O Brasil é um risco e a agenda política e midiática está toda errada, já que ela não trabalha a favor da cidadania visando a minimizar os riscos. Trabalha em favor de projetos de poder que misturam ideologia, corporativismo, fisiologia e clientelismo.

Ricardo Noblat: Seleção unifica o Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Vai que é sua, Neymar!

Não subestimem a esquerda burra. É possível, sim, que uma fatia dela, que se recusa a aprender as lições da História, ainda torça para que a Seleção Brasileira se dê mal logo mais à tarde quando jogar contra a Suíça.

Não foi assim em 1970 quando a esquerda imaginou que a conquista da taça pela terceira vez consolidaria a ditadura militar de 64? A ditadura começou a ruir no final de 1973 quando disparou o preço do barril do petróleo.

Lembra-se que Michel Temer, quando ainda conspirava para derrubar a então presidente Dilma Rousseff, ofereceu-se como quem seria possível unificar o país? Acreditou quem quis. E quem acreditou, hoje quer vê-lo pelas costas.

Depois de quatro tumultuados anos, caberá à Seleção de Tite e de Neymar juntar o país dividido entre coxinhas e mortadela, entre golpistas e não golpistas, o país de Lula encarcerado, e de Temer na marca do pênalti.

Poucas coisas são capazes de unificar de verdade o Brasil. A língua é uma delas. Outras duas, a alegria do carnaval e a paixão do futebol. Pode ser um dado conjuntural, capaz de mais adiante perder sua relevância, mas, porém,…

A acreditar-se nas pesquisas de opinião aplicadas desde junho de 2013, o combate à corrupção, quando nada da boca para fora, parece estar sendo capaz neste momento de unificar sofridamente o país que dizemos querer.

De volta ao futebol. Que a bola role. Que vença o melhor. E que o melhor seja o Brasil.

A hora da esperança: Editorial | O Estado de S. Paulo

As eleições de outubro são decisivas para o País e o cenário político é de muita incerteza. Faltam propostas e abundam demagogias e radicalismos. Diante disso, não é de estranhar que muita gente esteja apreensiva com o que poderá vir das urnas. A incógnita envolve até mesmo questões básicas, sobre as quais não deveria haver nenhuma dúvida, como, por exemplo, o compromisso com a responsabilidade fiscal. Junto ao clima de incerteza, nota-se também outro tipo de atitude, que pode ser muito prejudicial ao País: a desesperança. Já não se trata da clássica e natural dúvida em relação ao resultado das eleições. Tem-se um estado de espírito coletivo do qual sobressai a certeza de que, sejam quais forem as escolhas do eleitorado, tudo continuará exatamente como está. Ou ainda pior.

Uma atitude assim é extremamente perigosa para o País, pois na prática tende a eliminar a responsabilidade pessoal do cidadão pelo seu próprio futuro. Se tanto faz ganhar fulano ou beltrano, não faz sentido esforçar-se para conhecer os candidatos e suas propostas. Se, a despeito de quem for eleito, tudo continuará rigorosamente igual ou pior, não há motivo para uma participação política mais ativa. A desesperança conduz à passividade e à indiferença, atitudes que são fatais para a democracia, que é um regime de participação e compromisso.

Comperj é retrato da corrupção que abalou a Petrobras: Editorial | O Globo

Na pressa de se fazerem compras de equipamentos, para que comissões fossem geradas, há relatos de que alguns chegaram a ser adquiridos antes do próprio projeto

A história do esquema de corrupção sem precedentes montado na Petrobras pelo lulopetismo e aliados (MDB e PP), associados às maiores empreiteiras do país, pode ser contada por projetos gigantescos que foram deixados pelo caminho, depois de servirem para projetar obras superfaturadas e, assim, gerar bilhões que seriam desviados para o projeto de poder do PT. Incluindo benefícios a líderes petistas, como o ex-presidente Lula e José Dirceu, não por coincidência presos.

Um desses projetos mastodônticos é o do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), um polo petroquímico idealizado para Itaboraí, vizinha a São Gonçalo, nas proximidades da Baía de Guanabara, não muito distante da Refinaria Duque de Caxias. Localização estratégica, também para facilitar o recebimento de gás natural da Bacia de Campos.

Uma escancarada janela de oportunidade para a roubalheira, com a conivência de diretores da estatal, profissionais de carreira que aceitaram, em troca de propinas, receber ordens de PT, MDB e PP. Alguns também conheceram a cadeia da Operação Lava-Jato, em Curitiba.

Censura travestida: Editorial | Folha de S. Paulo

Intento de combater notícias falsas, como se fosse simples distinguir dado objetivo e leitura política, dá mostras do paternalismo da Justiça Eleitoral

Há poucos dias, a pedido da presidenciável Marina Silva (Rede), concedeu-se no Tribunal Superior Eleitoral uma liminar que fere abertamente o princípio da liberdade de expressão.

A candidata reclamava na Justiça das publicações de um perfil no Facebook, intitulado Partido Anti-PT, que a acusava de ter recebido propina de empreiteiras.

O sistema legal brasileiro coloca instrumentos à disposição de todo indivíduo que, como Marina Silva, sinta-se ofendido ou tratado de modo injusto por notícias.

Crimes como calúnia, injúria e difamação resultam em penas reais para quem os comete. No plano civil, a possibilidade de reparações está plenamente codificada. Basta, claro, que se possam identificar os responsáveis pelas postagens supostamente insultuosas.

No caso do perfil Partido Anti-PT, impunha-se, portanto, evitar que seus autores permanecessem no anonimato —e foi correta a decisão do ministro Sérgio Banhos, do TSE, nesse sentido.

Deu-se um passo a mais, entretanto, ao determinar que os conteúdos desagradáveis à postulante da Rede fossem retirados da internet.

Ao que parece, qualquer candidato pode invocar o neologismo das fake news para recorrer ao mecanismo antiquíssimo do controle sobre a liberdade de expressão.

Míriam Leitão: Durma-se com esse barulho

- O Globo

Em apenas uma semana, Donald Trump conseguiu brigar com aliados do G-7, defender a Rússia, fazer uma cúpula-espetáculo com Kim Jong-un e iniciar uma guerra comercial com a China. Na quarta-feira, postou no Twitter: “durmam bem esta noite, não existe mais a ameaça nuclear”. Na sexta, o escritório comercial da Casa Branca, USTR, anunciou a lista de 818 produtos chineses que pagarão sobretaxa.

Em apenas uma semana o Banco Central brasileiro vendeu US$ 24,7 bilhões para tourear o dólar que ficou indócil durante todos os dias. A economia americana crescendo, os juros do Fed subindo, a incerteza presente no Brasil e no mundo, tudo isso foi batendo na relação entre as moedas. Nesta copa cambial, o peso argentino teve uma queda na quinta-feira de quase 7%. O mundo está um lugar cheio de riscos e complexidades e o “líder supremo americano” é aquele fator imprevisível.

A cúpula com a Coreia do Norte atraiu todos os olhares, obviamente, porque o presidente Trump atravessou meio mundo para falar de igual para igual e chamar de líder o ditador que era tratado como o mais desprezível dos governantes. Cúpulas históricas como a de Ronald Reagan e Mikhail Gorbachov, em 1986, e de Richard Nixon e Mao TseTung, em 1971, foram preparadas com várias reuniões de assessores e seguidas por outras tantas reuniões antes que se pudesse dizer que haviam sido um sucesso. Esta foi instantânea. Pouca preparação e imediata comemoração como sendo o fim da ameaça nuclear.

Vinicius Torres Freire: Uma aberração rara até para o Brasil

- Folha de S. Paulo

Drama que vem desde 2013 tem sintomas semelhantes aos dos piores momentos da República

A desgraça dos últimos cinco anos tem sintomas das piores crises da República. É uma síndrome político-econômica grave até para os padrões aberrantes do país.

Não se trata apenas de dizer que o triênio 2014-2016 foi o da segunda pior recessão desde 1900. Pelo menos desde os anos 1950, quando há dados mais confiáveis, a economia não regredia tanto em relação ao resto do mundo.

Há mais. Depois de chegarmos ao fundo do vale recessivo de momentos críticos, em 1965, 1983 ou 1992, nos biênios subsequentes o país voltaria a crescer (a taxas acumuladas de 5%, 9% e 8%, respectivamente). Em 2017-2018, o crescimento da renda (PIB) per capita não passará de 1,5%, se tanto.

Ainda que as recuperações dos outros colapsos fossem insustentáveis e restritas aos mais remediados ou elites, ofereceram alívio transitório, em especial político. Como atenuante, o país é hoje mais rico e conta com proteção social mais extensa e profunda, o que talvez limite o sofrimento social. Em comum com outros desastres, há crises política e econômica que se realimentam.

Nas trevas em torno de 1965, começavam mudanças constitucionais e reformas econômicas impostas por meio de repressão social, cassação, exílio, tortura e morte.

O fundo do vale de 1983 resultou em outra mudança constitucional, o desmanche da ditadura.

Samuel Pessôa: Piora a conversa

- Folha de S. Paulo

Ajuste fiscal que não quer aumentar receita e não quer cortar despesa é enganar o eleitor

Na quinta da semana passada (14), o jornal Valor Econômico publicou entrevista de André Lara Resende e Eduardo Giannetti da Fonseca, assessores econômicos da candidatura de Marina Silva à Presidência.

O tom da entrevista foi ruim. Não há por parte deles noção da gravidade do problema fiscal e falta sentido de urgência.

A emenda do teto já é um ajuste fiscal muito gradual. Com ela, teremos déficit primário de 2014 a 2020, pelo menos. O cenário mais otimista é que o resultado primário positivo volte entre 2021/2022, mas em um nível que não estabilizará a relação dívida/PIB.

Sem a emenda do teto dos gastos ou com um teto mais brando, parte do ajuste terá de vir de uma maior carga tributária.

Ser contra a emenda do teto e o aumento da carga tributária, e a favor de um ajuste fiscal supergradual, é algo difícil de entender. Se o teto já significa um ajuste gradual, o que seria mais gradual ainda? Esperar a dívida pública chegar a 100% do PIB?

Talvez maior gradualismo fosse possível com forte reestruturação da dívida da União por meio de um rápido processo de privatização. Mas um processo de privatização veloz, mesmo em um governo forte, leva em média dois anos.

Cacá Diegues: Uma questão de competência

- O Globo

Eu tinha acabado de fazer dez anos de idade, quando o Brasil, sede daquela primeira Copa do Mundo do pós-guerra, enfrentou na final o Uruguai. Parece que tinha mais de 200 mil espectadores no recém-inaugurado Maracanã. Infelizmente, eu não era um deles. Meu pai não curtia futebol e, para conhecer o Estádio Municipal, tive que esperar um tio tarado pelo esporte chegar de Maceió, uns poucos anos depois. Tricolor fanático, o tio me levou para ver Fluminense e Grêmio, graças à minha mentira oportunista de que era torcedor do clube das Laranjeiras. Foi duro comemorar os gols com naturalidade, mas “nós” ganhamos o jogo.

Naquele inverno carioca, mais precisamente no dia 16 de julho de 1950, acompanhei a final da Copa pelo rádio, ouvindo o jogo narrado por Oduvaldo Cozzi. Eu não entendia como alguém podia ser tão sereno, capaz de relatar os mais perigosos ataques uruguaios sem alterar a voz, sem dizer alguns palavrões diante do perigo que rondava nossa meta. No início do segundo tempo, Friaça abriu o placar, e todo o Brasil começou a comemorar. Todo o Brasil e eu também, naquela sala sombria na rua São Clemente, quase esquina da Matriz, onde iríamos morar uns quatro ou cinco anos depois.

Depois veio a tragédia. Nos últimos quinze minutos de jogo, o Uruguai virou o placar para 2 a 1 e ganhou a Copa daquele ano. Assim que o juiz apitou o final, desliguei o rádio e fui para a varanda, chorar sozinho o meu desgosto. Até hoje não sei dizer se foi de fato assim ou se isso foi uma ilusão que alimentei esses anos todos, mas daquele momento em diante, até o fim da noite, não vi um só carro passar em frente à nossa casa, num dos trechos mais movimentados da movimentada Rua São Clemente. Nem carro, nem ônibus, nem bonde. Era como se a cidade tivesse parado de respirar para sofrer sua dor em silêncio, sem algazarras ou suspiros.

Carlos Drummond de Andrade: Cariocas

Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte... Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca

(até que alguém se lembre de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.
Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar... a frente é interminável.
A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?
Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!
Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos...
Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.

(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)

Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?
Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!
A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?
A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.
Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto
de metralhadora, de seqüestro e bomba?